Vinte anos atrás, em 7 de junho de 1994, o Congresso promulgou cinco emendas constitucionais "de revisão", encerrando o processo previsto na Constituição de 1988, que mandava revisar a Carta cinco anos após sua promulgação. Para a revisão, o quórum era baixo - somente a maioria absoluta - enquanto as emendas constitucionais de praxe exigem maioria de três quintos. A inspiração veio da Constituição Portuguesa de 1976, a fim de verificar a cada cinco anos o que funcionava e o que não na lei suprema, de modo que ela fosse alterada de uma vez só e não aos pedaços. Mas nosso Congresso revisou apenas pontos secundários e aboliu a revisão periódica. Talvez por isso, talvez não, já emendamos a Carta 87 vezes.
A mais importante das emendas de revisão foi a de número 5, reduzindo o mandato presidencial de cinco para quatro anos. Faltavam quatro meses para a eleição e é provável que tenha sido aprovada para subtrair um ano de um eventual governo Lula, já que o líder petista era favorito absoluto para a Presidência da República. Três semanas após a emenda, porém, a implantação do Plano Real mudaria o panorama político, levando Fernando Henrique Cardoso à vitória. Preocupados com a inflação e com as eleições, os brasileiros não deram muita importância à EMC 5.
Mas ela introduziu uma mudança decisiva e radical nas eleições presidenciais. Pela primeira vez num século de República, a Constituição decretava a coincidência entre a eleição do Executivo e Legislativo federais. Na República Velha, os presidentes eram escolhidos por quatro anos, os deputados por três e os senadores por nove. Sob a Constituição de 1946, o mandato dos deputados subiu para quatro, o do presidente para cinco e o dos senadores baixou para oito. Assim, entre 1894 e 1930, quando ocorreram as eleições, ainda que fraudadas, da República Velha, e de novo entre 1945 e 1960, quando se realizaram os pleitos para presidente sob nossa então tímida democracia, só ocasionalmente coincidiram os mandatos.
Assim ainda se deu a eleição de Fernando Collor, em 1989. O Legislativo tinha sido renovado em 1986 e o seria de novo, com os governadores estaduais, no ano seguinte. Collor foi eleito sozinho. Este fato se somou a outros para eleger um cavaleiro solitário, um salvador sebastianista, um desconhecido. Uma novela do ano ("Que rei sou eu?") promovia a ideia do jovem príncipe que dava cabo de corte e cortesãos, que pela juventude e energia varria de cena o antigo regime. Só que o governo Collor deu no que deu.
Se FHC manteve alguns fins propostos por Collor - a estabilidade monetária, à época prioridade zero, e às privatizações - ele o fez recusando os meios: nada de surpresa ou de choque; tudo votado, anunciado. Substituiu, como já afirmei aqui, a épica (desastrada) pela prosa, até prosaica, mas bem sucedida, dialógica, democrática.
Ora, a EMC 5 acabou com surpresas nas eleições presidenciais. A coincidência das eleições federais, e delas com as estaduais, ancorou a escolha do presidente da República numa rede sólida de compromissos políticos no país inteiro. O sucesso no susto ficou impossível. Collor e alguns amigos seus, "outsiders" como ele, decidiram lutar pelo Planalto num jantar em Pequim, aproveitando um vácuo de opções políticas. Cenas primitivas como essa não são mais possíveis. Hoje, a Presidência é para "insiders". Não basta o candidato ter uma relação direta com os eleitores, pela mídia eletrônica: precisa de inúmeras mediações, acordos, compromissos, para concorrer com alguma chance.
Essa mudança nos marcou. Talvez o governo FHC fosse mais ou menos o mesmo, se sua eleição tivesse ocorrido à parte da escolha de legisladores e governadores. Mas os governos do PT, não. Lula poderia até ter conquistado mais cedo a Presidência, se não precisasse dessa capilarização de apoios. Talvez, dirigindo-se sem intermediários aos cidadãos, conseguisse vencer. Não creio muito. A força do PT, na oposição, estava nos movimentos organizados. Eles fazem uma importante intermediação entre o líder e a sociedade. Mas digamos que ele se elegesse, num pleito solteiro, talvez em 1989. Teria um Legislativo eleito em 1988. Viveria uma situação de total minoria. Precisaria fazer mais acordos, piores para o PT e para o país, do que de fato precisou.
Com eleições simultâneas, Lula percebeu que precisava dos acordos antes, não depois, da eleição. Essa decisão mudou o PT e o país. Acordos prévios à campanha podem ser mais baratos para a candidatura e a sociedade. Ele entendeu a necessidade de compromissos, inclusive um que tranquilizasse os mercados. A Carta aos Brasileiros, a histórica promessa de Lula respeitar os contratos, vem disso. Mudanças maiores ficam mais difíceis, desse jeito, que descontenta os radicais. Mas tem a vantagem de que mudanças, assim introduzidas, ficam. O governo eleito terá maior apoio.
Durante a campanha, descartam-se os candidatos que não passam numa complexa prova dos nove. Talvez eu, professor universitário, goste deste modelo porque lembra um pouco um concurso acadêmico - não por ser acadêmico, claro, mas por serem sucessivas provas, que tiram de cena quem não é apto: no caso, quem não terá apoio depois da eleição. Só consegue apoio para se eleger quem já o tem para governar. O Dia-D, da eleição, é marcado já pelos 1.440 days after que o presidente vai viver.
Por isso nosso modelo político, tão criticado, tem elementos sofisticados. É possível e preciso reformá-lo, mas para isso é necessário entendê-lo. Porque, não sendo assim, se corre o risco de piorá-lo, em vez de melhorá-lo.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
Fonte: Valor Econômico
À frente do Datafolha Instituto de Pesquisas há 16 anos, o sociólogo Mauro Paulino afirma que esta eleição será imprevisível, e com características únicas, por ser a primeira após as manifestações de junho do ano passado, que geraram enorme má vontade do eleitor com a política. "Hoje há uma rejeição aos políticos e aos partidos que talvez só se compare à época do impeachment do Collor. O Datafolha aponta que 67% dos eleitores não têm preferência por nenhum partido, é um recorde histórico", conta. Este ano, acredita Paulino, a eleição não será tão dominada por temas econômicos quanto em 2010. "A economia é importante, mas divide a atenção com a exigência por melhores serviços públicos". Paulino avalia que a presidenta Dilma Rousseff deveria investir numa vitória em primeiro turno. "Se for para o segundo turno, a possibilidade de ser uma campanha muito acirrada é maior", alerta o sociólogo, que se incomoda com a especulação na bolsa de valores sobre as pesquisas eleitorais: "É pura jogatina".
Leonardo Fuhrmann / Priscilla Arroyo - Brasil Econômico
Quem vence a eleição presidencial deste ano?
É uma eleição bastante imprevisível, com características diferentes. Em dezembro de 2009, a então candidata Dilma Rousseff estava bem atrás de seu adversário tucano, José Serra. Mas fizemos um exercício com o poder de transferência de votos do Lula e chegamos à conclusão de que, no mínimo, ela iria empatar com o Serra. Mas nessa eleição não dá para fazer um exercício como antes. Em 2010, havia um desejo de continuidade da população, com um candidato de oposição conhecido, o Serra, e uma candidata da situação desconhecida, Dilma. Hoje, a situação é inversa. Há um desejo amplo, de 74% do eleitor, por mudanças; uma candidata do governo conhecida; e dois candidatos da oposição desconhecidos. A taxa dos que conhecem muito bem Dilma é de53%. No caso do Aécio, 17%. Tem uma avenida a ser percorrida pelos candidatos de oposição para serem conhecidos e passar suas mensagens.
O que esse desejo de mudanças significa?
Os três candidatos colocaram apalavra mudança no slogan. Esse desejo não é só em relação ao governo, e sim uma vontade do eleitor de os políticos agirem de outra forma. Hoje há uma rejeição aos políticos e aos partidos em geral que talvez só se compare à época do impeachment do Collor. O Datafolha aponta que 67% dos eleitores não têm preferência por nenhum partido, é um recorde histórico.
Isso seria um resquício das manifestações de junho de 2013?
Certamente. Junho de 2013 foi um momento muito rico e de importância fundamental no desenvolvimento da cultura política do brasileiro. O cidadão vem exercitando o voto a cada dois anos e se conscientiza gradativamente sobre o significado de votar. Isso é o desenvolvimento da democracia, que ainda é muito jovem. A conscientização do eleitor cresce em uma velocidade muito mais rápida que a dos políticos em geral. Isso acaba acarretando essa rejeição aos partidos. Até mais importante do que a quantidade de pessoas que foram às ruas, foi o número das pesquisas, que apontaram que mais de 80% da população apoiavam as manifestações.
Não é um contrassenso as pessoas continuarem votando nos mesmos políticos, uma vez que não acreditam mais neles?
