quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Monções Capixabas: a "Indústria das chuvas" e a novíssima "Geopolítica" da sucessão estadual (José Roberto Bonifácio)

A primeira visita oficial de Dilma Rousseff, enquanto presidente da República, permitiu que, aos poucos se descortinasse o cenário da crise climática do ES e seus contornos geopolíticos, na relação do setor público estadual com a União e com as municipalidades, ambas hoje severamente questionadas ou precarizadas.
O que chefe de Estado viu foi praticamente uma paisagem desolada, típica dum país carente como Bangladesh, a qual os habitantes do próprio lugar outrora reputavam como demonstrativa duma visão idílica, quase que européia (mais especificamente italiana ou alemã) de sua mesma realidade. Num momento em que mais de 40 cidades se acham sob estado de emergência e quase 50 mil pessoas (quase 2% da população capixaba) se acham desabrigados e tantos outros deslocados de suas casas e comunidades, a infraestrutura rodoviária (BRs 101, 262 e 259, ES 010 e 040 e outras semi interrompidas nas microrregiões Norte e Serrana) praticamente toda comprometida, todo o efetivo dos bombeiros deslocado para o interior do ES (base eleitoral mais fiel do atual governador), descobrimos que não há nada tão ruim que não possa ser piorado de algum modo.

O emblemático caso da ausência do prefeito Rodney Miranda (DEM) de seu municipio trata-se tão somente de um entre inúmeros de prefeitos da Grande Vitória e do interior, ausência esta não apenas no sentido físico do termo para a quase maioria dos administradores municipais...É licito e necessário crer que o prefeito de Vila Velha realmente se equivocou ao interpretar a ameaça e assumiu riscos que não devia. O que é ou vem a ser quase um crime de responsabilidade civil objetiva do administrador público. É bem verdade que os gestores da Grande Vitoria tem agido relativamente bem e eficazmente - exceto Vila Velha.

Em função disto tornou-se alvo da imprensa regional e nacional e assim  um veículo tradicionalmente oligárquico como A Gazeta ataca Rodney mesmo sabendo que isto mancha a reputação do hartunguismo e olvidando sua própria colaboração na produção de sua imagem de liderança emergente. Sujeitar Vila Valha a mais um ciclo de instabilidade política, decorrente duma campanha pró-impeachment, pode ser outro risco artificial, tal qual ocorreu nos anos 1980 e 1990 deixando seqüelas duráveis na gestão urbana e na cultura política. Mesmo sabendo que ele pode ter incorrido em crime de responsabilidade e numa infração da Lei Orgânica Municipal não se autoriza a crença de que o interesse coletivo da municipalidade será melhor servido desta maneira, pois uma operação politica deste tipo (quase um 3º turno para alguns) termina sem resolver a questão estrutural presente no cotidiano da sociedade.

De absolutamente líquida (excessivamente por sinal) e certa temos somente  a constatação de que os riscos politicos aqui no ES, além de artificiais como diria um célebre sociólogo britânico, são quase que sazonais: se os estados do Nordeste tem aquilo que o escritor Antonio Callado denominava a "indústria da seca"¹, pode-se dizer que os do Sudeste (particularmente RJ e ES)² tem a "indústria da chuva". Em outras palavras, as elites politicas destas unidades da federação tem a chance e os meios de transformar a crise climática na oportunidade de melhorar sua posição na distribuição de recursos públicos federais alocados em base discricionária ou legalmente determinada pela União.

Como reportam inúmeros internautas, e se tornou algo assim muito significativo pela ótica da desnaturalização do fenômeno, há defeitos surgindo em série por quase todas as rodovias federais e estaduais. A catástrofe climática se transformou também numa catástrofe logística e de infraestrutura, para não dizer urbana ou habitacional.

Por estas e  outras, é que  há sempre recorrentemente uma disputa em cima do ônus e do bônus politico desta crise climática, envolvendo o governador, a Assembléia Legislativa, os principais partidos políticos da coalizão governante (notadamente o PT, o PSB e o PDT)³, os prefeitos e a União4.

Ano após ano e ninguém, dentre eleitores e formadores de opinião, aprende a real e complexa natureza do desastre climático. As elites sabem muito bem o jogo que estão jogando, sabem quando conflitar e quando cooperar. Neste instante, o contraste não poderia ser maior, entre as comoventes imagens natalinas de pessoas de variadas etnias e classes sociais cooperando e se solidarizando para ajudar os desabrigados, enquanto as lideranças se digladiam.

