domingo, 11 de janeiro de 2015

'Há décadas, faz-se vista grossa com o extremismo islâmico na França', (Jean-Pierre Le Goff/entrevista)





Para o sociólogo francês Jean-Pierre Le Goff, pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) e autor de diversos livros, desde a década de 80 correntes da esquerda francesa têm sido condescendentes com o avanço do islamismo extremista pelo medo de ser acusada de racista. Movimento que ganhou força com o medo incutido pela extrema direita. Para Le Goff, após uma trégua de união nacional que deve ser curta, a extrema-direita receberá impulso e deverá chegar até ao segundo turno das eleições presidenciais.

Quais são os efeitos imediatos do atentado?

A unidade do país é incontornável. Não vejo quem possa ser contra, num primeiro momento, ao ataque, que foi feito pelo terrorismo islâmico. Não foi a maioria dos muçulmanos que vivem no país e que condenaram o atentado. Uma minoria, mas há um medo de se atacar o problema dos extremistas para não ser tachado como islamofóbico. Perdemos um certo bom senso. O espírito francês foi atingido no seu âmago que é o humor, a liberdade de expressão, a democracia. Seja de direita ou de esquerda, sabe-se que houve um ataque contra o pensamento. É altamente simbólico porque atacaram a caricatura, que é uma paixão nacional.

Não era esperado um atentado de maior porte depois de uma série de ataques recentes?

É verdade que há uma série de ataques desde 2012, quando em Toulouse (sudoeste da França), um atirador matou três crianças franco-israelenses e um rabino numa escola judaica. Como conseguir combater isso é um desafio porque a França recebe muitos muçulmanos. Ao se negar esse problema, é o extremismo que vence.

Onde será preciso atuar?

Nesse primeiro momento, é preciso atuar com a polícia, contraespionagem na França. Precisa-se de uma repressão porque a democracia foi atacada. Ainda há um medo de falar em islamofobia, de se estigmatizar. [Michel] Houellebecq teve dificuldades ao lançar um romance [“Soumission”, que mostra a França dirigida por um muçulmano em 2022 depois do fim do segundo mandato de Hollande e numa coalizão republicana que bate Marine le Pen] em que mostra um presidente muçulmano que não é um terrorista, mas um moderado. Ele foi criticado como se não pudesse falar nisso. Desde que o livro saiu, foi visto como islamofóbico por muitos.

O presidente François Hollande experimenta níveis baixíssimos de popularidade. Quais os efeitos políticos desse atentado?

Em um primeiro momento, haverá a união de todos, e isso favorece Hollande. Mesmo Sarkozy e Marine le Pen disseram que foi o atentado foi obra do movimento jihadista e não muçulmano, mas isso não vai durar muito. Se os problemas não forem atacados, mesquitas vão ser incendiadas. Nas próximas eleições, o Front Nacional [extrema direita] vai ter um ótimo desempenho, com certeza vai chegar ao segundo turno das eleições presidenciais. Depois, se não houver uma resposta clara sobre a situação do islamismo e a laicidade, a extrema direita será mais favorecida.

O extremismo muçulmano é um problema francês ou europeu?

Da Europa como um todo e da França, em particular. Aqui na França, vimos uma clara escalada da influência extremista muçulmana em alguns subúrbios de Paris. Muitas pessoas dizem que não querem se integrar. Houve recentes manifestações contra judeus. Há uma inquietude na sociedade francesa e na Europa. Existem hoje cerca de mil franceses que foram arregimentados e partiram para a Síria para serem treinados como jihadistas. Relaxamos em vários aspectos. Nos anos 80, correntes dentro do Partido Socialista hesitaram sobre se deviam permitir que as meninas usassem véus em escolas [polêmica conhecida como caso de Creil]. Na década de 90, vimos pregadores de um Islã fundamentalista virem para a França e instalarem mesquitas sem que nada fosse feito. Há cerca de dez anos, quando Martine Aubry era prefeita de Lille-Sud, houve uma grande polêmica porque grupos extremistas passaram a controlar a hora de homens e de mulheres entrarem em uma piscina pública e houve demora das autoridades de pôr fim ao caso.O Front Nacional (extrema direita) explorou esse medo que já existia, mas não o criou. Ou o Islã se integra à França, à Europa, com uma islamização republicana europeizante, ou islamiza-se a Europa.
(Clarice Spitz – O Globo)

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