A oferta de políticos não deixa muita escolha, as pessoas acabam votando por exclusão. Os anseios que se manifestaram em junho não são contemplados. Desde 2008, o principal problema apontado no país, com respostas espontâneas, é a saúde pública. Mesmo em meio à polêmica, o Programa Mais Médicos tinha o apoio de 51% da população no seu lançamento. O que havia de indignação antes das manifestações, caminhou para algo que podemos chamar de revolta. Teve um episódio naquela época muito significativo: no segundo dia de manifestações, a imprensa transmitia ao vivo a pancadaria da polícia em jovens de classe média. No programa "Brasil Urgente", da TV Bandeirantes, o José Luiz Datena apresentou uma enquete para saber se a população era a favor do movimento, mesmo com a violência, e 60% disseram que sim. Então ele repetiu a pergunta, fez um discurso para tentar induzir a resposta, mas aumentou ainda mais o número de favoráveis. Essas enquetes não têm valor científico, mas foi significativo o fato de o público do Datena responder dessa forma. Por conta disso, ele mudou o discurso.
Essa indignação se reflete no número de 13% de votos brancos e nulos, e 14% de indecisos? Essa é uma taxa considerada alta?
A taxa de 27% de eleitores sem candidatos é inédita neste período da eleição. Quando comparamos com eleições anteriores, ficava em torno de 12%. Esse é um dos indícios de que o eleitor está revoltado e crítico.
Que outros indícios são importantes?
Hoje temos a maior taxa de eleitores que não têm um partido de preferência, 67%. Pela primeira vez, a maioria dos eleitores se mostra contra o voto obrigatório. E a maioria não votaria senão fosse obrigatório. Quando observamos esses números em cidades com mais de 200 mil habitantes, eles aumentam muito. O eleitor está mais desconfiado da política, principalmente nas capitais e centros urbanos.
Essa desconfiança tende a crescer?
Há uma grande parcela do eleitorado buscando mudanças, que ainda não enxerga na oposição a concretização disso e nem vê claramente no governo um vetor de mudança. Desde a semana passada, começou a exposição maior das campanhas.
Como os candidatos se comportarão em relação a essa demanda?
Esta é uma eleição na qual o marketing político terá um papel fundamental. Cada um dos três principais candidatos tem uma mensagem a passar muito específica. A de Dilma é mudar sem perder o que já foi conquistado. A de Aécio, de que ele faz a oposição mais explícita ao governo, mas tem que se defender da imagem negativa do segundo mandato do Fernando Henrique Cardoso — que é um cabo eleitoral negativo, mais tira votos do que agrega. Eduardo Campos tem a missão mais difícil, que é fazer oposição a Dilma sem criticar Lula, e ao mesmo tempo convencer o eleitor da Marina Silva que está em sintonia com suas ideias. E a oposição ainda tem que se tornar conhecida.
Na eleição passada, Serra abandonou Fernando Henrique. Mas parece que Aécio não pretende fazer o mesmo. Como é possível trabalhar a imagem dessa parceria?
Isso é um risco para a campanha de Aécio. Mostrar a imagem de Fernando Henrique e se remeter Aos governos dele pode ser negativo. Tanto que, na primeira inserção, a campanha deu sinais de que não irá usar tanto isso.
Eduardo Campos tenta colar na imagem do Lula e se afastar de Dilma, o que até parece uma questão simples, só que Lula e Dilma estão juntos...
O Lula está explicitamente mostrando que Dilma é a candidata dele. Ele não tem a mesma força de transferência de votos que esbanjava em 2010, mas ainda é o maior cabo eleitoral do país. E Dilma tem um tempo de televisão farto. Embora isso não garanta a vitória. Ulysses Guimarães, que tinha 20 minutos em 1989, ainda assim não conseguiu passar sua mensagem. Às vezes, muito tempo de televisão pode-se voltar contra o candidato.
Mas hoje não existe uma diferença por conta das inserções?
Sim, a inserção é mais importante que o horário político. Até porque, mais do que nunca, os políticos não são bem-vindos às casas hoje. O horário político fixo deve perder muita audiência depois da primeira e da segunda semana. Já era assim, mas será intensificado nesta eleição, pois ninguém está com vontade de receber os políticos em casa.
Dilma e Aécio já sinalizaram que travarão uma batalha de números na televisão. A petista deve comparar as taxas de juros e a inflação como último governo de Fernando Henrique, enquanto Aécio deve utilizar os últimos números fracos da economia. Como isso será visto pela população?
Esse é o grande embate: a forma como cada um vai comunicar os vetores que vão definir a eleição. Vai levar vantagem aquele que souber conversar como eleitor de uma forma mais natural e factível.
Lula vai participar da campanha de Dilma e deve esbanjar carisma na televisão. Isso se refletirá em vantagem para a petista?
O maior trunfo da campanha da Dilma será o Lula. Normalmente, a propaganda na televisão melhora a avaliação do governo. Dilma vai passar a mostrar seus feitos de forma atraente e é fundamental que ela melhore a taxa de aprovação, hoje em 32%, para vencer no primeiro turno. Há um estudo que mostra que, quando o candidato tem uma taxa de aprovação de até 34%, não vence eleição.
A campanha dela prioriza a vitória no primeiro turno?
Essa é a maior chance de vitória da Dilma. Se for para o segundo turno, a possibilidade de ser uma campanha muito acirrada é maior. A reeleição é um plebiscito — ou a população aprova, ou não aprova. As principais simulações de segundo turno mostram que o aperto é cada vez maior.
Dilma vem se mantendo com cerca de 35% da preferência do eleitor, enquanto Aécio na ultrapassa os 23%. É uma situação confortável para o PT, ou já pode ser considerada um sinal de alerta?
A Dilma permanece como favorita para ganhar no primeiro turno, mesmo com a queda de popularidade. Por outro lado, quando observamos a evolução da avaliação do governo Dilma,ela voltou para o patamar mais baixo, verificado durante o período das manifestações do ano passado (32%). A probabilidade de ter segundo turno é de 50%.
As pesquisas tendem a mudar com o horário eleitoral?
Isso varia. Em 2002, era uma disputa entre Serra, Ciro Gomes (então no PPS), Lula e Anthony Garotinho (na época no PSB). A partir do horário eleitoral, Ciro Gomes passou a crescer muito e encostou no Lula, mas deu uma declaração ruim em relação à atriz global Patricia Pillar (sua mulher naquele período) e despencou. Em 2010, Dilma era desconhecida e, na medida em que teve o nome vinculado a Lula na televisão, conseguiu ultrapassar Serra. É possível que, neste ano, o horário eleitoral também funcione dessa forma
"O eleitor hoje é pragmático, quer melhoria na sua vida"
O Datafolha aponta que 45% dos eleitores acreditam que a Copa foi favorável a Dilma. O que o sr. acha?
A Copa não vai pesar nada. A expectativa de caos nos aeroportos e de uma organização ruim acabou se revertendo. Fizemos pesquisas antes da Copa, durante, e depois que terminou. Notamos que, durante o evento, os brasileiros se mostraram com mais orgulho do Brasil em meio ao sucesso da organização. A taxa de vergonha de ser brasileiro, que havia chegado a 27% antes da Copa, se reverteu. Coma derrota da seleção, esse e outros indicadores sobre o evento voltaram ao patamar do começo.
Então o sucesso da organização acabou anulando a derrota histórica da seleção?
Sim, acabou sendo um zero a zero. Houve uma movimentação durante o evento. O ânimo do brasileiro melhorou, uma vez que a perspectiva de caos se tornou festa.
O que sai como plataforma possível das manifestações de rua para os candidatos?
Nas eleições anteriores, o comportamento da economia ditava a conduta do eleitor. Isso continua importante, mas divide a atenção do eleitor e a formulação do voto com a exigência por um melhor padrão de serviços públicos, especialmente na área de saúde. O eleitor hoje é pragmático, quer melhoria na vida.
É por isso que vimos tantas voltas na discussão sobre o Mais Médicos?
O programa foi criado para dar resposta a essa demanda pela melhora no setor de saúde. A partir do seu lançamento, a taxa de eleitores que citam a saúde como principal problema vem caindo. Ela saiu de um patamar de 50% e hoje está em 38%. Isso é um reflexo da boa avaliação do Mais Médicos.
Eduardo Campos colocou entre suas prioridades de campanha a bandeira para que 10% do Produto Interno Bruto sejam investidos em saúde. Isso pode ajudar a angariar votos?
As propostas têm de ser factíveis. O eleitor vai observar isso também. Ele precisa demonstrar de onde vai tirar recursos para chegar a esses 10%. Em um primeiro momento, ele pode estampar essa proposta no horário eleitoral gratuito e agradar, mas, se no debate ele for questionado sobre o assunto e titubear, pode perder o que ganhou.
O sr. falou dos impactos dessa rejeição aos políticos no plano nacional. Essas questões aparecem também nos estados?
Sim. Mas em São Paulo é um pouco diferente, pois existe uma relação muito próxima do eleitorado com os governos do PSDB, principalmente no Interior. E, também, os candidatos de oposição ainda não são conhecidos. O eleitor acorda para a eleição estadual mais tarde, a partir do horário eleitoral, quando percebe a necessidade de escolher governador, deputados e senadores. Grande parte dos eleitores não acordou ainda para a eleição. Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin sai com favoritismo grande, de 56%das intenções de voto, para ganhar no primeiro turno. No entanto, existe a preocupação coma falta de água e a violência urbana. Temos ainda um terço dos eleitores que não escolheu candidatos em São Paulo, é uma taxa recorde. No Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (ex-governador) foi tirado da disputa política deste ano como reflexo das manifestações. O Rio é uma cidade mais crítica e politizada, busca mais mudanças. Foi onde a ex-ministra Marina Silva, então candidata à Presidência pelo PV, teve mais votos em 2010. São Paulo é mais conservador.
