sábado, 14 de abril de 2012

Dos Bonapartismos e de Bonaparte no Espírito Santo

1. O artigo de Francisco Celso Calmon, "Amnésia conveniente", foi a boa pedida de leitura desse sábado, 02/04/12, A Gazeta. Na verdade, discutindo o sentido e a lógica da eleição em dois turnos, desvenda o conteúdo autoritário, e, por consequência, antidemocrático, das articulações que buscam em nome de pretensos consensos eliminar ...a vontade da cidadania no processo eleitoral.

Para o autor, "forçar sempre as coligações no primeiro turno é enfraquecer a democracia do método eleitoral. A busca do consenso não deve significar o anátema do contraditório ideológico da sociedade. O consenso fruto do oportunismo eleitoral, longe de significar amadurecimento, significa delongar as contradições e o vir-a-ser da hegemonia do povo."

2. Na verdade, embora essa lógica tenha quase eliminado a crítica e o contraditório na política capixaba, algumas vozes ousaram desafiar e desafinar o coro dos contentes.
Unanimismo, vontade única e unanimidade bonapartista foram algumas das denominações escolhidas para explicar essa espécie de tentativa de "mexicanização" da política capixaba.
Roberto Garcia Simões, em artigo publicado em AG, comentando a tentativa de elevar a candidatura Paulo Hartung a condição de candidato único (ou quase), diz que se vitorioso esse projeto "a eleição vira, ..., uma mera formalidade: o voto confirma na urna o que já foi confirmado nas cúpulas. Institui-se um simulacro de democracia".
Em artigo nesse blog, sobre o projeto "unanimista", comentei:
"E, nesse processo, a eleição passa a ser apenas um mal necessário. Exigência formal da qual nem o regime autoritário implantado pelos militares teve coragem de suprimir, mas que pode ser contornado pelos acordos de cúpula e concertação de interesses entre os dirigentes partidários. Se há uma voz dissonante deve ser neutralizada, isolada e, se possível, politicamente exterminada.
E, assim, assegura-se uma nova ordem, fundada no "unanimismo", na versão capixaba do antigo modelo soviético do "partido único", agora transmutado na forma de "vontade única"."
"Unanimidade bonapartista" foi o conceito escolhido por Luiz Paulo Vellozo Lucas para tentar interpretar o jogo imposto em nome de uma tal de "geopolítica" no período governamental de Hartung, expresso em uma série de entrevistas e em artigo que redigiu na época (não sei se chegou a ser publicado).
Calmon também vai recorrer ao conceito, mas sem nominar quem seria o nosso Luís Bonaparte: "Marx, no 18 Brumário (no qual criou o conceito de bonapartismo), mostra que a luta das classes por seus interesses não é linear e horizontal, mas fracionada e transversal. Posto que o estrutural conjugava-se com o conjuntural, a estratégia com a tática. O bonapartismo de ontem é o consensualismo de hoje, ambos buscaram e buscam um governo acima das classes. É uma cortina para continuar com a mesma estrutura de poder."

3. Para os mais jovens, e que não conhecem as leituras de marx, um recorte histórico para entender as referências:
"O 18 Brumário de Luís Bonaparte" é um clássico da Ciência Política e, talvez, o melhor texto de uma análise de uma conjuntura.
Marx parte da análise concreta dos acontecimentos revolucionários em França, entre 1848 e 1851, que levaram ao golpe de estado pelo qual Napoleão III se nomeou imperador, à semelhança de seu tio Napoleão I. (Se nomeou imperador. Vejam que alguns "curtidores" e "gozadores" do carnaval da Barra do Jucu talvez tenham lido Marx ou é mera coincidência algumas nominações?)
Nesse trabalho, são desenvolvidas as teses fundamentais do materialismo histórico: a teoria da luta de classes e da revolução proletária, a doutrina do Estado e da ditadura do proletariado.
Na análise do personagem central, a elaboração do conceito e uma caracterização profunda do fenômeno do Bonapartismo.
Quem diria que um dia o conceito clássico elaborado por Marx e também trabalhado por Gramsci seria a "ferramenta teórica" para entender o Espírito Santo da primeira década do século XXI?

4. "O desafio na democracia moderna é aprendermos a lidar com o contraditório como um modo de ser, sem beligerância, como motor da evolução política, em vez de tentar suprimi-lo à guisa da falsa e precária harmonia." (francisco C. Calmon).
Vontade única, unanimismo, bonapartismo ou hegemonia bonapartista não interessa: é um processo que nega a pluralidade, a crítica e o direito a crítica, no
jogo de bastidores elimina a livre competição pelo poder.
Em nome de uma pretensa unidade necessária para salvar o estado de seus "inimigos", todos os oponentes são satanizados e uma figura salvadora, oniponte e onisciente, dispõe de todos os cordéis para a representação do espetáculo político.
(artigo publicado no facebook em 05/04/13 e, agora, republicado devidamente revisado).

Um comentário:

  1. Ainda vivemos o domínio do "eu". De grupo, de partidos, do eu mesmo. Assim cria-se um mito de que é o melhor para todos. Mas se as instituições, diga-se, pessoas que as dirigem, tentarem a autodisciplina de fazer o melhor e cumprir verdadeiramente a função de ser do órgão, fiquemos mas a vontade para escolher, monitorar e aplaudir ou execrar. Tudo dentro da Lei, da Justiça e Verdade. Gandhi é um bom parâmetro para se estudar e seguir...

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