- Cientista político e brasilianista francês fala sobre a atual tensão política que assola o país -
Stéphane Monclaire - professor de Ciência Política - Nascido em Paris e professor de Ciência Política na Sorbonne desde 1984, Stéphane Monclaire é também um especialista em Brasil, e já escreveu sobre o período de transição do país da ditadura militar para a democracia e sobre o processo de elaboração da Constituição de 1988. Ele esteve em Porto Alegre esta semana para participar do 1º Seminário Internacional de Ciência Política promovido pela UFRGS. Na qualidade de um estrangeiro com olhar de especialista, Monclaire fala, na entrevista a seguir, sobre as atuais turbulências que assolam o cenário político do país. Leia abaixo os principais trechos:
Como o senhor avalia a atuação da oposição diante da crise política?
- O jogo da oposição é bater forte, e poderia bater ainda mais forte se fosse unida. Veja o PSDB. É um partido que disputou todos os últimos segundos turnos das eleições presidenciais desde 2002, e que antes disso estava no Planalto. Este partido é dividido entre correntes e chefes bem conhecidos: Alckmin, Aécio Neves e José Serra. E Fernando Henrique como o velho cacique. Esse partido precisa falar de uma maneira mais unívoca e fazer proposta. Porque dizer que a economia vai mal é simples, e além de tudo é verdade. Agora, é outra coisa dizer: “Para corrigir, vamos fazer isso, veja nossa agenda de reformas, teremos sangue, suor e lágrimas, mas o Brasil vai melhorar”. Até hoje não vi proposta concreta para a economia. Armínio Fraga, ex-chefe do BC na época de FHC, fez algumas indicações, mas não é um programa geral. E o PMDB é um partido dividido desde a Nova República, também composto de grupos, liderados por Eduardo Cunha, Renan Calheiros, Michel Temer, Eduardo Paes e outras figuras locais. A briga que existe hoje entre o Congresso e o Planalto tem muito a ver com uma tentativa dessas personalidades peemedebistas de exercer um controle mais forte sobre o partido quando a eleição presidencial se aproximar, e assim ter a maior parte da bancada ao seu lado, prefeitos, senadores, governadores, aumentando a probabilidade de vencer uma eleição presidencial. Tem aqueles que esperam controlar o partido, e tem o Temer, que age de outra maneira: ele já é vice-presidente, se virar presidente interino, assume o controle.
Algumas das grandes crises e enfrentamentos que a presidente teve recentemente foram com políticos e partidos que fazem parte de sua base aliada, como o próprio PMDB. Por que os aliados vêm se rebelando?
- Temos de ser prudentes quando fazemos comparações no tempo. Porque, apesar de os partidos terem os mesmos nomes, a realidade das relações intrapartidárias não é a mesma. O PT dos anos 2000 e dos anos 2010 é bem diferente do PT dos anos 1990, sem falar do dos anos 1980. Do ponto de vista do discurso, da democracia interna, da renovação das lideranças, do recrutamento e do financiamento. É o mesmo partido, mas mudou. A mesma coisa aconteceu no PMDB. Temos a permanência de alguns caciques: Michel Temer já era deputado constituinte, Renan Calheiros já era presidente do Senado há 10 anos. Mas, apesar de os nomes serem os mesmos, os recursos que têm essas pessoas não são necessariamente os mesmos. O savoir-faire deles não é necessariamente o mesmo. E tem o baixo clero, que também tem de ser analisado dentro do PMDB. Agora é o momento dos pastores, dos evangélicos, de políticos radicais – não do ponto de vista de político, mas de uma certa concepção da moral – e isso permitiu a Eduardo Cunha ganhar a presidência da Câmara. Por isso essa coisa estranha: esse PMDB que era aliado agora está em grande parte oposto.
A reação da presidente também contribui para a tensão?
- A Dilma não é o Lula. Os brasileiros estão tão acostumados a ver Dilma na TV que talvez não tenham capacidade para avaliar. Há poucos chefes de Estado carismáticos hoje em dia. Podemos fazer a lista das grandes democracias: Roosevelt nos EUA, Churchill na Inglaterra, De Gaulle na França e Adenauer na Alemanha. Vamos ficar com esses. Quem se lembra de quem foi presidente depois do Roosevelt? Do De Gaulle? Quando um chefe tem capacidade de mudar um país, de se impor à opinião pública e ser respeitado fora, o sucessor parece nanico. E no caso da Dilma, embora ela tenha herdado um país com crescimento significativo de 7%, o déficit de carisma dela em comparação com Lula é flagrante. Lula tinha uma capacidade excepcional de negociação e um grande senso de pragmatismo, enquanto Dilma vem de outro universo. Assim como lutou bravamente durante a ditadura, ela agora está em uma estratégia de confronto, não tem jogo de cintura. Além disso, quando ela foi chefe da Casa Civil depois da saída de Dirceu, o Lula falou: “Você vai tocar as políticas públicas, mas tudo o que concerne à política partidária da Casa Civil eu mesmo faço”.Então, Dilma passou anos na Casa Civil sem participar realmente das negociações para costurar uma maioria, acordos entre o Planalto e o Congresso. Desse ponto de vista, ela era pouco experimentada ao chegar ao Planalto, mas no início a coisa era administrável porque havia crescimento e a economia estava bem. Mas nos últimos meses é visível que ela ainda não entendeu como criar condições de estabilidade entre Congresso e Planalto.
De que modo esse confronto se reflete na crise econômica?
- O Brasil está em uma situação complicada, tem uma interação forte entre a crise econômica e a crise política. Quando, por exemplo, para incomodar a presidente e o governo, Eduardo Cunha faz aprovar pela Câmara um novo aporte de despesas orçamentárias, o mercado internacional não gosta, é aplicada sanção imediata e o dólar sobe em relação ao real. Ou quando a Dilma diz que vai ressuscitar a CPMF e depois diz: não vamos mais. Ela está um pouco perdida, tenta reagir e não consegue, tenta coisas que não funcionam, o que também é outro sintoma da crise, e os mercados não gostam disso. Mercados gostam de previsibilidade, não de improvisação.
O Congresso é hostil. Mas recentemente, medidas cogitadas pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy prometeram atingir o próprio coração das administrações petistas, como os programas sociais.
A presidente nomeou Joaquim Levy por ser uma figura respeitada, para acalmar os mercados internacionais e dar margem de manobra para aplicar uma austeridade que não fosse forte demais. Mas Dilma não se entende muito bem com ele e tem o ouvido mais sensível ao que diz o ministro do Planejamento. E é difícil para Dilma, que quer encarnar uma figura voltada para o social, aguentar os cortes dentro dos orçamentos sociais, como o Minha Casa, Minha Vida. A falta de solidariedade dentro do governo agrava a situação e tem a ver com o fato de que, de maneira paradoxal, a presidente é autoritária demais quando manda e não é autoritária o suficiente para fixar diretrizes. Um dos resultados é que há um conflito entre a Fazenda e o Planejamento. Deve-se apontar também a falta de savoir-faire da presidente e do Mercadante. A última foi este decreto para tirar poder das Forças Armadas, o que não é ruim do ponto de vista da democracia, mas não era urgente, poderia ter sido feito daqui a uns meses. Por que agora? Foi erro emitir o decreto e foi um erro retirá-lo, porque dá de novo a impressão de que o governo não sabe o que fazer, e isso não é bom para ninguém.
* Por:
Nenhum comentário:
Postar um comentário