Essa relação do eleitor de São Paulo como PSDB mexe com a decisão do Paulo Skaf (candidato a governador pelo PMDB) de não querer fazer campanha para a presidenta Dilma Rousseff?
Sim, pois São Paulo é um dos estados onde se tem a maior rejeição aos governos do PT.
Isso explicaria o fraco desempenho do ex-ministro Alexandre Padilha, que tem 4% das intenções de voto, para o governo paulista?
Não, é mais pelo desconhecimento da população. Ele vai se apresentar no horário eleitoral. O prefeito Fernando Haddad, neste mesmo momento da eleição, tinha 3% das intenções devotos. Durante a campanha, ele foi lentamente sendo conhecido e, quando foi relacionado ao Lula, acabou ganhando a eleição. O Padilha pode se transformar em uma candidatura forte.
E o Skaf?
Ele já aproveitou muito tempo de televisão com as propagandas da Fiesp (entidade da qual é presidente licenciado) e chegou a esse patamar (16% de intenção de voto) graças a essa exposição. Conseguiu ainda um tempo de televisão considerável e tem um marqueteiro de primeira linha, o Duda Mendonça. Pode se consolidar, nas primeiras três semanas de horário eleitoral, como uma alternativa viável para derrotar Alckmin. Pode ser que o eleitor do Padilha pratique o voto útil, uma vez que Skaf pode se tornar o candidato mais viável para vencer Alckmin.
Enquanto em São Paulo Alckmin é o favorito, no Rio a disputa está bem acirrada, com Garotinho e Crivella empatados. Mas Garotinho tem uma taxa de rejeição de 39%. Isso pode se traduzir em vantagem para o Crivella?
Sim. E também o Rio tem um percentual de evangélicos acima da média nacional. Então, o Crivella teria duas vantagens, embora os evangélicos estejam divididos entre os dois candidatos. O Rio é um estado que guarda surpresas.
A questão da queda da popularidade de Haddad vai pesar para o PT em São Paulo?
Não diria isso. A avaliação do Haddad é reflexo em boa parte dessa resistência do paulistano ao PT. Desse sentimento de revolta e contestação aos políticos, que é maior em grandes cidades, especialmente São Paulo.
Dilma perdeu seis pontos percentuais de popularidade no Nordeste, que é a região onde tem a maior parte do eleitor, de 49%. Isso é preocupante?
Não. Temos que relativizar as variações por região, porque a margem de erro é maior. A grande questão em relação ao Nordeste é como o Eduardo Campos vai se comportar, se vai conseguir extrapolar as fronteiras de Pernambuco, superar um certo preconceito que outros estados têm com Pernambuco e tirar votos da Dilma.
Eduardo Campos se instalou em São Paulo, Aécio tem visitado o estado. Qual será o peso do maior colégio eleitoral do país?
Neste momento, todos os candidatos vão tentar marcar território em São Paulo. É uma parte do país que está um pouco descoberta, o que cria a necessidade nas campanhas de conquistar a empatia dos paulistas.
Como as eleições nacional e estadual se conversam em cada estado?
Tradicionalmente, o eleitor acaba não fazendo ligação, tanto que muitos votam no Alckmin e na Dilma. Historicamente, os eleitores votam mais no no medo que no partido. A empatia com o candidato, com a figura que é criada pelos marqueteiros, acaba decidindo a eleição.
Isso tem alguma relação com a impressão de que a Dilma fica com quase toda a rejeição do Lula, mas não consegue ficar com parte expressiva da aprovação dele?
Quando a gente lembra de Dilma entregando a taça da Copado Mundo para o jogador da Alemanha, já dá uma ideia de como é difícil para os marqueteiros superarem a imagem que a personalidade da presidenta acaba passando para o eleitorado. É diferente da empatia que Lula cria espontaneamente. Essa é uma dificuldade, fazer com que o candidato se torne simpático, mesmo que ele não seja no dia a dia. Dilma não tem, nem de perto, o carisma do seu padrinho.
Em relação às pesquisas. Enquanto Datafolha e Sensus apontaram que haveria empate técnico no segundo turno, para o Ibope, Dilma ganharia. Como explicar essa diferença de cenário, se os levantamentos foram feitos na mesma época?
Ainda bem que os institutos permanecem com as suas convicções, cada um utilizando um método próprio, apesar de a lei eleitoral tentar cada vez mais igualar os métodos. Sutilezas metodológicas explicam essa diferença. Por exemplo, todo questionário do Datafolha é voltado para trazer o entrevistado para uma situação presente, com questões como "Se o segundo turno fosse hoje, em quem você votaria?". O Ibope não traz o eleitor para pensar se o segundo turno fosse hoje. Não digo que um esteja certo e o outro errado, são apenas diferentes.
O reflexo dessa diferença foi sentido principalmente na bolsa de valores, que vem oscilando de maneira contundente a cada divulgação de pesquisa eleitoral. Já aconteceu em outras eleições?
Isso é esdrúxulo. A especulação na bolsa é algo que está me incomodando muito. As pesquisas eleitorais estão supervalorizadas. A pesquisa não pode ser vista como um prognóstico, ela é um diagnóstico do que já aconteceu, pois quando é divulgada, já está velha. Tem muito a se percorrer na cultura de leitura de pesquisa no Brasil. Aconteceu algo parecido em 2002, quando o Lula era considerado uma ameaça e, a cada ponto que subia, o dólar subia junto. Esse movimento da bolsa, peculiar desta eleição, é pura especulação, não vejo lógica e nem justificativa para que resultados de pesquisas que mostram estabilidade e variações dentro da margem de erro possam influenciar as ações desse jeito. Isso é pura jogatina, cassino. E essa especulação é estimulada pela lei eleitoral.
De que maneira?
Todo instituto que divulga a pesquisa tem que registrar a realização do levantamento cinco dias antes da divulgação. Isso é anacrônico, não tem utilidade nenhuma. Em tese, seria para os partidos poderem fiscalizar as pesquisas, mas a fiscalização na maioria das vezes se dá após a divulgação. Esse intervalo de cinco dias proporciona a possibilidade de outro instituto, contratado por financeiras, fazer uma pesquisa tentando copiar exatamente o questionário que já foi registrado e repete a mesma amostra. Isso é uma pesquisa clone, confeccionada para ser entregue um dia antes da divulgação oficial. Não com o objetivo de informar, e sim de tentar antecipar o número que Datafolha e Ibope entregarão no dia seguinte, o que dá mais margem para especulações.
Em 2010, as campanhas tentaram abordar temas morais. Qual a possibilidade de esses temas voltarem agora?
Devem voltar. As questões do aborto e da legalização da maconha devem ser levantadas, principalmente após a atitude do Uruguai. E como é um tema no qual Fernando Henrique se envolveu diretamente, e como há acusações na internet em relação ao Aécio, a questão das drogas pode voltar sim.
Aécio pode ser prejudicado?
Se a eleição ficar muito acirrada, principalmente na reta final, pode ser decisivo. Mudanças de pequenas parcelas do eleitorado podem levar a eleição a um segundo turno.
E a questão do aeroporto de Claudio (MG), construído em terras desapropriadas de parentes de Aécio Neves?
Algum impacto tem, não saberia dizer em que grau. Não creio que seja decisivo, pois são muitas denúncias envolvendo diversos partidos e correntes. Isso chega ao eleitor mais como um exemplo de "olha aí como os políticos são". Tem mais o efeito de aumentar a rejeição à prática política do que um impacto pontual em um candidato.
Os marqueteiros já aprenderam a lidar comas redes sociais?
Os partidos conseguiram desenvolver uma forma de utilizar a internet para fazer o trabalho sujo. Jogam na rede tudo aquilo que não pode ir ao ar na televisão, como boatos, associação de determinados candidatos a uso de drogas, acusações levianas. Mas como as coisas se equilibram, as redes têm status de neutralidade na eleição.
(*) Diretor-geral do Datafolha Instituto de Pesquisas
Fechadas as cortinas do espetáculo propiciado pela Copa do Mundo e sob os destroços da seleção brasileira de futebol, o País voltou à rotina na segunda quinzena de julho. Acordou com a campanha eleitoral oficializada, a convocar os cidadãos para uma reflexão sobre o que lhes têm a oferecer partidos e candidatos.
Foram poucos dias. Mas indicaram que nenhum novo roteiro está em cogitação pelos que concorrerão ao voto popular. Será percorrido o mesmo chão de terra batida das últimas eleições no País. Os programas divulgados mesclam algumas ideias concretas e muitas generalidades, parecendo ter sido elaborados mais para sensibilizar do que para orientar o eleitor. Pouco se esclarece para onde deve ir o País, quais seus entraves, com que recursos se poderá contar para reformar o que precisa ser reformado.
