Todas as correntes políticas brasileiras passaram os últimos dois dias observando os discursos iniciais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A forma como Lula, solto na última sexta-feira, vai se reinserir no jogo político não está clara nem para seu próprio campo. Está evidente que num primeiro momento Lula apela para a junção mais fácil e segura, do PT com o PCdoB e o Psol, mas ele deixou claro a aliados que seu movimento será bem mais amplo. Foram esses os três partidos de esquerda citados por Lula tanto no discurso que fez no acampamento ao lado da sede da Polícia Federal de Curitiba quanto no Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo do Campo. Mas a expectativa, sobretudo de alas mais moderadas da esquerda, é que Lula de fato esteja disposto a dialogar com lideranças de centro que não foram atraídas para o polo de poder do presidente Jair Bolsonaro.
A movimentação de Lula, na avaliação de políticos que lhe conhecem bem, vai se dar muito nos bastidores, até porque o petista tem ciência da desarticulação do campo da centro-esquerda e a noção exata de onde a base petista foi corroída. “A maior qualidade do Lula é ser um extraordinário operador político. Ele sabe que não dá para tomar um avião no saguão de Congonhas, mas dá para tomar no saguão do aeroporto de Recife. Sabe perfeitamente onde sua base estreitou e vai reconstruir o PT, sua base, e a liderança na esquerda tradicional”, aponta um político que conviveu de perto com o ex-presidente. Essa leitura ressalta a dificuldade de diálogo que Lula terá com Ciro Gomes (PDT). Para os centristas, Lula vai sufocar Ciro. Para políticos da centro-esquerda, os dois serão obrigados a se entender em algum momento, pois não há espaço para Ciro se mover neste grupo do centro progressista, que tem no ex-presidente Fernando Henrique Cardoso um mentor.
Segundo um aliado do petista, quem apostar no Lula sectário vai errar: “Creio que ele vai tentar liderar uma articulação que dispute um pouco o centro”. Esse diálogo “mais ao centro”, na avaliação da esquerda, será possível não necessariamente no campo partidário institucional, mas via lideranças políticas descontentes com Bolsonaro e que só não se desgarram do atual governo por absoluta falta de opção. “Tem um monte de gente solta neste meio, que foi polarizado pelo lulismo no apogeu, depois polarizado pelo bolsonarismo, e hoje estão todos vagando por aí, meio zumbis. São os políticos que se descolaram do bolsonarismo e ainda não encontraram uma alternativa”, diz um integrante da centro-esquerda. Esses zumbis seriam lideranças do MDB, do PP, do PR, do PSD, entre outros, que integraram a base de governos petistas.
“Lula tem uma dimensão política única. Ele nunca foi um radical e sempre gostou de conversar com quem pensa diferente dele. Uma coisa é entender o que ele diz porque está se posicionado, outra coisa é defini-lo como um ser sectário”, opinou um dirigente petista. De acordo com fontes do PT, é provável que o ex-presidente passe as próximas duas semanas ainda em São Paulo, organizando seu cronograma de viagens pelo país. Lula poderá usar ou a sede nacional do PT na capital ou da Fundação Perseu Abramo para fazer seus primeiros contatos políticos. Nem a agenda de viagens está definida e nem a forma como o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, vai se aliar ao cronograma de Lula. Um outro sinal dos primeiros discursos de Lula é que ele quer Haddad a reboque, até porque trabalha, simultaneamente, fortalecendo o seu próprio nome e sua imagem, mas também a de Haddad, caso se configure intransponível a inelegibilidade por questões jurídicas. “Haddad ainda terá uma conversa com Lula nos próximos dias para detalhar tudo isso”, adiantou um petista.
A intenção já manifestada por Lula a petistas é elaborar, de fato, um projeto de desenvolvimento do país. O ex-presidente deu pistas nos seus primeiros discursos de que quer privilegiar quatro temas: economia, com foco direcionado para emprego e desigualdade, educação, cultura e, por fim, o aspecto da soberania nacional. Em uma das primeiras conversas que teve depois de ser libertado, Lula disse a petistas que há um aspecto que lhe intriga muito e que ele quer entender: a posição dos militares no governo Bolsonaro, e qual é a postura das Forças Armadas em relação à soberania nacional.
O campo político mais ao centro, que tenta se articular em torno de uma terceira via que se afaste dos radicalismos tanto da esquerda quanto da direita, minimiza a leitura de que a entrada de Lula em campo fortalece a polarização e tira do centro a competitividade em 2022. O ex-presidente Fernando Henrique publicou ontem um tuíte para agregar o pensamento deste grupo, mas reconheceu que Lula atiça os extremos: “A polarização aumenta. Sem alternativas populares e progressistas continuaremos no jogo político/pessoal. Em meu tempo a questão central era a inflação; hoje é crescimento e emprego. Sem corrupção. No começo era o verbo. Novamente, com gestos e ações os caminhos abrem-se. A eles!”.
O apresentador Luciano Huck, que é apontado como essa possível novidade de centro, retuitou um comentário feito pelo presidente nacional do Cidadania, o ex-deputado federal Roberto Freire. “Penso que cada dia que passa nesse nosso Brasil do “nós x eles”, o Luciano Huck cresce como alternativa democrática. Os bolsonaristas e os lulopetistas, eufóricos com Lula solto, não o esquecem”, disse Freire.
Os políticos do centro insistem na tese de que o país não tem dois caminhos, tem três. E que a polarização, muito mais latente nas redes sociais do que nas ruas, vai oferecer uma “avenida de oportunidades” ao centro.
“Nenhum dos dois lados segurou o voto útil de 2018, nem o PT e nem Bolsonaro. Os dois lados se movimentam hoje em bases muito menores do que eles conseguiram na última eleição”, alega um defensor do centro. Lula é maior na sociedade atual? Seu apoio ainda se concentra em torno de 30%? Todos os campos aguardam as próximas pesquisas de opinião para agir. Um político experiente afirma que a vida não está fácil “para quem tem carimbo de corrupção na testa, e não tem vida fácil para quem não está conseguindo entregar emprego e renda, como é o caso do atual governo”.
Já a centro-esquerda se anima e assegura que o caminho do novo centro, que até agora elegeu Luciano Huck como uma possibilidade, “é anódino, sem sal e não representa o tamanho do Brasil”, nas palavras de um lulista. Por enquanto, as estratégias de todos os lados só serão melhor calibradas após a publicação da primeira pesquisa de intenção de votos. Aparentemente, com Lula na urna.
Valor Econômico/ 11 de novembro de 2019
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