quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Ano novo, governo velho (Luiz Carlos Azedo)





A presidente Dilma Rousseff assume o seu segundo mandato hoje com um ministério com cara de velho, sem nenhuma grande surpresa, já que a única mudança de rumos significativa foi sinalizada logo após as eleições, com a nova equipe econômica encabeçada pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Apesar do tempo que levou para anunciá-los, os ministros nada acrescentam de novo e herdam os desacertos do mandato que se encerrou. A maioria representa grupos e lideranças que se opõem à renovação dos costumes políticos e protagonizaram grandes escândalos.

Se houver alguma novidade na posse, será nos discursos da presidente da República, um no Congresso e outro no púlpito do Palácio do Planalto, o que é improvável, porque a presidente Dilma Rousseff não é dada a grandes autocríticas. O novo governo é de continuidade, e não de mudança, ao contrário do que foi apregoado na campanha eleitoral. Aliás, a nova equipe ministerial, tanto na área econômica como na política, está em conflito com a inflexão à esquerda feita por Dilma para derrotar a oposição, representada no segundo turno pelo senador Aécio Neves (PSDB).

Por força do fracasso de sua nova matriz econômica, na verdade uma marcha forçada para consolidação e ampliação de um modelo de capitalismo de Estado que naufragou nos mares do pré-sal junto com a Petrobras, Dilma vai seguir a receita do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003. O petista assumiu o governo e manteve o programa de estabilização da economia que herdou do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e que Dilma pretende retomar, para retroceder do beco sem saída em que se meteu.

À época, havia a favor de Lula um ambiente de expansão da economia mundial e a completa blindagem política e institucional do superavit fiscal, da meta de inflação e do câmbio flutuante. Uma das heranças do primeiro mandato de Dilma Rousseff é a destruição dessa blindagem, com a “flexibilização” de mecanismos de controle dos gastos públicos, como a Lei de Responsabilidade Fiscal. Com uma taxa de inflação perigosamente em torno de 6,5%, o deficit primário das contas públicas em R$ 18,3 bilhões e o dólar comercial a R$ R$ 2,65 graças a fortes intervenções do Banco Central (BC), o país parou. Em alguns casos, andou pra trás. Que o digam a preservação das florestas, o controle de doenças endêmicas e a educação básica. Tudo isso, entretanto, foi varrido para debaixo do tapete durante a campanha eleitoral.

A grande contradição
A nova equipe econômica tem dado sinais de que pretende fazer a inflação voltar para o centro da meta ao fim de 2016, o que pressupõe um grande aperto monetário e austeridade nos gastos públicos. A sinalização veio com as medidas adotadas no começo da semana em relação a direitos trabalhistas e previdenciários, algumas das quais, diga-se de passagem, realmente necessárias. Será que o chamado “núcleo duro” do Palácio do Planalto é solidário com esses objetivos? Ou teremos uma queda de braços entre a nova equipe econômica e os ministros da área política?

As respostas vão depender do que realmente se passa na cabeça da presidente da República, que fez campanha sem programa de governo, mascarou os indicadores econômicos e sociais e procura mitigar em seus discursos a contradição entre o sistema de poder que encabeça e a política econômica que agora pretende executar, diante do descontrole dos gastos públicos e dos péssimos resultados econômicos, sobretudo de 2014.

A verdade é que a presidente Dilma esteve muito perto de perder as eleições por causa dos erros que cometeu no primeiro mandato. Manteve-se no poder graças à falsa divisão do país entre pobres e ricos e entre esquerda e direita, que não corresponde à natureza de classe do seu governo, para usar um jargão caro aos esquerdistas. Haja vista que entregou o Ministério da Fazenda a um representante do sistema financeiro; o da Agricultura à líder dos grandes produtores e proprietários rurais do Centro-Oeste; o do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior a um usineiro do Nordeste; e o das Cidades ao representante do lobby imobiliário paulista.

O balanço do primeiro mandato não é auspicioso para o segundo, do ponto de vista das relações políticas com o Congresso. Dilma nunca conseguiu estabilizar a própria base parlamentar nem superar seus conflitos com a bancada do PT. Nos bastidores dessa relação, sempre que enfrenta dificuldades, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acaba por exercer uma tutela velada sobre a Presidência. Diz-se que não será o caso agora, que o líder petista perdeu posições na cozinha do Palácio do Planalto, mas esse conflito entre o criador e a criatura — cuja origem bíblica remonta ao livro do Gêneses —, também é coisa de governo velho.
Fonte: Correio Braziliense

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