Partidos, candidatos, coordenadores de campanha e marqueteiros estão alheios à sociedade. Não interagem com ela nem assimilam suas demandas e expectativas. A mesmice faz com que nem sequer se perceba o que separa os três candidatos principais ao Planalto. Suas vozes se preocupam excessivamente em desfechar ataques recíprocos, dissimulados em maior ou menor medida. Não é que não haja diferenças. Elas existem, mas estão codificadas. São genéricas e retóricas, além de repetitivas. O cidadão fica com a sensação de que tudo é falado como parte de um pacote preparado somente para impressionar.
Surpreende a reiteração desse desajuste entre a vida - complexa, repleta de problemas, difícil de ser compreendida e manejada - e a pobreza do discurso político, que se agarra ao canhestro para sobreviver. É como se houvesse entre os políticos uma cegueira paralisante, que impossibilita inovações e exacerba a defesa das posições de cada um. Os candidatos não se renovam porque temem perder espaços para os adversários. Estancam até nas pesquisas de intenção de voto.
Fala-se o que é conveniente para que não se percam votos. Deixa-se de lado o importante, não se toca nos temas difíceis a não ser para neles pendurar promessas mágicas, a serem decretadas com uma varinha de condão tão logo cheguem ao posto cobiçado. Os candidatos dizem o que acham que o eleitorado deseja ouvir, mas não explicam a estrutura dos problemas, o teor das decisões, a origem dos recursos (técnicos, humanos, financeiros) com que se viabilizarão as soluções anunciadas.
É uma pequena tragédia política, protagonizada por todos os partidos, situação e oposição. Todos caminham de costas para a sociedade, atentos somente a seus próprios planos. Não espanta que o tédio, o "ódio" aos políticos e o desinteresse cresçam. E que a simplificação, a caricatura e a grosseria impregnem os ativistas e os apoiadores dos candidatos. O ramerrão é conhecido: os tucanos são entreguistas, neoliberais e contra o povo; os petistas são bolivarianos enrustidos, esquerdistas incompetentes que só se preocupam em mentir e ajudar os companheiros. Uns e outros, por sua vez, se veem como estando acima do bem e do mal, não concedendo nenhuma nesga de dignidade aos adversários. Como ter debate democrático assim?
Veja-se a ênfase que é dada agora. Os três principais candidatos escolheram slogans praticamente idênticos para suas campanhas. O eixo é a ideia de mudança, que se teria tornado sentimento e desejo comum dos brasileiros.
Todos falam em mudar, mas não ajudam a que se compreenda a mudança como desafio político. A nossa é uma época dinâmica e móvel demais. Mudamos tanto e tão depressa que nem percebemos o movimento que nos impulsiona. Muda-se sem cessar, mas não se sabe em que direção. A política se contagia. E os políticos, em vez de contribuir para que se entenda o quadro, salientam o valor da mudança para não perderem contato com o imaginário social.
Mudar, na política eleitoral, significa invariavelmente melhorar, progredir, rever prioridades e corrigir erros. No jargão habitual, trata-se de uma inflexão que abre as portas do paraíso. O discurso político brasileiro não é crítico nem autocrítico. O elogio da mudança serve para que um candidato se autoglorifique e para que se estigmatize o "conservadorismo" de outros.
Não se considera que os humanos falam de mudança, mas não gostam de mudar e resistem à mudança. Fazem isso sem consciência ou intenção: ou para defender o que já conquistaram, ou para proteger aquilo que lhes dá estabilidade e identidade. Mesmo assim mudam, fazem a história sem saber. Paradoxalmente, têm medo das mudanças e medo de que as coisas nunca mudem.
A história não é uma flecha que aponta sempre para a frente. Está integrada por movimentos surpreendentes, não previsíveis, por efeitos bumerangue e retrocessos, erros e fracassos. Pode-se mudar para pior. Da posição que se vê como "ruim" podem derivar mudanças progressistas. Tudo isso é óbvio, mas não frequenta nenhum discurso político. Todos prometem mudanças como se fossem senhores da razão. Não explicam que às vezes se propõem mudanças para que tudo fique como está. Ou para que não se saia do lugar.
Quando Dilma fala em "mais mudanças, mais futuro", quantifica um processo em que o mais importante é a qualidade, silenciando sobre isso. Aécio Neves é imperativo quando propõe "muda, Brasil", mas não diz que a mudança social é uma construção que somente pode proliferar se for adotada pela sociedade: negociada com ela. Eduardo Campos diz que é preciso "coragem para mudar o Brasil", como se o problema fosse exclusivamente de falta de vontade e ousadia.
Caso se deixem levar por tais discursos mudancistas, as pessoas para quem a vida precisa de fato mudar ficarão sem saber para que lado correr. E passarão a se perguntar: se é assim, por que diabos esses candidatos não se dão as mãos e reúnem forças para desenhar uma mudança que seja factível e produza impacto efetivo sobre o futuro?
Marco Aurélio Nogueira é professor titular da Unesp
Fonte: O Estado de S. Paulo
No dia 27 de outubro, segunda-feira, acordaremos sabendo quem venceu as eleições presidenciais. (Ou já no dia 6, se não houver segundo turno). Hoje, todos querem saber quem vai ganhar. Mas é importante perguntar quem vai perder. Dos grandes partidos que disputaram a Presidência nos últimos 20 anos, pelo menos um ficará fora do governo federal - PSDB ou PT. Um, depois de 12 anos fora do poder, o outro, depois de 12 anos no poder. Que consequências isso trará?
Primeiro cenário: o PSDB perde sua quarta eleição consecutiva. Isso será duríssimo para ele. Ficará em dúvida se, um dia, reconquistará a Presidência da República. Terá falhado o nome novo, simpático, cordato que substituiu os postulantes paulistas. A questão não será se Aécio Neves, cheio de energia, concorrerá de novo em 2018; será se o partido ainda terá gás para disputar a hegemonia no Brasil. O problema não é pessoal. Não tem a ver com Aécio. A questão é partidária. Estará o PSDB apto a disputar, ainda, o poder?
Num artigo recente, sugeri que no Brasil não ocorre alternância no poder. Uma força política, quando derrotada, não volta à Presidência da República. (Falo dos períodos democráticos, 1945-64 e 1985 para cá). O PMDB de Sarney não voltou ao poder, nem o PRN de Collor, nem - ainda - o PSDB. Se os tucanos perderem mais uma eleição presidencial, talvez as forças que ele congrega tenham de assumir uma nova identidade. O partido que hoje é "a oposição" poderá se esvaziar.
O segundo cenário, a derrota do PT, terá consequências ainda mais dramáticas. Aliás, seguramente o Partido dos Trabalhadores perderá uma das próximas eleições - só não sabemos qual. Há um desgaste natural no poder. E até é bom um partido que nasceu com o DNA da oposição, da contestação (já o PSDB surgiu com o DNA da governabilidade, da responsabilidade), retemperar-se ouvindo o coro dos descontentes. Um dia o PT perderá a eleição presidencial - não sabemos, ainda, quando.
Mas, se o PT for para a oposição, poderá sofrer mais que os tucanos. Estes têm bases sólidas nos dois Estados mais populosos, São Paulo e Minas Gerais - e parece que vão conservá-las. Contam também com o apoio da mídia, o que os ajudou a retirar, dos petistas, a hegemonia que estes obtiveram ao longo dos anos que culminaram na eleição de Lula. No segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, órgãos de imprensa que hoje fazem ferrenha campanha contra o PT eram simpáticos a uma parte das ideias petistas.
Criticavam o PT como ingênuo, idealista, irrealista - mas jamais o acusavam de ser realista demais ou corrupto. Não importa aqui quem tem razão; analiso a imagem que se tinha, a que hoje se tem. Um PT na oposição, sem apoio nos Estados ricos e com a antipatia da mídia, poderá ser mais fraco do que foi durante o governo tucano. Mais que isso, perderá não só seus aliados inconfiáveis de hoje, mas também todo um contingente de pessoas que aderiram ao PT no governo, porém não estariam dispostas à travessia no deserto de um PT devolvido à oposição.
Se para o PSDB perder a eleição pode ser muito ruim, para o PT pode ser ainda pior.
Com tudo isso, a eleição pode se decidir por poucos votos ou por uma circunstância imprevisível. Vejamos a final da Copa. Ela consagrou a Alemanha como a melhor seleção, paradigma para o mundo. Mas imaginemos que Messi emplacasse seu chute no segundo tempo. Ele perdeu o gol por poucos metros...
Hoje estaríamos aplaudindo a espontaneidade sul-americana, não a organização germânica, no futebol. Foi por um fio. A eleição de 2014 também pode ser por pouco. Não falo, aqui, em números - só lembro que alguma surpresa, alguma coisa inesperada, pode fazer a diferença. Mas o resultado, uma vez obtido, é final. Quem perde, perde.
Deixei o PSB+Rede para o fim. Uma derrota, salvo se for esmagadora, pouco prejudica a parceria de Eduardo Campos com Marina Silva. Uma vitória - que é improvável, olhando de hoje - possivelmente consolidaria sua união. Pois a questão é se continuarão juntos ou tomarão rumos distintos. São diferentes demais, penso eu, para manterem um casamento que é de interesse, não de amor. Se não tiverem o cimento da vitória, poderão ir cada um numa direção.
