Campanhas eleitorais costumam ser uma mistura de circo com guerrilha, brinca o jornalista Luiz Flávio Guimarães, conhecido no marketing político-eleitoral como Lula Guimarães. Decantada a pressão que enfrentou na disputa presidencial, Lula Guimarães falou ao Valor sobre consequências que a eleição do WhatsApp pode gerar para o marketing político.
Segundo o especialista, que conduziu a campanha presidencial de Geraldo Alckmin (PSDB), a campanha na televisão não pode ser considerada desprezível. Ele alerta que cada candidato tem um perfil, e o de Bolsonaro casa como luva à linguagem das redes. "Essa exaustão de desgaste da classe política foi o fermento para crescer o bolo de conservadorismo no qual o Bolsonaro embarcou."
Ele realça que após o atentado do qual foi vítima Bolsonaro ganhou ampla exposição em entrevistas de televisão. "Nós calculamos 4 horas e 8 minutos de exposição sobre a facada, se juntássemos só os telejornais nacionais, até o final do primeiro turno. É uma exposição na TV de alta qualidade, porque é jornalismo, e não propaganda. E com vitimização", disse.
Guimarães lamenta o nível de despolitização desta campanha, que considerou "rasa". Para ele, "a sociedade, a política e os tribunais" precisam responsabilizar os autores da disseminação de mensagens obscuras e feitas no campo da ilegalidade. Neste sentido, para o marqueteiro, o WhatsApp não necessariamente é ferramenta de campanha eleitoral, mas sim de guerrilha.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Essa eleição presidencial marcou um novo paradigma sobre a influência da TV, por seu diagnóstico? Isso lhe surpreendeu, como profissional de marketing político?
Guimarães: Não acho que a TV seja desprezível, sinceramente. Se o Bolsonaro tivesse tido três minutos [na TV], seria eleito no primeiro turno. Não tenho dúvida. Assim como no caso do PT e do Haddad a televisão se mostrou muito eficaz para transferência de votos do Lula, em pouquíssimo tempo. O que vejo, também, é que alguns candidatos são adequados a alguns meios. O Bolsonaro é um candidato muito adequado para o tipo de comunicação que as pessoas consomem. Bolsonaro é espontâneo, polêmico. Esses dois elementos alimentam muito a rede social. Recebi uma pesquisa, um ano antes da campanha, mostrando que existia, na rede, um perfil de compartilhadores. Esse perfil aparece muito mais entre os radicais, tanto de direita, quanto de esquerda. Um ano antes da eleição já era perceptível um engajamento, bastante forte, dos apoiadores do Bolsonaro, muito mais ativos que os eleitores que se posicionam pelo centro.
Valor: E como analisar o poder da TV em paralelo ao das redes?
Guimarães: Apesar do reconhecimento de que Bolsonaro utilizou as redes de maneira muito intensa e eficaz, acho que é preciso este olhar equilibrado. A televisão, nas eleições estaduais, manteve sua forte influência. Bolsonaro é muito adequado para as redes sociais. Já Alckmin é formal, e talvez a informalidade seja a característica mais consumida nas redes. Outra coisa que é preciso destacar, que é um registro polêmico, mas verdadeiro: Bolsonaro tem um crescimento muito espontâneo nas redes sociais, no WhatsApp e no Facebook, mas não dá para dimensionarmos o quanto disso foi bancado, patrocinado por alguém.
Valor: Além do custo financeiro, a disseminação das mensagens parecia seguir padrão de conteúdo e formato, com trabalho profissional.
Guimarães: Sim, exato. Custa dinheiro e organização. As mensagens tinham lógica de pauta, conteúdo e direcionamento. Por mais espontâneo que seja, quem faz isso é profissional.
Valor: Depois da execração dos marqueteiros, agora é a vez do marketing político obscuro das redes?
Guimarães: Evidentemente as campanhas no Brasil tiveram muito caixa dois, muitos candidatos que se elegeram com isso. Mas muitos trabalharam com orçamento baixo, não ficaram milionários e fizeram um trabalho correto. Os marqueteiros continuam tendo papel importantíssimo. Tivemos eleições que foram vencidas por marqueteiros super competentes. No Rio Grande do Sul, o Eduardo Leite (PSDB) teve uma campanha feita pelo Fábio Bernardi, que é excelente. A campanha no Pará, do Hélder Barbalho (MDB), foi feita pelo Ricardo Amado, responsável pela vitória dele. Há uma série de profissionais que foram responsáveis por vitórias políticas nos Estados, muito bem conduzidas.
Valor: Essa foi a eleição do WhatsApp no Brasil?
Guimarães: O alerta mais importante para a sociedade, para a política e para os tribunais é procurar responsabilizar o autor de determinado tipo de comunicação e de mensagem. Em campanhas sempre houve a mensagem apócrifa, o jornal apócrifo, o lambe-lambe, os 'matraqueiros', pessoas colocadas em ônibus e locais públicos para disseminar mensagens falsas. Isso sempre existiu, mas não com o poder, a velocidade e a abrangência do WhatsApp. A ferramenta é muito mais um elemento de guerrilha do que de campanha. Alguns candidatos investiram muito nesta guerrilha. Como ela é ilegal, do ponto de vista da lei eleitoral, algumas candidaturas não investiram nisso.
