Para muitos analistas os governadores jogarão papel fundamental na reforma da Previdência: muitos estados estão quebrados e eles/elas ganharão e muito com as reformas. Para além da questão fiscal, podem beneficiar-se da transferência dos custos reputacionais de reformas impopulares para o governo federal (processo conhecido na ciência política como “blame shifting”).
Por outro lado, a vulnerabilidade de muitos executivos estaduais torna-os potencialmente presa fácil na troca de ajuda federal por apoio político às reformas. Mas as expectativas de protagonismo dos governadores estão ancoradas em uma percepção equivocada sobre seu papel nas relações executivo-legislativo. Os governadores podem ter interesse nas reformas, mas isso não implica que tenham a capacidade de influenciar de forma decisiva o processo legislativo através de bancadas estaduais.
A percepção equivocada deve-se à resiliência da imagem dos governadores como barões da federação que refletia o status quo dos anos 80 e 90, mas que mudou radicalmente nas duas últimas décadas.
Com a volta das eleições diretas para governadores em 1982, os executivos estaduais adquiriram inédita legitimidade porque eram os únicos atores diretamente escolhidos pela população. Detinham também autonomia fiscal e financeira e converteram-se em protagonistas da barganha política da transição (vide Covas, Tancredo, Arraes ou Pedro Simon).
Três fatores enfraqueceram os governadores nos anos 1990: a crise da dívida dos estados; a estruturação do sistema partidário e a centralização política, econômica e financeira.
Com a crise, os governadores perderam suas principais bases materiais de poder: os bancos estaduais e as empresas públicas, privatizados em processos comandados pelo governo federal. Não se trata de tigres sem dentes: afinal controlam máquinas de patronagem, mas não garantem votos.
Por sua vez, a formação de um sistema multipartidário vertebrado pelo PSDB e PT estabilizou a competição política por duas décadas. Os partidos ganharam centralidade. Não é a toa que FHC e Lula/Dilma não eram ex-governadores, mas figuras de partido. O colapso recente deste sistema não devolveu centralidade política aos governadores.
A centralização ocorrida se manifestou em vários níveis. Mas sob Bolsonaro assistimos a um movimento na direção contrária: um esvaziamento da centralidade política da Presidência que vem sendo erodida cotidianamente, gerando crescente déficit de legitimidade e de coordenação (parcialmente compensado pela atuação do Ministério da Economia). O resultado é um aumento importante da instabilidade e incerteza no sistema.
(*)Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
Folha de S. Paulo/11 de março de 2019
Nenhum comentário:
Postar um comentário