A Rede tem o futuro do idealismo. É hoje a única força política com algum relevo a dispor de uma identidade nítida, um forte apelo, um senso de futuro. O PSB, com Eduardo Campos, é um projeto de poder. Estão tentando, nestes meses, somar o fim ao meio, o idealismo da Rede ao realismo do PSB. Mas são demasiado água e azeite para se fundirem. De qualquer forma, são quem menos sofrerá com uma derrota.
A Rede tem mais a ganhar mantendo-se longe do poder, porque há de apurar seus projetos, construir seus quadros, preparar-se para ser uma alternativa de governo só na hora adequada - um pouco como fez o PT, no passado. O grupo de Marina, se chegar ao poder cedo demais, pode perder o que faz suas qualidades.
Já o PSB, depende. Em todo caso, é mais que improvável que um dia o PT renove a oferta a Eduardo de ser seu candidato em 2018. Suas relações parecem rompidas. Já com Aécio presidente, será difícil Eduardo ficar na oposição. Para dizer, fazer o quê? Que diferença sensível ele marcará em face do PSDB? Agora, se Dilma ganhar, Eduardo poderá herdar votos tucanos para 2018. O que, afinal, indica que a situação não será ruim para os nossos dois "terceiros" candidatos, Eduardo e Marina, enquanto certamente será ruim para pelo menos um dos dois partidos hoje hegemônicos. Deles, o ou os que perderem terão que rever não só suas políticas e estratégias, mas sua própria identidade, talvez a própria existência.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
Fonte: Valor Econômico
Não se pode mais não sentir, os ventos de mudança sopram de todas as direções. As jornadas de junho de 2013 no Brasil, que se alongaram nestes primeiros meses de 2014, com novos temas e outros personagens, especialmente em torno da questão da habitação popular, ameaçam pegar um forte vento de cauda com o surpreendente desastre da seleção nacional na Copa do Mundo.
Do mundo do futebol, que só os ingênuos e as análises mal-intencionadas podem afetar indiferença quanto a seus efeitos sobre o humor dos brasileiros, já toma corpo o diagnóstico de que ele requer uma radical mudança na sua cultura e nas suas estruturas. A linguagem do futebol, notoriamente, é um instrumento relevante da nossa cognição e presença forte na construção das metáforas com que estabelecemos a nossa comunicação de uso cotidiano, na política inclusive, popularizadas nas falas públicas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
De fato - e nisso há consenso geral - não é verificável empiricamente a relação entre êxitos e fracassos da nossa seleção de futebol com resultados eleitorais nas sucessões presidenciais. Mas, de outra parte, é inegável que a massiva exposição pública dos critérios adotados na convocação dos jogadores, na sua escalação para os jogos, nos métodos de treinamento e na avaliação do desempenho de cada qual, escrutinados com interesse apaixonado pela população, não só favorece um amplo processo dialógico, como também se faz presente na formação do senso comum com que os brasileiros se percebem nas suas circunstâncias.
O resultado acachapante da disputa das semifinais com a Alemanha (7 a 1), parcialmente confirmado, dias depois, na derrota para a Holanda (3 a 0), não pode ser atribuído tão somente ao fortuito e aos azares sempre presentes nas disputas esportivas. Ele depõe contra a concepção estratégica da nossa preparação para os jogos e denuncia o anacronismo do nosso repertório e do nosso sistema de jogo, de resto visível nas competições em que se envolveram, em tempos recentes, os nossos principais clubes nos torneios internacionais. Exemplar, no caso, a derrota por 4 a 0 imposta pelo Barcelona ao Santos do sempre brilhante Neymar, em 2011, na final do campeonato mundial interclubes. E, sobretudo, põe a nu as estruturas do nosso futebol - arcaicas, autocráticas -, que, com esse resultados apavorantes na Copa do Mundo, abriu uma janela para a oportunidade da sua remoção. A qual, todavia, não virá sem o clamor público e a ação de uma crítica contundente que a tornem imperativa.
Mais do que exercer um papel pedagógico para a vida moderna, com sua intrínseca valorização da cooperação - a coordenação de movimentos dos jogadores para defender e atacar - e do mérito individual, o futebol, entre nós, conforma um laboratório silencioso onde se processam experiências que transcendem o seu território. A questão racial foi uma delas, tão bem percebida por Mario Filho no clássico da nossa literatura social O Negro no Futebol Brasileiro, quando argumentou que a valorização do negro - seu modelo foi Leônidas da Silva, notável atacante dos anos 1930 - nos estádios de futebol teria contribuído para a sua valorização na sociedade. Não há Muralha da China a interditar o aprendizado que daí deriva para outras dimensões da vida social, como, entre outros estudiosos, tem destacado o antropólogo Roberto DaMatta.
O sentimento em favor de mudanças que varre o País certamente não nasceu nesse "laboratório", mas há algumas coincidências com o que já agita o mundo do futebol. Entre tantas, a política do presidencialismo de coalizão na forma bastarda como o adotamos, cujas afinidades eletivas com as práticas vigentes entre nossos próceres esportivos chamam a atenção ao submeterem o futebol, tal como os da política, aos interesses de autorreprodução de suas elites dirigentes. O anacronismo e a resistência à inovação são outras marcas comuns.
Fechada em panos de luto a Copa do Mundo de 2014, vamos, agora, para a sucessão presidencial e as eleições para governador e das Casas parlamentares, que já se iniciam sob maus auspícios com a movimentação dos nossos paredros da política em torno de alianças erráticas, sopas de letrinhas a combinarem alhos com bugalhos, sem programa e sem alma diante de uma população que reclama por mudanças, tanto nas ruas como fora delas.
O script apresentado, até então, por candidatos e partidos políticos para a disputa eleitoral não está à altura da excepcionalidade do momento que vivemos, com as nossas ruas varridas por movimentos de protestos contra a natureza da política imperante entre nós. Se antes, com todos os seus males conhecidos, tal política tinha assegurado condições razoáveis de governabilidade, agora jaz exaurida diante de uma sociedade que recusa ser representada por ela.
Inverteu-se, faz tempo, uma relação tradicional na nossa vida política: a sociedade é, hoje, mais moderna do que o seu Estado, como se pode verificar com a emergência dos movimentos sociais que brotam de toda parte e se mantêm estrangeiros à política institucionalizada.
Pode-se sustentar que, na Copa do Mundo, nos faltaram sinais que advertissem sobre a catástrofe a vir - a vitória na Copa das Confederações, em 2013, teria mascarado nossos erros -, mas, no campo da política, já soaram todos os alarmes, embora não faltem os que alardeiam que em time que está ganhando não se deve mexer. O mais grave, contudo, é que a esta altura do campeonato não se saiba ao certo que times são esses.
Sociólogo político, é professor pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do Rio de janeiro (PUC-Rio)
Fonte: O Estado de S. Paulo
Há uma enorme expectativa em torno das próximas pesquisas eleitorais, tanto por parte da oposição quanto do governo. Todos querem saber qual o dano ou o benefício que a Copa pode ter trazido para a presidente Dilma Rousseff (PT).
O ponto é este: até onde o resultado do Mundial atrapalhou o projeto de reeleição de Dilma? E por quê? Pelo simples fato de que muitos disseminaram a ideia de que o evento ia ser um fiasco e que “não é possível que a Dilma passe incólume”.
O resultado de tudo, no entanto, foi o menos esperado. A Seleção foi muito mal em campo e a Copa foi muito bem, a ponto de os canadenses do The Globe & Mail, entre outros, sugerirem que o campeonato de futebol seja feito para sempre no Brasil.
Deus nos livre! É muito mais fácil ganhar a Copa fora do país do que em casa. Aqui a Seleção tem de jogar contra a Fifa, o governo, a oposição, a imprensa, a “sinistrose”, os argentinos e, ainda, contra os demais times.
Voltando ao ponto: qual a sensação que teremos nas pesquisas? Desconfio que menos negativa do que a oposição gostaria. E, também, menos positiva do que o governo tanto deseja. O primeiro momento deve ser mais ou menos, sem grandes mudanças para Dilma, o que, no limite, é muito bom para ela, já que a Copa era um “problemaço” em potencial.
Para a oposição, a Copa não foi boa. Não alavancou ninguém nem atrapalhou o governo. Com o final do evento, o cenário se abre para as eleições, mas a transição não será automática. O país ainda vai viver algumas semanas de letargia política, ajudada pelo recesso branco no Legislativo e pelas férias do meio do ano.
Em algumas semanas, a decepção das derrotas em campo e o sucesso do evento terão sido assimilados e o front das dificuldades da presidente será mesmo a economia, que não anda bem. Porém, a campanha começará de verdade com o início da propaganda eleitoral em rádio e TV, em 19 de agosto. Até lá, o debate vai seguir em ritmo lento, tropical e relaxado. O que, de certa forma, favorece Dilma, já que quanto menor e menos intensa for a campanha melhor para ela. Sem fato novo, a campanha será decidida pela "sensação térmica" da economia.
