quinta-feira, 18 de abril de 2019

O gigantismo do MEC (Simon Schwartzman)

As preocupações ideológicas que marcaram a gestão de Vélez Rodríguez e aparentemente continuarão na agenda do novo ministro nem de longe refletem as questões que o Ministério da Educação, com um orçamento de R$ 123 bilhões e 450 mil funcionários em 2018, precisa enfrentar. Além de administrar uma rede própria com mais de cem instituições e 1,3 milhão de estudantes, o ministério é responsável por autorizar, avaliar e cuidar do desempenho dos estudantes e de todas as instituições de ensino superior federais e privadas, desenvolver os parâmetros curriculares de todos cursos de todos os níveis, manter em dia as estatísticas educacionais, administrar o crédito educativo e uma longa lista de programas como Proinfância, Dinheiro Direto nas Escolas, Livro Didático, Brasil Profissionalizado, Transporte Escolar e tantos outros.
Temas associados a valores e costumes algumas vezes surgem em alguns exames ou currículos, são questionados e repercutem na imprensa. Existem também controvérsias importantes sobre métodos de ensino, usos de novas tecnologias e modelos de organização do sistema escolar. São discussões que têm seu lugar, mas não deveriam distrair-nos da questão fundamental: o Brasil está gastando bem os 6% do produto interno bruto (PIB) que destina à educação? As pessoas estão aprendendo a ler, escrever e contar como deveriam? Sabemos que não, o que leva a indagar: o Ministério da Educação, com seus atuais formato e estrutura, é o melhor instrumento para mudar a situação, bastando, para isso, encontrar um bom ministro e uma equipe certa? Ou será que é necessário repensar de maneira profunda e ousada o papel do ministério e buscar alternativas?
O governo federal só contribui com 30% dos gastos públicos em educação, concentrados no financiamento de suas universidades, ficando o restante por conta dos Estados e municípios, sem falar nos grandes investimentos privados. No ensino superior, o governo federal só atende a 15% da matrícula, ficando 75% com o setor privado e o demais com os Estados. No ensino fundamental, a participação federal é irrisória – menos de 100 mil matrículas, ficando 85% com os Estados e municípios e 15% com o setor privado. No papel, o governo federal tem autoridade regulatória sobre todo o sistema, e a Constituição diz que o e ensino nos três níveis deve ser organizado em “regime de colaboração”. Mas, na prática, existe muita controvérsia sobre como essa colaboração deve funcionar e a dificuldade de o Ministério da Educação chegar ao “chão da escola” com suas orientações curriculares, avaliações e programas de apoio acaba resultando em interminável proliferação de portarias, instruções normativas, notas técnicas, resoluções, decretos e mudanças na legislação de efeitos desconhecidos, por falta de avaliação.
Uma das razões dessa combinação de gigantismo com ineficiência a que chegamos foi a tentativa do ministério, ao longo dos anos, de cooptar todos os grupos de interesse da área de educação, da UNE às multinacionais do ensino privado, passando pelos sindicatos de professores, instituições filantrópicas, associações científicas e corporações profissionais. O resultado mais evidente desse processo nos governos do PT foi o Plano Nacional de Educação aprovado unanimemente pelo Congresso Nacional em 2014, e ainda em vigor, com uma longa lista de objetivos irrealizáveis e desconexos a serem pagos com pelo menos 10% do PIB a cada ano. O exemplo mais recente é a reforma do ensino médio, uma ideia importante que parece estar sendo perdida pelo cipoal normativo que acabou gerando. Políticas educacionais não podem ser implementadas sem competência técnica, autoridade e legitimidade, mantidas por meio do diálogo ativo e respeitoso com as comunidades profissionais, e a adoção das melhores práticas internacionais. Isso é muito diferente de simplesmente atender aos interesses corporativos dos que falam mais alto, ou impelir a ideologia do momento.
A solução liberal extremada para tudo isso é simples: fechar o Ministério e as Secretarias de Educação, privatizar as universidades e escolas, e deixar que as forças do mercado cuidem de tudo. Mas isso não funciona em nenhum lugar do mundo, os países que conseguem melhorar sua educação são aqueles em que o setor público funciona com autoridade, competência e investimento significativo de recursos públicos. Existem formas muito diferentes de fazer isso, mais centralizadas, como na França, ou mais abertas e plurais, como nos Estados Unidos. Apesar da influência francesa no passado, o Brasil é mais próximo da desorganização americana, com um governo central relativamente débil, alguns governos regionais e locais fortes e um forte setor privado.
Os dois modelos sugerem o caminho a seguir. Em vez de uma administração de comando de cima para baixo, políticas mais indutivas, abrindo espaços e valorizando a diversidade e as experiências locais. Em vez de fortalecer a burocracia federal, descentralizar não só a execução, mas até mesmo a avaliação dos resultados da educação, envolvendo governos, entidades profissionais e associações voluntárias de credenciamento e certificação, na medida de suas competências efetivas. Em vez de normas e determinações minuciosas e detalhadas impostas de cima para baixo, mais respeito às iniciativas locais. Sem abdicar da responsabilidade de garantir a qualidade e reduzir a iniquidade, valorizar e estimular a iniciativa particular e introduzir nas universidades públicas formas de gerenciamento e incentivos mais típicos do setor privado, como a administração por objetivos e contratos de gestão; e não permitir que programas governamentais continuem existindo sem mecanismos claros de avaliação de resultados e justificação de seus custos.
Não chega a ser o mapa da mina, mas pode ser um roteiro.
(*) Sociólogo, é membro da comissão nacional de avaliação da educação superior (Conaes)
O Estado de S.Paulo/12 de abril de 2019

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