O desprezo do governo Bolsonaro pela área da educação é notório. Chega às raias da irresponsabilidade a falta de liderança política do Palácio do Planalto sobre a estrutura administrativa do Ministério da Educação que, em pouco tempo, já sofreu a queda de dois vice ministros, teve de conviver com fanáticos antiglobalistas em seus quadros e que, em dois meses e meio de governo, continua mergulhado em intrigas e disputas internas com poder de resvalarem no funcionamento do sistema educacional do país.
A indicação de Iolene Maria de Lima para o cargo de vice-ministra na semana passada pelo ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, tem hoje desfecho incerto. Mas só o fato do nome ter sido apontado para o cargo já mostra o nível de insensatez que ronda a educação no Brasil. Ligada à igreja Batista, Iolene defende uma pedagogia que mistura religião com educação.
Basta recorrer à página digital da Associação das Escolas Cristãs de Educação por Princípios (AECEP), criada em São Paulo em 1997, na qual ela aparece como membro do conselho de administração. Prega uma abordagem de ensino e aprendizagem que parte do "raciocínio sobre verdades bíblicas e identifica os fundamentos do conhecimento, conduzindo à reflexão de causa-efeito, visando produzir entendimento realizador e caráter cristão", qualquer que seja o significado disso. A aplicação consistente (da abordagem educacional por princípios), diz ainda o enunciado da AECEP, contribui "para formar erudição baseada numa cosmovisão cristã e líderes servidores aptos a cumprir o propósito de Deus com suas vocações".
O Brasil não é um Estado teocrático, no qual os poderes religioso e político se fundem. Nem está associado a irmandades religiosas ou ideologias domésticas ou internacionais.
Ao longo da história, inúmeras foram as vezes em que a interferência da Igreja em assuntos do Estado acabou por ter consequências nefastas. Recorde-se a expulsão da Companhia de Jesus de Portugal, em 1759. Apesar de absolutista, a monarquia portuguesa teve influência do iluminismo através dos posicionamentos do então Secretário de Estado, Marques de Pombal, introdutor de várias reformas administrativas e econômicas no país. O poder dos jesuítas sobre as famílias mais influentes, sobre o ensino e a cultura era visto por Pombal como um obstáculo à modernização do Estado. Não só expulsou-os como confiscou-lhes todos os bens não apenas em Portugal, mas em todas as colônias.
Aqui e agora, no Brasil do século XXI, percebe-se indícios perigosos de aparelhamento ideológico e religioso na área da educação, o que deveria estar no radar das preocupações de todos os formadores de opinião, acadêmicos e até mesmo da classe empresarial. No momento em que os países mais destacados no campo educacional, como a Coreia do Sul e a Finlândia, buscam adaptar o ensino de forma pragmática às necessidades das atividades empresariais, é inconcebível que se recorra a Deus como fonte da qual emana toda a sabedoria e todo o aprendizado. Seria voltar às práticas da Idade Média, onde a educação era marcada pela influência da Igreja.
Da mesma forma é condenável a influência do fanatismo ideológico, tanto de esquerda quanto de direita. Simpatizantes da extrema direita, como parecem ser os chamados discípulos do jornalista Olavo de Carvalho - brasileiro há anos nos Estados Unidos, antiglobalista e antimarxista cultural, com forte e inexplicável influência sobre o governo Bolsonaro - transitaram até doze dias atrás pelo Ministério da Educação na condição de assessores ou como ocupantes de cargos relevantes. São sintonizados com ideias conservadoras que combatem a "ideologização do ensino", ou seja, a influência de ideologias de esquerda, e as discussões sobre gênero nas escolas. Os mais radicais defendem o fim da educação sexual na rede pública de ensino, e querem a idolatria do patriotismo e a matéria "moral e cívica" de volta às escolas.
Radicalismo e educação nunca deram certo juntos, mas já caminharam lado a lado. Não raras vezes a educação foi usada como meio para a doutrinação política de interesse de grupos específicos. Foi o caso da educação durante o III Reich na Alemanha, que tentou resgatar "o orgulho da nação alemã" e disseminou a propaganda nazista entre crianças e jovens.
A educação brasileira não precisa de influências que representem mais atraso e mais desqualificação. Já tem isso de sobra. Precisa, sim, de gente movida pela urgência em implementar uma política voltada para a melhoria da qualidade do ensino em todos os níveis e para a criatividade educacional com o objetivo de manter os alunos na sala de aula.
A taxa de evasão escolar continua elevada, em especial na educação de nível médio (secundária). Segundo o boletim Education "At a Glance 2018" (Educação ao Primeiro Olhar) da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) a taxa de inscrição dos alunos nas escolas brasileiras cai drasticamente depois dos 14 anos de idade. Apenas 69% dos adolescentes entre 15 anos e 19 anos de idade estão matriculados na rede de ensino no Brasil. A taxa reduz-se ainda mais entre os 20 e 24 anos de idade, com as matrículas escolares limitando-se a 29% daquela faixa de população.
Há alunos que saem do nível primário de ensino sem saber somar e subtrair, sem falar em multiplicar e dividir, ou mesmo sem conseguir escrever um texto minimamente compreensível. Não à toa a produtividade da mão de obra brasileira é baixa. Sem educação de qualidade e sem um treinamento voltado à realidade dos empreendimentos empresariais, o país não tem condições de evoluir. Priorizar a ideologia e a religião no sistema de ensino é colocar o país na era das trevas.
Valor Econômico/19 de março de 2019
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