A pergunta que estes dias mais se ouviu foi se nossa derrota na Copa influirá nas eleições. Traduzindo: se Dilma será prejudicada pela performance da seleção. A maioria das respostas que li não é racional, só eleitoreira. Mas, para melhorar a discussão, devemos colocar a questão da mudança no poder sob a perspectiva de nossas primeiras três décadas de ininterrupta vida democrática.
Cada vez que o Brasil passou por uma mudança política significativa, estes trinta anos, foi uma epopeia. Em vários sentidos da palavra: um empreendimento enorme e difícil, comparável talvez à guerra de Troia ou à aventura portuguesa dos Descobrimentos; um momento de fortes emoções, dúvidas, questionamentos; uma discussão sobre os destinos nacionais e de cada um; o uso de recursos literários, como na Ilíada ou nos Lusíadas, consagrando uma coletividade. Desta vez, não. Desde junho de 2013, vivemos na incerteza. O que parecia garantido - a reeleição de Dilma - já não o é. Nenhum dos três candidatos entusiasma, ao contrário dos dois grandes líderes épicos que foram Fernando Collor e Lula (as virtudes de Fernando Henrique são outras, estão na moderação, na prosa).
Passamos por uma temporada épica, a mais forte de todas, no final da ditadura. Durante meses, manifestamos nas ruas nossa repulsa ao regime de força, à imoralidade que é privar o povo do direito de decidir. Em 1984, não passaram as Diretas-Já, mas elas produziram uma democracia de alta qualidade, que em poucas décadas se mostrou capaz - dentro da lei - de afastar um presidente acusado de corrupção, de vencer a inflação, de promover uma maciça inclusão social e de ampliar o alcance dos direitos humanos.
Em 1989, os três candidatos mais votados, Collor, Lula e Brizola, propunham mudanças radicais na política que vivíamos, e não por acaso o governo Collor começou e terminou na elevada linguagem da quase-tragédia, com vastas emoções e pensamentos imperfeitos. Já FHC foi eleito em 1994 no bojo da menos épica das epopeias, que foi o triunfo do real sobre a inflação, da moderação sobre a inflamação, da prosa sobre a exaltação; mas essa foi uma tarefa difícil, quase hercúlea. Na eleição de Lula, em 2002, tivemos a fala belíssima do menino pobre, que na propaganda televisiva terminava gritando "Viva o Brasil!", depois de expor uma agenda inteira de mudanças no país.
Nada comparável se vislumbra hoje. E no entanto pode ser que vivamos a quarta mudança de direção política do Brasil, em três décadas. Se um candidato de oposição ganhar, será, ao contrário de Collor em 1989 ou Lula em 2002, "sem emoção", para usar as palavras dos pilotos de buggy nas dunas perto de Natal, quando perguntam se você quer descê-las com ou sem emoção, berrando de medo ou em estado semi-zen. Ou pior, será com emoções negativas: não a grande paixão da esperança, mas a medíocre do ódio.
Esta parece ser mais uma eleição contra, do que a favor. Uns votam contra o PT, outros contra o PSDB ou o PSB. Não sabemos ainda quem vencerá, porque tudo pode mudar. O exemplo mesmo da influência da Copa na campanha é significativo. Mentes calmas mostraram que a eleição de 1994, que o candidato governista venceu, teria o mesmo resultado sem o tetra, porque o grande cabo eleitoral de FHC foi o Real, não a Taça; que em 2002, quando Lula venceu pela oposição, o penta não ajudou em nada o postulante pelo lado do governo; mais para trás, que em 1962 a conquista do bicampeonato tampouco salvou João Goulart, e que - único exemplo de manipulação bem sucedida - o tricampeonato de 1970 nada alterou no panorama eleitoral, porque estávamos no pior tempo da ditadura e eleições, bem, eleições...
Este ano, porém, vivemos por um fio: qualquer acidente pode afetar tudo. Ou seja, "não vai ter Copa" nas eleições; elas podem afetá-las assim como qualquer fagulha pode atear fogo numa plantação seca: o problema não é a fagulha, é a seca. Nosso problema não é se a Copa, um desastre natural ou um imprevisto humano causará mudanças políticas: nosso problema é que nossa paisagem não tem horizonte, pelo menos horizonte límpido.
O Brasil não enxerga hoje rumos claros, nem projeto dominante. Em 1984, estávamos fartos de ser tratados como crianças. Conseguimos, feito notável, transformar o fim da ditadura numa grande expectativa de melhora, de festa, lamentavelmente frustrada pela tragédia curta e altamente simbólica da morte de Tancredo Neves e pela tragédia longa e fortemente material da hiperinflação. Em 1989 e 1994, fartos da inflação, apostamos no seu fim, épico na promessa descumprida de Collor, prosaico na mudança efetivada por FHC. Já 2002 foi o ano da festa quase pura, em que preservaríamos o real associando-lhe o social. E agora? Se tivermos a mudança, qual será o projeto, a proposta, o programa? A cada mudança havida, vivemos um sonho, quatro ao todo - Diretas-Já, Collor, o Real e a inclusão social. Hoje nenhum dos postulantes acena com um sonho. É tão significativo que Marina, a "sonhática", seja apenas coadjuvante...
Mudaremos, agora, sem projeto? Mudaremos, sem entusiasmo? Mais me parece que esta eleição, seja qual for seu resultado, marque um fim do que um começo. E não penso em fim do governo do PT, porque a exaustão marca todas as candidaturas. Isso não é ruim, porém. Quase toda mudança histórica de realce passa por aquele momento que Oliver Cromwell, líder da mais radical revolução ocorrida na Inglaterra, definiu em 1650 ao dizer: "Quando começamos, não sabíamos o que queríamos; sabíamos, apenas, o que não queríamos". Este é um trajeto longo, mas que pode ser rico.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
Fonte: Valor Econômico (14/07/14)
"Nas eleições presidenciais, não existe a terceira via. O que existe é o terceiro colocado", sentencia o cientista político da PUC-Rio Cesar Romero Jacob, para explicar o motivo de PT e PSDB terem protagonizado a disputa eleitoral nas últimas eleições. Um dos motivos da polarização deve-se ao fato de os dois partidos estarem fortemente enraizados em São Paulo, maior colégio eleitoral do país. "Quem não tem base eleitoral em São Paulo, tem muita dificuldade de compensar fora do Estado", argumenta Jacob, que pesquisa a geografia do voto nas últimas eleições. Apesar da força tucana, o cientista político adverte que Aécio Neves só conseguirá chegar ao segundo turno se o ex-presidente Fernando Henrique conseguir aparar as arestas entre o senador mineiro, Geraldo Alckmin e José Serra, retomando a política do café com leite. Sobre a Copa do Mundo, Jacob diz que ela não influenciará as eleições, já que não houve grandes problemas no evento. "A Copa deu certo, não houve problema em aeroportos e estádios. O desastre veio de dentro do campo", analisa.
Entrevista:
O sr. acha que pode haver uso eleitoral e algum benefício nas urnas em função dos resultados da Copa do Mundo?
Todo mundo tentou usar a Copa nos últimos meses, inclusive a oposição. Aécio Neves disse, há alguns dias, que o governo tentou usar o Mundial, mas ele também fez isso. A crítica que vimos era em relação ao gerenciamento e à administração diante das pressões da Fifa. Mas a Copa deu certo, não houve problema nos estádios nem nos aeroportos. O desastre veio de dentro do campo. Havia uma descrença em relação à seleção, mas uma derrota como a sofrida para a Alemanha não era esperada.
O atual cenário aponta, mais uma vez, para a polarização entre PT e PSDB nas eleições presidenciais. Por que isso acontece?
São Paulo tem um terço do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e um quarto do eleitorado. Quem não tem base eleitoral em São Paulo, tem muita dificuldade de se compensar fora do estado. PT e PSDB têm bases fortes ali, por isso polarizam. Numa eleição, não se pode ter votos só em São Paulo, mas não se pode ter votos apenas fora do estado. Maluf só tinha votos em São Paulo, Brizola não tinha votos em São Paulo, mas tinha fora.
São exemplos de dois casos que não foram adiante, não venceram eleições presidenciais. São fortes as chances de segundo turno?
Depende do sucesso de Fernando Henrique, padrinho político de Aécio Neves em São Paulo, em conseguir fazer com que José Serra e Geraldo Alckmin virem a página do ressentimento e entrem na campanha presidencial. Se isso acontecer, a vida da Dilma ficará muito difícil. Os tucanos mineiros estão dizendo aos paulistas que essa é a vez de Minas Gerais assumir o poder, depois de o PSDB ter perdido a eleição presidencial com candidatos paulistas nas três últimas eleições (Serra em 2002; Alckmin em 2006; e, novamente, Serra, em 2010).
Aécio já tem um candidato a vice paulista, o senador Aloysio Nunes...
Mas a história nos mostra que duas vezes o pacto das elites políticas do país, a chamada política do café com leite, entre Minas e São Paulo, foi rompido pelos paulistas. Em 1929, quando esperávamos, pela lógica da alternância no poder, que os mineiros comandassem o país, Washington Luís rompeu esse acordo e lançou o paulista Júlio Prestes. Getúlio Vargas se aproveitou dessa briga, associou-se aos mineiros e o resultado foi a Revolução de 30. Daí até 1945, o governo de Vargas foi um condomínio entre mineiros e gaúchos. Os paulistas só voltaram ao poder em 1994, com Fernando Henrique, justamente pelas mãos de Itamar Franco, um mineiro. No meio do caminho, quando Itamar esperava pela sua indicação, retomando a política do café com leite, Fernando Henrique surge com a emenda da reeleição. Depois de 1929, essa é a segunda rasteira na elite política mineira.
