Para Ernest Hambloch, o nosso problema fundamental era o presidente não ser uma rainha da Inglaterra, mas um czar tropical.
Em “His Majesty, the President of Brazil” (1936), ele fustiga o presidencialismo imperial vigente, contrastando-o com a Inglaterra, no qual “o Parlamento ainda tem a mão do chicote e pode usá-lo quando lhe convier. Nas repúblicas americanas, ele está na mão do presidente”.
Hambloch reduz presidencialismo a autoritarismo, mas sua análise é instigante. Parlamentarismo e presidencialismo são formas distintas de se organizar a relação entre Poderes. Não há consenso técnico sobre a superioridade de um em relação ao outro.
Uma variável crucial é o sistema eleitoral, pois sob o multipartidarismo há o imperativo de formação de coalizões, o que reduz a preponderância do Executivo.
Ele foi o remédio utilizado entre nós para fortalecer o Legislativo e eliminar o poder acachapante do governismo. A reforma eleitoral de 1932 introduziu a representação proporcional, os partidos nacionais e o voto secreto. O resultado: “Um sistema talvez único no mundo: o presidencialismo com representação proporcional”, como concluiu Afonso Arinos em 1949.
O “poder pessoal” do Executivo foi abalado: “Grande tirano aquele cuja estabilidade política só se manterá na base da coligação dos partidos no Congresso, tal e qual nos regimes parlamentares!” (idem).
Mas, sob o presidencialismo, a investidura e a perda do cargo pelo chefe do Executivo independem da confiança do Legislativo. O mandato é fixo, só pode ser abreviado em caso de impeachment. O potencial para crises exige arbitragem de um Judiciário independente.
Conflitos abertos entre presidentes e o Parlamento ocorrem. O caso emblemático —ao qual Joaquim Nabuco dedicou um livro— foi o do presidente chileno Juan Balmaceda (1840-1891), que cometeu suicídio em plena crise deflagrada pela recusa do Congresso em votar o Orçamento enquanto ele não mudasse o ministério.
O modo normal de funcionamento do presidencialismo envolve pesos e contrapesos. As iniciativas do Executivo podem ser rejeitadas no Congresso, e vice-versa, através do veto presidencial (exceto para emendas constitucionais). Em muitos países latino-americanos e nos EUA, é necessário quorum de 66% para a derrubada do veto, o que pode levar a um impasse. Entre nós, ele é facilmente rejeitado por maioria de 50% mais um.
Entretanto, o Congresso não emite medidas provisórias, nomeia ministros, nem executa o Orçamento. O risco de paralisia estará sempre presente, malgrado o saldo atual ser positivo.
O presidente perdeu o chicote, mas não se converteu em rainha da Inglaterra.
(*) Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
Folha de S. Paulo/1 de julho de 2019
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