A aristocracia ruinosa dos tucanos pode levar a indecisões mais graves em 2014
As indecisões de José Serra integram a crise de abulia que desgasta todos os partidos, algo já diagnosticado no século 20 por Max Weber e Robert Michels. Direções mornas suscitam lideranças voluntariosas, contrárias aos poucos e acomodados condottieri. O PSDB sofre o processo político chamado oligarquização. Aquela forma organizacional nega decisões à base militante e as concentra nos líderes. Ser ou não ser candidato, com acertos alheios à militância? Como garantir apoio nas urnas, se oligarcas preferem em sigilo outros nomes?
Alckmin diz que espera por Serra até as prévias - Sergio Castro/AE - 10.01.2012
Sergio Castro/AE - 10.01.2012
Alckmin diz que espera por Serra até as prévias
Um fenômeno ilustra o complexo tucano: o “lulécio” (Lula com Aécio), oligarquia mineira envolta em lençóis democráticos. O partido reúne alguns núcleos fortes (Minas e São Paulo) e outros nem tanto (Paraná, Rio Grande do Sul, Ceará). A concentração das opções em certas pessoas e a ausência de diretórios nos municípios cria a união de líderes com votos, mas poucos liderados. Tucanos e petistas, primos em primeiro grau, cochilaram ao não aproveitar o Palácio do Planalto (oito anos) para distribuir sedes na maior parte do Brasil. A via das “alianças” foi a preferida. O PMDB, por sua vez, garante presença em cidades de vários portes e aumenta sua capacidade de amealhar votos em todas as classes em prol de potentados, os donos das regiões. É o caso dos grupos Sarney, Barbalho, Temer e demais quistos instalados na base da pirâmide eleitoral.
O PMDB não tem candidato competitivo à presidência desde a derrota de Ulisses Guimarães. Mas nenhum presidente da República governa sem aquele ajuntamento oligárquico. Do nanico PRN ao PSDB, chegando ao PT, as siglas que conquistaram a presidência não tinham sólida presença em todo o país. Assim, se fortaleceram as oligarquias partidárias tradicionais, dando àqueles que chegaram aos cargos, após muita guerra de bastidores, a certeza de que nada conseguiriam sem o PMDB, que mantém seu ritmo de crescimento eleitoral ano após ano. Já os aliados do PSDB minguam a olhos vistos. O PSD, marca de fantasia, tem estratégia presa às ambições do inventor e proprietário. Sintoma: Gilberto Kassab afiança, para justificar o recuo diante do PT, seu compromisso com Serra, sem programas ou ideologias. Temos aí a pura troca de favores, alma da sociedade e do Estado brasileiros, contra os integrantes da base partidária.
As eleições municipais de 2012 são uma peça importante no quebra-cabeça de 2014. A incerteza domina os coletivos tucanos e petistas, pois os seus aliados são submetidos aos oligarcas que ostentam apetite pantagruélico de recursos financeiros, cargos, benesses várias do poder. Como o PT e o PSDB não possuem bases municipais sólidas, ambos dependem da federação oligárquica peemedebista. Esta, por sua vez, se alimenta dos favores trocados entre os comandos regionais. O PMDB, berço do centrão, gerou o “é dando que se recebe”. Manter o seu equilíbrio interno é tarefa de meticulosos maquiavelismos. Mas no mundo de Maquiavel a técnica empregada é a dissimulação, o que aumenta a incerteza dos aliados. O caso Chalita é evidente. Será ele candidato ou serve para dissimular alvos peemedebistas? Os interesses variam segundo os projetos e as necessidades dos oligarcas regionais. O PMDB usa, de modo grotesco, a máxima de Spinoza segundo a qual o imperativo da vida encontra-se na arte de conservar a si mesmo. Se for preciso, os mestres do PMDB retiram a solidariedade aos aliados de hoje, para voltar a oferecê-la amanhã, conforme a conveniência. A incerteza de Serra, em parte, tem origem na pantomima peemedebista.
O problema não reside no indivíduo Serra. A sua hesitação segue a cacofonia atordoante de poucos líderes inebriados pelo poder. O PT assume o “é dando que se recebe” e ignora grande parte de suas bases, em favor de alianças ditadas por um líder. E assim nasce o candidato Haddad, um anônimo na Pauliceia, em detrimento de Marta Suplicy. A dúvida não reside em aceitar ou não candidaturas, mas em definir se os partidos pertencem aos que os sustentam nas bases, ou às direções. É possível, eticamente, apresentar um coletivo como se fosse democrático e, no mesmo átimo, manter escolhas eleitorais dominadas apenas por algumas lideranças? Se José Serra aceitar a candidatura que lhe oferecem, e na forma como é ofertada, ele será a face invertida do verticalismo petista, no qual um só dedo aponta o candidato e vigora a monarquia de Luiz Inácio. No seu caso, poucos dedos escolherão, ruinosa aristocracia tucana. Implodir a consulta partidária (mesmo formal) levará os companheiros de Serra a indecisões mais graves em 2014, mesmo ganhando ele a prefeitura paulistana. Numa derrota...
ROBERTO ROMANO É FILÓSOFO, PROFESSOR DE ÉTICA E FILOSOFIA NA UNICAMP. AUTOR DE O CALDEIRÃO DE MEDEIA (PERSPECTIVA)
Estadão/Álias (26/02/2012)
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