Diante da situação de polarização, como o PT entra nessa história?
Em 2002, Lula repete Getúlio, buscando aliança com os mineiros, tendo José Alencar, seu vice, de Minas Gerais. É o operário e o empresário, o dono da força paulista e o mineiro. Lula faz a política do café com leite. O PSDB está fazendo agora, e com atraso, o que Lula fez com Dilma, a mineira radicada no Sul e que teve um paulista como vice. Ele estava mandando um recado às elites dos respectivos estados. Aécio está fazendo o mesmo. Ele repete a estratégia do Lula de 2010.
Ter um vice paulista significa que Aécio está deixando o Nordeste para Dilma?
Para ele, o fundamental é ganhar em Minas e São Paulo. Se ele ganhar bem nesses lugares, o grau de energia necessária nas outras regiões será menor.
E como fica a situação de Eduardo Campos nesse cenário?
Costumo dizer que no Brasil não existe a terceira via, o que existe é terceiro colocado das eleições presidenciais. E não há nada em comum entre os terceiros lugares nas últimas seis eleições. Tivemos Leonel Brizola (PDT) em 1989; Enéas Carneiro (Prona) em 1994; Ciro Gomes (então no PPS) em 1998; Anthony Garotinho (então no PSB) em 2002; Heloísa Helena (PSol) em 2006; e Marina Silva (PV) em 2010. Não são iguais, não há nada em comum entre eles — nem partidariamente, nem no ponto de vista político, nem nas bases territoriais. Não é como a extrema-direita francesa, em que Marine Le Pen tem votos em determinada região do país, ou como os verdes na Alemanha. Não é assim que funciona aqui. Por outro lado, em vez de alavancar, Marina está atrapalhando Eduardo Campos. Tudo o que ele quer fazer, ela quer o contrário. Além disso, há uma disputa entre as três principais elites nordestinas: a baiana, a pernambucana e a cearense. O que significa que Campos pode não ter boa votação na Bahia e no Ceará.
Marina, então, não agrega?
Os votos de Marina em 2010 não eram de Marina. Aliás, cada terceiro colocado tem uma conjuntura diferente. No caso de Marina, ela reuniu os insatisfeitos com José Serra, que escondeu Fernando Henrique de sua campanha (agora temos Aécio exaltando os 20 anos do Plano Real); os insatisfeitos com o governo do PT, que não foi suficientemente radical; os verdes, que tinham Marina como candidata; e os evangélicos, para quem ela não fez campanha voltada para eles, mas que votaram na ambientalista. Marina é a vice que nenhum presidente quer ter. É diferente de Marco Maciel com Fernando Henrique; de José Alencar, que criticava os juros altos para os empresários, mas certamente combinado com Lula; de Michel Temer, que é um bombeiro e ajuda a apagar os problemas do PMDB para se manter na base aliada do governo. Se Campos vai negociar com o agronegócio, ela diz que com o agronegócio não pode.
Eduardo Campos tem em seu programa de governo a proposta de candidaturas avulsas.
Num cenário em que temos mais de 30 partidos, uma proposta como essa só faz fragmentar ainda mais. A história mostra que isso não deu certo. Candidatura avulsa foi a de Fernando Collor, em 1989, tendo o PRN como partido de aluguel. A candidatura do Collor foi uma aventura. Essa medida do Campos pode ser uma tentativa de deixar Marina contente, até para uma eventual candidatura dela, que ainda não tem partido legalizado. Mas ela vai se eleger e montar seu partido depois?
O Pastor Everaldo (PSC), em algumas pesquisas de intenção de voto, tem se aproximado de Eduardo Campos. Ele pode forçar o segundo turno?
Ele pode conseguir atrair um bom número de evangélicos, já que é o único candidato religioso à Presidência da República. Mas evangélicos candidatos a cargos majoritários tem piso alto e teto baixo, ou seja, uma rejeição muito grande do eleitorado não-evangélico. Se ele fizesse a política pelo partido, e não pelas igrejas, não significa que não teria o apoio delas. Quando a questão da religião é de foro íntimo, não há problema. Fernando Henrique Cardoso é agnóstico, mas não fez proselitismo do ateísmo em sua campanha. O problema é quando isso se mistura com a máquina das igrejas.
Em que medida o Pastor Everaldo pode ser uma alternativa a Dilma, Aécio e Campos?
Dilma, Aécio e Campos são muito próximos. Os três têm compromissos com as agendas dos últimos 30 anos. Na ordem cronológica, a saber: a proposta da democracia durante a ditadura; a estabilização da economia na década de 90 — os três candidatos são formados em economia e defendem meta de inflação, taxa de câmbio flutuante e superávit primário — e, por fim, a redução da miséria, que aconteceu mais agudamente nesses últimos 12 anos. Eles podem fazer isso de forma diferente, mas têm o mesmo compromisso. Dilma foi presa política, Aécio e Campos são de famílias cujos avôs lutaram contra a ditadura. Isso acaba abrindo espaços e agendas à esquerda e à direita. Na direita, temos o Pastor Everaldo. Mas ele está a serviço de quem? É claro que ele está a serviço da construção de seu partido. Mas pode estar, também, a serviço de Dilma ou Aécio, para enfraquecer Marina. Há espaço para uma campanha de perfil conservador. Ele tentará demarcar essa posição.
No Rio de Janeiro, é possível que o governador Pezão abra espaço para o pastor em seu palanque. Ele se beneficia disso?
Sim, porque ele provoca uma fragmentação dos evangélicos no Estado, que tem mais dois candidatos evangélicos ao governo do Rio. Everaldo é da Assembleia de Deus, o deputado federal Anthony Garotinho (PR) é presbiteriano e o senador Marcelo Crivella (PRB) é da Igreja Universal do Reino de Deus. Presbiterianos tendem a não fazer esse vínculo da religião com a política, o famoso "irmão vota em irmão". No caso do Garotinho, como político, ele sempre transitou no mundo evangélico pentecostal, e estes estão na teologia da austeridade, que é também típica da Assembleia de Deus, onde está Everaldo. Já na Igreja Universal, do Crivella, é o contrário, é a teologia da prosperidade. A Assembleia está presente na área mais pobre da região metropolitana do Rio. Ali, é mais difícil, inclusive para o candidato, defender a teologia da prosperidade. A teologia da prosperidade significaria uma certa visão de consumo que a Igreja Universal não condena.
Há uma possibilidade de junção dessas vertentes evangélicas em segundo turno, tanto no Rio quanto no cenário nacional?
Sempre. É novamente a ideia de que "irmão vota no irmão" e não na política, se é que ainda é possível falar de programas partidários, diante da chamada "bacanal eleitoral" que estamos vivendo no Estado. Quando não há o "irmão", os evangélicos se dividem entre os diversos candidatos. Pelo menos a partir da eleição do Lula, em 2002, foi assim. Eles foram para o colo de Fernando Henrique, porque achavam que o PT era o partido da Igreja Católica, já que havia integrantes da legenda com origem na Teologia da Libertação.
Há uma relação do discurso petista de ascensão da classe média coma teologia da prosperidade da Igreja Universal?
Não existe esse vínculo. O Brasil transitou nos últimos 30 anos com agendas não da política, mas da sociedade. A transição da ditadura para a democracia não era uma agenda política, mas social, que foi aproveitada por Tancredo Neves. Mas não há também democracia consolidada com inflação alta, agenda que pertenceu aos anos 90, porque, numa economia muito desorganizada, é difícil não ter tentações revolucionárias ou golpistas, pelo grau de desespero das pessoas — essa foi a agenda de Itamar e Fernando Henrique. Em seguida, pelos anseios sociais, veio a constatação de que de nada adiantaria democracia e economia estável num país desigual, e aí temos os programas de Lula e Dilma, no sentido de reduzir a desigualdade acentuada. São três etapas, quase em processo, das exigências da sociedade. A redução da miséria e o aumento real do salário mínimo, agendas do PT, permitem que a classe C vá ao shopping. É aí que a Igreja Universal está focada.
Candidatos evangélicos, em geral, têm rejeição entre os eleitores que não são religiosos?
Não necessariamente. Marina Silva e a deputada Benedita da Silva (PT-RJ) conseguem fazer uma campanha mais ampla, mesmo sendo evangélicas, porque não fazem política com esse viés. Elas podem não ter feito campanha voltada apenas para o segmento, mas não significa que o segmento não fez campanha para elas. Importante ressaltar que estamos falando de evangélicos pentecostais, porque os evangélicos históricos pensam na mesma linha da Igreja Católica, que tanto pode ser tucana, petista ou socialista, e que acha que é melhor não levar para a igreja uma divisão que está fora dela.
A Igreja Católica não orienta o eleitor religioso, então?
