quarta-feira, 16 de setembro de 2015
Problemas econômicos do Brasil têm origem na tensão política (Paulo Peres)
- Professor da UFRGS analisa os equívocos e os conflitos que levaram Dilma a um cabo de guerra com o parlamento -
Na eleição presidencial de 1992, nos Estados Unidos, James Carville, consultor da campanha de Bill Clinton, cunhou uma frase que se tornaria célebre no debate político durante muitos anos: “É a economia, estúpido”. Àquela altura, Carville queria dizer que o ponto mais sensível da sociedade americana era a economia, pois o país enfrentava uma grave recessão, com consequentes efeitos sobre a renda, o consumo e o emprego. Assim, os democratas deveriam bater na tecla da crise econômica para conquistar os corações e mentes dos eleitores, de modo a derrotar George Bush, o pai, na sua tentativa de reeleição. De fato, a economia daquele período era a maior preocupação do eleitorado, e a estratégia de comunicação do Partido Democrata tirou Bush da Casa Branca.
Anos depois, em 2012, diante dos impactos da crise econômica mundial que eclodiu em 2008, Carville publicou um livro, em coautoria com o especialista em pesquisas de opinião Stan Greenberg, apontando que, agora, o alvo das políticas e do discurso partidário nos EUA deveria ser a classe média. Os efeitos da crise e a concomitante reação do governo levaram a uma redução desse estrato social, o grande motor da economia do país. De lá pra cá, o governo Obama tem tentado se equilibrar entre as demandas do “mercado” e as pressões políticas da sociedade, principalmente dos cidadãos da classe média. Transportando essa situação, em analogia, para a atual situação de crise brasileira, podemos dizer: é a política!
O Brasil enfrenta hoje, simultaneamente, adversidades na economia e na política. Contudo, o maior ponto de tensão e de potencial crise está no processo político, o qual acaba contaminando a esfera econômica. É claro que estamos diante de sérias dificuldades na economia e estas podem nos conduzir a uma situação de maior gravidade; porém, já vivemos crises piores nesse setor e temos uma série de indicadores que ainda dão capacidade de reação ao governo e aos agentes econômicos. Inclusive, se nosso habitat político estivesse mais equilibrado, mais facilmente enfrentaríamos os atuais problemas econômicos. No entanto, estamos diante de uma conjunção de fatores que convergem para um cenário de baixa cooperação entre os principais atores políticos, o que cria uma atmosfera de incerteza muito grande e de provável incremento do conflito entre os partidos e os grupos sociais.
No delicado ambiente da política, onde impera uma feroz e incontornável competição, há duas estratégias que os indivíduos e grupos sociais podem seguir – cooperação ou conflito. A competição pode ser cooperativa, tornando-se vantajosa para todos ou a maioria dos atores. Isso significa que eles podem fazer alianças; o que, no caso da política partidária brasileira, manifesta-se na forma de coligações eleitorais e coalizões de governo. Quando essa cooperação por alianças não é possível, seja pela distância programática ou por qualquer outro tipo de interesse, os partidos fazem oposição àqueles que se aliaram na ocupação do governo. Essa oposição, não obstante invista em certo grau de conflito, deve ser leal às “regras do jogo” e seguir à risca toda liturgia institucional que legitima o regime democrático. Nesse sentido, a oposição atua de forma não cooperativa e investe no conflito com o governo, mas num grau moderado, pois qualquer radicalização que inviabilize completamente a governabilidade ou que provoque a desestabilização institucional poderá resultar em ameaça ao regime democrático e, no limite, à perda de legitimidade de todo o sistema representativo. Ou seja, todos perdem.
O governo, por sua vez, deve ser capaz de sinalizar para a população que políticas pretende fazer e aonde pretende chegar. O governo deve mostrar serenidade, estabilidade, segurança e consistência. Deve garantir a governabilidade fiscal, administrativa e política. Deve ser hábil para assegurar a implementação de sua agenda, deve saber negociar e, ao mesmo tempo, mostrar liderança. O governo tem que ter a capacidade de se comunicar de forma clara e direta com os cidadãos; deve ser protagonista na construção da “narrativa” do cotidiano político. Deve ter uma mensagem de esperança. Se não tiver essas destrezas, será incapaz de coordenar a ação coletiva de seus aliados, de modo que tal inépcia resultará no aumento do conflito tanto interno como externo ao governo, com inevitável perda de popularidade.
Estamos avançando rapidamente para essa situação. O modelo de governação brasileiro, denominado “presidencialismo de coalizão”, é baseado na formação de coalizões partidárias majoritárias e coesas que cooperam com o Executivo. A Presidência da República dispõe de recursos e prerrogativas constitucionais que facilitam a atração de partidos para sua base de apoio. Todos sabemos que o governismo é uma força gravitacional muito forte para os partidos. Porém, sem uma liderança política com a disposição e o talento para operar esse mecanismo institucional, o governismo se transforma em “cerco” ao governo, seja por parte dos “aliados”, que quererão cada vez mais recursos para si, seja por parte da oposição, que procurará enfraquecer o governo para conquistar o poder na próxima eleição ou, conforme o caso, para retirá-lo do poder de algum modo antes mesmo do término do mandato.
A atual crise política não é resultado do esgotamento desse modelo, mas sim da inabilidade do governo Dilma para operar o “presidencialismo de coalizão”; mais do que isto, pela atabalhoada tentativa de governar sem recorrer a esse modelo de governação. No início do seu segundo mandato, ao tentar se distanciar do PMDB, seu governo abriu espaço para o fortalecimento de Eduardo Cunha e seu grupo parlamentar, além de ter descontentado todo o resto dos peemedebistas. O governo Dilma rompeu unilateralmente o acordo cooperativo com o PMDB, gerando um problema de quebra de confiança necessária a todas as cooperações. Desde então, a presidenta não conseguiu recompor de fato sua coalizão legislativa e vive num permanente clima de insegurança. Diante disso, alas do PMDB perceberam que podiam jogar o jogo da ameaça crível: pressionam o governo para obter mais recursos, sob pena de retirar de vez seu apoio ou de permitir que cheguem a algum termo processos de CPIs e até mesmo de impeachment.
Contribuindo ainda mais para agravar esse quadro – aliás, o governo comete erros estratégicos inacreditáveis –, a presidenta e seu núcleo de assessores, na tentativa de obter maior apoio de sua base legislativa e reduzir o poder do presidente da Câmara dos Deputados, deram mais poder ainda ao PMDB, nas figuras do vice-presidente Michel Temer e de Renan Calheiros, presidente do Senado. Alimentaram disputas internas dos peemedebistas e deram ao vice-presidente a oportunidade se tornar um pivô dos movimentos pelo impeachment. Acima de tudo, ter tentado se distanciar do PMDB foi um equívoco político crucial. Desde a retomada da eleição direta para presidente da República, apenas um governo não contou com o PMDB em sua coalizão legislativa, o governo Collor. Sabemos no que resultou.
* Doutor em Ciência Política pela USP. Professor da UFRGS
fonte: Zero Hora
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