Valor: Mas em que medida os profissionais do marketing foram surpreendidos por esta ampla rede de apoio de Bolsonaro?
Guimarães: Há dois fenômenos que temos que considerar fortemente para estudo: os protestos de 2013 e a greve de caminhoneiros [em maio deste ano], que parou o País de maneira acachapante. Esses dois movimentos foram caracterizados pela mobilização rápida via WhatsApp. Até que ponto a sociedade precisa encontrar mecanismos para se prevenir destas ferramentas, que são libertárias, mas de fakenews, e de uma atuação organizada que pode dar mais margem a radicalismos? O Brasil foi o campeão do uso do Orkut. Está em segundo lugar mundial de usuários do Facebook. Temos uma sociedade muito ávida por compartilhamentos, pelo uso destas redes sociais e interação. Aí não dá para saber se isso é o responsável pelo Bolsonaro ou o Bolsonaro foi o responsável por isso na eleição.
Valor: Como foi administrar todas as cobranças externas, do partido e do candidato para que a TV desse resultado?
Guimarães: Nosso posicionamento foi por procurar, logo de cara, ampliar os eleitores do Alckmin no campo azul, que já tinham sido eleitores do PSDB e migraram para o Bolsonaro. Na primeira semana de campanha, aumentamos muito a rejeição do Bolsonaro e crescer nossos pontos. A facada interrompe esse processo. Aí há uma inversão completa. O tempo de televisão que o Bolsonaro passa a ter nas matérias de jornalismo, além da isonomia que as TVs dão, passa a ser o maior de todos os candidatos. Nós calculamos 4 horas e 8 minutos de exposição se juntássemos só os telejornais nacionais, da facada até o final do primeiro turno. É uma exposição na TV de alta qualidade, porque é jornalismo, e não propaganda. E com vitimização.
Valor: A estratégia de desconstrução de Bolsonaro teve que se revista rapidamente.
Guimarães: Esse foi o maior desafio da campanha, como continuar fazendo a desconstrução do Bolsonaro sendo que ele tinha sido vítima de uma facada. Nossa opção naquele momento foi reforçar os atributos positivos do Alckmin em comparação aos demais. Nossa dificuldade é que o Alckmin representava, naquele momento, o establishment, seja por ter sido governador por 4 vezes, seja por ter apoio do Centrão.
Valor: O centrão acabou sendo um tiro no pé?
Guimarães: Não sei, talvez se não tivesse o Centrão o resultado tivesse sido ainda pior.
Valor: Essa campanha trouxe esse debate sobre comunismo. Como enxerga isso sob o ponto de vista do marketing?
Guimarães: Essa campanha trouxe uma despolitização. Ela deixou de debater os temas nacionais mais importantes e passou a ter argumentos muito rasos, e apoiados pelo excesso de fakenews, que dominaram a pauta. Até agora não sabemos claramente o que o Bolsonaro propôs porque ele nunca propôs, não foi a debates. Mas sobretudo em relação à qualidade da comunicação é uma campanha de argumentos rasos e simplistas. Esse apelo de que a esquerda significa uma ameaça comunista é tão inadequado! Onde é que o comunismo dá certo hoje no mundo? Não estamos na Guerra Fria.
Valor: O que predominou no debate eleitoral foi o antipetismo ou o antiestablishment?
Guimarães: Uma mistura das duas coisas. O PT, pelo tempo que ficou no poder, de certa maneira significa o establishment. De 2002 até agora o PT ficou no poder, há um desgaste pelos fracassos do governo Dilma, pelos escândalos de corrupção. E, de alguma maneira, se atribuiu à esquerda um certo de liberalismo, falta de valores morais. A direita fez esse discurso e isso colou. Você é gay, então é de esquerda. Você é artista, então é de esquerda. Assim. Chegou uma hora em que as pessoas achavam que tudo o que podia ser alternativo era de esquerda.
Valor: O que fica para o marketing político pós-Bolsonaro?
Guimarães: A sociedade e o mundo caminham com movimentos de ação e de reação. De certa maneira o que nós colhemos agora, na campanha do Bolsonaro, não deixa de ser uma reação ao governo do PT e ao que o Brasil passou nos últimos tempos. Essa exaustão de desgaste da classe política foi o fermento para crescer o bolo de conservadorismo no qual o Bolsonaro embarcou. Da mesma maneira que isso é uma reação, Bolsonaro agora passa a ser uma ação que deve provocar outra reação. E essa reação pode gerar, inclusive, o crescimento de uma força e crescimento de uma esquerda que estava desarticulada.
Acho que vamos ter, agora, uma avalanche de profissionais vendendo o jeito Bolsonaro de fazer campanha, com presença nas redes sociais. Mas isso tem que ter adequação, ao candidato, à circunstância. O discurso tem que casar com o perfil do candidato. O programa de cinco minutos do Bolsonaro no segundo turno tinha pouco conteúdo político, era mais um ataque ao PT. Era muito mais antagonista do que um programa construtivo.
Malu Delgado/Valor Econômico/16 de novembro de 2018
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