Na eleição, o que a Igreja Católica faz é defender princípios. Pontualmente, ela pode se colocar contra algo. E, ainda assim, há diferenças entre a igreja de João Paulo II e Bento 16, papas conservadores, e a igreja do Papa Francisco, que é mais progressista.
Há chances de temas como aborto e casamento gay entrarem no debate presidencial, como aconteceu em 2010?
Aborto, sim. Casamento gay, acredito que não, na medida em que o Papa Francisco defende mais tolerância com os gays e, consequentemente, não haveria respaldo do Vaticano para uma demonização do tema. Quanto ao aborto, ele atinge setores da Igreja Católica, mas nenhum dos três candidatos (Dilma, Aécio e Campos) são a favor do aborto, quando a discussão não é relacionada à saúde pública. Aborto pode aparecer de forma mais polêmica na campanha do Pastor Everaldo.
Há outros temas polêmicos na esfera moral e religiosa que podem aparecer?
Acredito que não. Eutanásia, células-tronco e pena de morte não estão na pauta da campanha eleitoral no Brasil.
Mas a religião entra em pauta no caso de uma disputa mais acirrada de segundo turno entre Dilma e Aécio?
Isso é difícil de prever, porque pode ser provocado por terceiros. Em 2010, o assunto foi provocado pelo processo eleitoral, por manifestações do bispo de Guarulhos. Com exceção de uma resposta mal dada num debate, acredito que a religião pode aparecer mais em decorrência do apoio que os candidatos podem vir a ter de tal ou qual igreja. Em princípio, os candidatos não abordarão temas polêmicos. Percalços de campanha sempre podem existir, claro. E essas polêmicas podem vir mais das redes sociais, com temas constrangedores para todos os candidatos.
Voltando à Copa, a oposição e a população podem querer responsabilizar o governo pela derrota da seleção brasileira?
Ainda não está claro que interpretação irá prevalecer por parte da população em relação a essa derrota. No momento, ela está tentando entender o que aconteceu. Depois, ela vai querer respostas e soluções. A crítica à CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e ao futebol brasileiro vem bem antes desse resultado e é suprapartidária. O que pode acontecer — e isso vai além do pleito de outubro, já que a Alemanha levou 10 anos para reformular seu futebol — é o governo ser capaz de dar início à reformulação do futebol brasileiro. Isso, sim, pode ter algum tipo de influência na eleição.
O governo pode exercer alguma influência nas mudanças da CBF?
O ministro do Esporte, Aldo Rebelo, está tendo o cuidado de que essa questão não seja apenas do governo e está tornando esse debate suprapartidário. A Dilma não tem relações com o Marin (José Maria Marin, presidente da CBF) e não há como colocar a responsabilidade da CBF no colo dela. As forças, tanto no governo quanto no Congresso, tendem a empurrar o problema para a CBF, sobretudo diante do fato de que o Felipão (Luiz Felipe Scolari, técnico da seleção) não assumiu o erro e credita tudo à "pane dos seis minutos", coloca a culpa nos jogadores e se exime do problema.
A falada CPI da Copa na oposição perde a força diante do bom resultado fora de campo e do mau resultado da seleção?
A CPI da Copa, assim como a CPI da Petrobras, não passa de um factóide. Os parlamentares irão para as campanhas, haverá um esvaziamento do Congresso nos próximos meses. Além disso, muitos dos estádios estão em estados governados pelo PSDB. CPI demanda tempo, e os deputados e senadores estão, neste momento, preocupados em salvar a própria pele e se eleger em outubro.
Diante do resultado da seleção, o slogan Copa das Copas ainda faz sentido?
A Copa das Copas faria sentido caso a seleção tivesse conquistado o hexacampeonato. Mas Felipão e a CBF não fizeram o dever de casa. Não foi por outro motivo que Dilma tirou de circulação esse slogan. Do ponto de vista do futebol, a Copa das Copas virou o "Desastre dos Desastres". Apesar de a história recente do país mostrar que não existe relação entre o desempenho da seleção no Mundial e o resultado da eleição, o que acontece agora é que tivemos uma Copa em casa. E a Dilma teria se beneficiado, sim, de um resultado positivo no futebol.
O governo se beneficia como fato de a Fifa ter sido exposta a partir do desvendamento da máfia da Match, responsável pela venda de ingressos dos jogos?
Isso não vira voto. O grande legado poderá ser a reformulação do futebol brasileiro. Se o legado for a reformulação do que é criticado há muito tempo, isso pode se tornar benefício. Por outro lado, tem gente dizendo que um dos legados terá sido desmascarar a Fifa. Mas isso foi a Polícia Civil do Rio de Janeiro. Esse conluio entre dirigentes da Fifa e a empresa associada desmonta a arrogância do "Padrão Fifa". É o padrão "Pifa". Problema com a venda de ingressos, agora explicado, problemas com a comida nos estádios... a Fifa sai arranhada. Mas Dilma não tem como faturar em cima disso.
Fonte: Eduardo Miranda (Brasil Econômico)
A oportuna e enigmática declaração da presidente Dilma Rousseff de que a próxima disputa presidencial será “a mais politizada da história” sugere reflexão.
Pode-se antes de tudo imaginar que a presidente quis se referir ao fato de que a disputa privilegiará a dimensão política, de modo a fazer com que as divergências entre os candidatos ultrapassem o plano adjetivo, mesquinho e superficial e se explicitem de forma substantiva, consistente.
Há dois modos típicos de se discutir divergências políticas. Cada um se subdivide em dois, que se combinam.
Um deles privilegia o público e o que é de interesse coletivo; o outro privilegia os correligionários e o que é de interesse particular (de um partido ou candidato). O primeiro politiza bem mais que o segundo, que pouco faz além de partidarizar.
A outra polarização sugere que se pode agir para destacar o que diferencia as posições divergentes ou o que as aproxima. No primeiro caso, busca-se a preponderância, aquilo que isola e distancia um do outro. No segundo, busca-se o que os divergentes têm em comum e pode servir de base para que se atenuem as diferenças. Nesse caso, o primeiro produz tensão e exclusividade: é arrogante, digamos assim. O segundo produz relaxamento e cooperação: é mais humilde.
São duas formas de pensar a politização. Uma politiza mais, tem qualidade superior: incorpora, agrega e educa, busca enfatizar o que é comum e mais relevante. A outra politiza menos, tem baixa qualidade: trabalha dividindo e separando, oferecendo ao público um alimento já mastigado e artificialmente universal.
No Brasil atual, todos os protagonistas - tucanos, petistas, socialistas, verdes, comunistas, liberais, conservadores, democratas - politizam buscando afirmar a própria posição e desrespeitando ou ignorando as posições alheias. Por isso, o debate político não avança, não gera interlocução. A explicação para tal situação pode ser encontrada tanto na má qualidade dos debatedores quanto na ausência, neles, de algo mais do que interesse de parte, cegueira perante o que é interesse coletivo.
Tem-se dito o tempo todo: faltam projetos de sociedade, sobram projetos de poder.
Os dois modos podem ser combinados no decorrer de um embate político. Costumam ser combinados, aliás, já que política é busca de afirmação e de sedução, tentativa permanente de ser protagonista e de atrair os que pensam diferente, se possível para impedi-los de ser protagonistas.
Mas um dos modos tenderá a prevalecer, na dependência da personalidade, das intenções e dos projetos dos contendores.
O modo como se pensa a politização interfere no modo como se faz política. Por mais que sofra a influência das circunstâncias históricas globais - cada época tem sua política -, a discussão política está fortemente determinada pela cultura de cada sociedade. Ocupa, aliás, um lugar central nessa cultura, tendendo a preencher muitos espaços e florescer onde menos se espera.
As manifestações dos torcedores brasileiros durante a Copa de 2014 refletiram de alguma maneira o modo como pensam e agem politicamente. A facilidade com que se passou do campo de jogo para o campo político indica com clareza isso, assim como as vaias e ofensas dirigidas à presidente e aos hinos de outros países. Quiseram indicar com isso que a culpa pelo fracasso no campo ou pelo que muitos consideram erros de organização do evento devia ser imediatamente associada à política.
Assim como esteve encharcado de política o modo como se reagiu ao cataclismo provocado pelos 7 a 1 da Alemanha. Queimaram-se bandeiras, buscaram-se responsáveis, fizeram-se acusações, falou-se que a seleção teria “obrigação de vencer” mesmo que estivesse despreparada e praticasse um futebol abaixo da média. Não se viu o jogo politicamente, quer dizer, como uma disputa entre contendores que respeitam regras e buscam fazer com que o substantivo prevaleça sobre o adjetivo.
A derrota humilhante ainda não foi processada. Poderá ser - e é de desejar que seja - devidamente politizada, analisada com a prevalência do coletivo sobre o individual, do todo sobre a parte, assim como com a devida consideração do que há de processo e de história, de projeto e mentalidade, de preparo e improviso, de fortuna e virtù, de disciplina e organização num simples esporte popular.
Sem isso, pouco se tirará de positivo do fiasco. Não se aprenderá com ele e, no dia seguinte, a vida futebolística seguirá a mesma. Despolitizada.
*Marco Aurélio Nogueira é professor titular de Teoria Política e Coordenador do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp
Fonte: O Estado de S. Paulo / Aliás