Não seria difícil para Jair Bolsonaro ampliar ou manter estável ao invés de ver diminuir o respaldo que recebe do cidadão brasileiro. Depois de seis meses de governo, o apoio incondicional ao presidente limita-se a 33%, um ponto percentual a menos do que tinha no mesmo período o ex-presidente Collor, o mais odiado do Brasil (Temer não aparece na pesquisa DataFolha). Bolsonaro foi eleito no auge de um ciclo de desgaste da esquerda brasileira. Capitalizar essa desilusão política deixada pelo PT de Dilma e Lula seria possível se ele conseguisse sedimentar uma posição de centro direita ou de direita, sem radicalismo.
O que se viu foi o contrário. Penso que erram os que dizem que Bolsonaro está fazendo o que o seu eleitor esperava dele. Ele fez uma campanha com um discurso radical, é verdade, mas foi eleito por um eleitorado bem mais equilibrado. Os radicais estão com ele, mas para ter 55,13% das urnas, o presidente recebeu votos que pertenciam ao PSDB, ao MDB, ao DEM e a outros partidos que gravitam no centro e em seus arredores. Todo o centro estava ávido para apoiar Bolsonaro e com ele governar.
E os eleitores de centro e centro direita também queriam acreditar que o capitão se estabilizaria depois de eleito. Qualquer um com mais de uma dúzia de neurônios poderia apontar este como o melhor caminho. Ninguém, além da turma raiz de Bolsonaro, esperava que o discurso radical virasse forma de governo. Não se pode, contudo, acusar o presidente de estelionato eleitoral. Ele disse que era isso mesmo o que faria, embora a maioria não acreditasse porque a alternativa era muito mais óbvia e inteligente.
Há quem afirme que Bolsonaro radicaliza para reduzir sua constante perda de popularidade e guardar pelo menos o apoio de parcela da população que se identifica com esse radicalismo. Desconfio ser o contrário. O presidente nunca tirou o pé do pedal que impulsiona e alimenta seu discurso radical. É com o pé embaixo, e por causa dele, que Bolsonaro perde seguidamente apoio e vai se isolando. E o pior para qualquer um nessa posição é que o círculo mais próximo, formado por parentes, amigos e o cordão dos puxa-sacos não o deixa ver o cerco se fechando.
Todo mundo sabe como começa um processo de isolamento. O seu desfecho também é conhecido, com o apequenamento da imagem e a deterioração da credibilidade do protagonista. Bolsonaro não precisaria ser prolixo ou caprichar na oratória para evitar o isolamento. Mesmo sendo tosco (o brasileiro não se incomoda com isso, como se viu no passado recente; tem gente que até prefere um presidente com a sua cara e seu jeito), Bolsonaro conseguiria manter-se em patamar alto em qualquer pesquisa se tivesse maleabilidade política, mesmo mantendo sua pauta conservadora. Não falo em aceitar jogo sujo ou deixar roubar. Me refiro ao nobre fazer político, vital para qualquer democracia.
Diante de um quadro em que a cada dia fica mais limitado, o presidente joga para a sua plateia de fiéis e de certa forma governa pensando exclusivamente nela. Alguém pode dizer que a reforma da Previdência atinge a todos e não mira nenhum grupo específico. Sim, mas a reforma em curso foi capturada pelo Legislativo e hoje é muito mais de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre do que de Jair Bolsonaro. Além disso, Bolsonaro tem mais atrapalhado do que ajudado. Todos os movimentos do presidente na reforma foram para oferecer privilégios. Foi assim com os militares, com PMs e bombeiros, e agora com policiais federais, rodoviários e agente penitenciários.
O presidente ganharia muito mais se parasse de jogar para a sua galera. Mostraria grandeza se tentasse ser justo. Se, por exemplo, e apenas por exemplo, ao pedir privilégios aos policiais, mencionasse também professores, garis e motoristas de ônibus. Ou se ignorasse todas as pressões e jogasse para o Brasil, trabalhando para aprovar a reforma necessária, incondicionalmente. Aliás, grandeza é a marca dos maiores presidentes do Brasil. Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva foram grandes. Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek foram grandes. Jair Bolsonaro, por ora, tem a dimensão de Fernando Collor.
O Globo/11 de julho de 2019
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