"Tem que juntar o Temer, o Fernando Henrique, o Lula, trancar dentro de uma sala e jogar a chave fora, para encontrar a solução". Há 51 anos, o golpe militar surgiu como "solução" dos impasses da precária democracia brasileira. Hoje, segundo Abilio Diniz, a solução demanda um golpe civil. As repercussões positivas da sugestão do empresário, tanto entre seus pares como na imprensa –onde foi celebrada, por exemplo, por Clóvis Rossi– evidenciam a natureza de nossa crise. O Brasil gosta do auto-engano.
"O povo não sabe votar." No seu cerne, a ideia do golpe é substituir a vontade imperfeita dos cidadãos, essa massa ignara conduzida no turbilhão das emoções, pela deliberação fria de um ente de razão que assume o papel de representação nacional: o Caudilho, o Partido, as Forças Armadas. O golpe civil, tal como proposto por Diniz, troca o ato de força pela encenação da conciliação: os "pais da pátria" correm em defesa de um valor maior, que é o bem comum, subordinando a ele seus interesses particulares. O acordo por cima, o conchavo sublime, cancela o conflito, refaz a ordem perdida e propicia um novo começo. Seu pressuposto implícito é que inexistia um conflito verdadeiro, uma legítima disputa política sobre a sociedade, a economia e o Estado.
Os três homens na sala fechada são os caciques das principais forças partidárias do país. O interlocutor ausente é a presidente eleita pelo povo. Na formulação de Diniz, compartilhada por tantos incautos, Dilma é o nome do problema –e sua ausência é a chave da solução. A presidente é, certamente, um problema: o cânone definitivo da união entre a arrogância e a incompetência. Contudo, atrás de sua figura patética, avulta o problema real: a crise do lulopetismo. Fiel à sua alma profunda, por quatro vezes consecutivas o Brasil escolheu nas urnas a estrada sedutora do capitalismo de Estado. Hoje, já no meio da jornada de uma década perdida, a nação confronta-se com as consequências de suas opções. O golpe civil proposto por Diniz é um truque para encerrar o debate nacional, evitando sua conclusão. Sai Dilma, ficam as ilusões.
A sentença do empresário contém um trecho oculto, que deve vir à luz. Na sala de três, só um pode tomar a cadeira de Dilma. Diniz está conclamando FHC e Lula a demitirem a presidente, forçando sua renúncia e substituindo-a por Temer. O projeto envolveria um contrato informal entre o PSDB e o PT: na sala lacrada, os dois partidos congelariam suas divergências, entregando a gerência da crise nacional a um fiel depositário e adiando o desfecho do conflito até a batalha eleitoral de 2018. No mito da conciliação, a democracia é posta entre parêntesis pelo tempo suficiente à restauração da ordem. De fato, porém, o golpe civil não significaria mais que a perenização da desordem.
Inexistem cenários virtuosos no horizonte. Nada, porém, seria tão deplorável quanto um governo de "união nacional" fecundado na alcova de um conchavo tripartidário. Na planilha de custos do golpe civil, sonegada por Diniz, encontra-se a manutenção da aliança PT-PMDB, acrescida da eliminação da oposição parlamentar. A união dos três partidos ergueria uma paliçada de proteção de um sistema político consagrado à pilhagem do Estado. O dilema econômico pendente, expresso pelo fracasso do ajuste fiscal, continuaria sem solução. Mas a sociedade pagaria a transação da saída de Dilma pela renúncia ao aprofundamento da nossa Operação Mãos Limpas.
Diniz sustentou por quase três anos um rumoroso conflito empresarial sem nunca fechar-se numa sala para conciliar com o Casino. Mas acha que a crise nacional gerada pelo estatismo, pelo neopopulismo e pela privatização partidária do Estado é assunto menos complexo –e ainda tem quem o aplauda. O "Financial Times" descreveu o Brasil como "um filme de terror". Vai ver, é por isso.
Fonte: Folha de São Paulo (05/09/15)
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