sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Terapia intensiva (Marina Silva)



Quando insistimos na necessidade de uma agenda estratégica, somos contestados pela visão reducionista de que basta ao nosso país uma gerência eficiente. Estamos vendo agora o resultado da separação entre estratégia e gestão: a excelência gerencial que anunciaram naufraga na enchente de problemas derivados da falta de planejamento.

As evidências estão em setores nos quais supúnhamos ter avançado. É o que mostra o relatório do Banco Mundial sobre o Sistema Único de Saúde, noticiado por esta Folha. Analisando mais de duas décadas dessa conquista histórica do povo brasileiro, o SUS, o relatório revela que os problemas da saúde pública não decorrem apenas da falta de verbas. Não esconde essa falta, pois mostra que o investimento público em saúde, de 3,8% do PIB, é inferior à média dos países em desenvolvimento, mas constata que o atendimento pode melhorar com mudanças na gestão.

Vivemos nos extremos. Os grandes hospitais estão superlotados, enquanto as unidades com menos de 50 leitos, que cobrem 65% do sistema, vivem quase sempre vazias, por motivos que incluem a falta de médicos especializados e de condições para atender às populações locais.

Boa parte das emergências poderia ser atendida em unidades básicas, cujo crescimento estagnou nos últimos anos. Conheço o problema na prática, por isso sempre insisti na importância de fortalecer o Programa de Saúde da Família e tornar o sistema mais humano e personalizado. Essa é uma definição estratégica que se traduz em investimentos na formação de médicos generalistas, enfermeiros, assistentes sociais e agentes comunitários que trabalhem de forma integrada junto da população.

A melhoria na gestão inclui necessariamente o combate à corrupção. Reportagens recentes na TV mostraram o desvio de verbas em acordos de cooperativas e Oscips com várias prefeituras. Precisamos de mecanismos que garantam a visibilidade desses processos e o acompanhamento da população e órgãos de fiscalização.

O SUS é uma conquista nossa, devemos cuidar dele e aperfeiçoá-lo. E isso é parte do esforço para reformar o Estado brasileiro. O mesmo combate deve ser travado em atividades como a produção de alimentos e de energia, nas quais muita riqueza se perde no caminho (ou na falta destes) até o usuário.

No final das contas, o Estado deve tornar-se mais responsável no uso dos impostos. E os governos não podem continuar acenando com o chapéu do contribuinte, em prejuízo de seus direitos, repetindo comportamentos perdulários que se agravam, como sabemos, em períodos eleitorais. Em todos os setores, a mudança exige tratamento continuado. Na saúde, terapia intensiva.

Marina Silva, ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente

Fonte: Folha de S. Paulo

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