O pior mesmo é perceber que os capixabas (não o povo of course) continuam  raciocinando feito caranguejos em meio à crise, dado que está aberta a temporada de batalhas politicas. Escolhas trágicas deverão ser feitas e estão sendo feitas.

Notas:

*Sociólogo (UFES) e Especialista em Ciência Política (IUPERJ). Professor da da UVERSITA - Universidade Aberta (SP) e do curso de Pós- Graduação Lato Sensu Gestão de Instituições sem Fins Economicos com ênfase em Medidas Sócioeducativas da Faculdade Unidas (ES). Email: bonifacio78@gmail.com.

²Para breves estimativas, diagnósticos e avaliações iniciais do volume de recursos públicos envolvidos ver:

³O PT ES tratou de, imediatamente, reivindicar crédito, pelo restabelecimento da conexão com Brasília. Senão vejamos a Nota oficial divulgada pela presidência estadual da legenda: "A confirmação da vinda da presidenta Dilma é fruto de um trabalho coletivo de autoridades capixabas, reforçado pela Executiva Estadual do PT, pela senadora Ana Rita Esgário , pela deputada federal Iriny Lopes, pelo vice-governador Givaldo Vieira e pela bancada petista estadual. Nós, do PT-ES, temos a convicção de que a vinda da nossa presidenta irá contribuir ainda mais para agilizar a liberação de recursos federais para o Espírito Santo neste grave momento de nossa história."............................................................................................................
..............................................................................................................................................................

4 “Só para termos uma idéia da lentidão e inoperância da Secretaria do Sr. Iranildo Casado com relação ao convênio n° 668646 para “Desassoreamento e ampliação da calha do Rio Formate associado a canalização e reservatório de amortecimento de cheias” publicado em outubro de 2011 no valor de 10,8 milhões de reais (exatamente R$ 10.832.670,94) a Secretaria do Sr. Iranildo Casado utilizou até o dia 2 de outubro de 2013 a quantia irrisória de 71 mil reais (exatos R$ 71.496,47).
Mas não só, dos recursos liberados pelo PAC 2 em 2011 para o Governo do estado do ES relacionados à “Prevenir novos deslizamentos, contenção de encostas em áreas de risco, controle de enchente e inundações com obras de drenagem, além da redução de áreas vulneráveis a deslizamentos” TODOS estão no estágio de “Ação Preparatória”, ou seja, NENHUM foi iniciado.” (Cf. Font, Emilio)<http://www.aecapixaba.org.br/2013/12/enchentes-em-vila-velha-incompetencia.html#more>.

 Na verdade o ataque parte do gabinete da senadora Ana Rita, que ironicamente chegou ao parlamento como suplente do então atual governador. Evidentemente que há uma disputa por recursos, funções e cargos mas o problema em tela deriva mais de falhas gerenciais na elaboração de projetos básicos para obras e serviços de engenharia - o que é um problema nacional - do que de incapacidade singular deste ou daquele governo estadual. É bem verdade que o grupo de interesses das empreiteiras e construtoras que se faz representar pelo vidigalismo (e em parte pelo coserismo) está sendo fortemente questionado não somente pelo controle duma área relevante e sensivel de planejamento e "fazejamento" mas também pelos equipamentos de logística e infraestrutura existente (veja o estado das rodovias e das pontes).Em verdade, o PT (neste caso a Articulação de Esquerda) mira um secretario do PDT mas acerta diretamente o governador e sua equipe gerencial. Em cheio! Este mesmo PT (na pessoa de Coser e da bancada federal e suas conexões ministeriais) que reivindica crédito por atrair Dilma ao ES pela primeira vez apos eleita. Aos que assistiram a entrevista da Dilma na TV Tribuna - quase simultânea ao pronunciamento oficial de Casagrande na TV Gazeta - ficou claro que ela empurrou as responsabilidades mais onerosas para a conta do governador: "nós mandamos tudo que eles pediram!" Em menos de 24 hs foram três golpes certeiros na administração estadual - e consequentemente no partido de Eduardo Campos -, de modo que a coalizão PT/PSB está praticamente em guerra fratricida a partir deste momento. Contudo esta batalha ainda trará inúmeros rounds e idas e vindas.
5Da parte da mídia estadual, a visita permitiu suplantar o foco de atenção sobre o delegado-prefeito e investir numa nova (velha) temática que acentua a baixa votação da presidente no estado e o que se atribui como reação a isto : ES é um dos estados que menos recebeu verba de prevenção de desastres em 2013. Estado recebeu R$ 13,6 milhões, contra R$ 400 milhões de Pernambuco http://bit.ly/1gURVqz


Nenhum comentário:

Postar um comentário