Foi manchete da "New Yorker": "Conversa franca de um golpe militar desestabiliza o Brasil". Os gringos continuam com dificuldades para entender o país. Que se tenha notícia, ninguém achou que o pronunciamento do General Antônio Hamilton Martins de Mourão seria a senha para pôr tropas nas ruas. O sintomático, o que gringo algum consegue entender, é que o presidente em exercício tenha anunciado aos quatro ventos que há uma conspiração em marcha, que querem derrubá-lo a qualquer custo, mas não tenha censurado o General Mourão.
Nesta hora, impossível não evocar a boutade de Ulysses Guimarães quando outro vice em exercício quis se valer da expansão verbal de generais para calar a oposição. No cenário atual, falta alguém com a mesma autoridade para gritar: "Chega de patetices". Hoje, o Brasil está nas mãos de triunvirato tão irresponsável quanto o que levou Ulysses a se lembrar de Moe, Larry e Curly.
Outra frase famosa de Ulysses - "Impeachment é como a bomba atômica, serve para dissuadir, não para ser usada" -, recuperada no início da crise, acabou esquecida até por quem a lembrou. Ulysses, uma vez mais, estava certo. Decisões têm consequências. O que os gringos de fato estão dizendo é o seguinte: o Brasil virou uma República de Banana. Para os mais jovens, a expressão talvez não faça grande sentido. Ninguém mais se lembra da United Fruits. A referência, na verdade, é inadequada porque não há intervenção externa. Agora a bagunça é toda 'made in Brazil". Dispensamos o imperialismo.
Temer não encontrou tempo para repreender Mourão. Mas teve espaço na agenda para se sentar à escrivaninha e se dedicar ao seu gênero literário preferido: cartas-desabafo lamuriosas. A abertura é magistral: "Prezado parlamentar: a minha indignação me traz a você". As "torpezas e vilezas" de que vem sendo vítima convenceram-no da existência de uma "urdidura conspiratória" visando derrubá-lo. Por isto a carta: "Não posso silenciar. Não devo silenciar." A indignação teatral não convence. Os termos escolhidos traem o formalismo tortuoso dos círculos que traça com as mãos quando se dirige ao público. Temer raciocina em bacharelismo parnasiano. Sua mente se ocupa e é habitada por "urdiduras".
Dá-se como assentado que os destinatários da missiva absolverão o presidente. Também se tem como certo que será alto o preço que os 'prezados' cobrarão. As duas certezas, contudo, se contradizem. Se a vitória é certa, por que ceder a chantagens? Por que pagar pelo que é certo?
É um equívoco dizer que Temer cede a pressões ao levantar barreiras à exploração de minérios na Amazônia. Tampouco faz sentido afirmar que ruralistas arrancaram a infame portaria sobre o trabalho escravo. O governo Temer não está tomando decisões a contragosto para contentar uma 'base de apoio' que lhe é estranha. O presidente é a personificação acabada da base. Estas são simplesmente as forças políticas que exercem o poder político no Brasil hoje.
Engana-se, portanto, quem supõe que existem dois entes em conflito, com interesses diversos, a Presidência e a maioria legislativa. O governo é 'sincero' quando baixa tais portarias. Faz concessões quando agrada o mercado, quando afirma que sua prioridade são as reformas. Por isso o ministro Antônio Imbassahy gera tanto rancor e ódio das forças governistas. Ele é a concessão vista como desnecessária pela tropa de choque, pelos que estão com Temer e seu governo desde criancinha. É a turma comandada por Padilha. Temer e seu grupo lutam por um mundo livre da fiscalização ambiental e das condições de trabalho. E não estão sozinhos.
Comentando a última portaria, a do trabalho escravo, rindo da própria blague, o ministro do STF Gilmar Mendes se esmerou e conseguiu o inimaginável; arranhar ainda mais a própria imagem. Querer fazer graça e, ainda, sair em defesa da medida que confessou não ter lido é indefensável. Ninguém precisa da opinião do ministro para ter certeza de que ele não é um escravo. Bem ao contrário. As suspeitas de que o ministro deveria se ocupar são as levantadas pelo ex-ministro Joaquim Barbosa em sessão do Supremo e disponíveis no YouTube.
A fala de Gilmar trai o prazer sádico com que espezinha os cidadãos, reiterando a cada oportunidade que pode falar o que lhe dá na telha e que ninguém o chamará à razão.
Ninguém, não. Quando o chamado é do senador Aécio Neves, a resposta é imediata. A linha pode cair, a reunião pode ser importante e, mesmo, a decisão pode afetar o próprio Aécio, não importa, Gilmar acha tempo para batucar a resposta no celular. Não se sabe o porquê, mas para as conversas entre os dois não se aplica a "Doutrina Moro", segundo a qual "o povo tem o direito de saber". Gilmar não se explica. Para quem habita o Olimpo, não é preciso se declarar vítima de conspirações.
Aécio Neves, contudo, depende do voto dos seus concidadãos e precisa 'produzir' desculpas e quer fazer crer que é vítima de conspirações torpes contra sua honra. Destituído da verve bacharelesco-confessional de Temer, Neves recorreu a anódinos 'press releases' e a notas escritas pelos seus advogados. Reconhece que errou, mas só ao escolher palavras chulas; de resto, tudo normal, estava só negociando a venda de um apartamento para o dono de frigoríficos e abatedouros. Sugestionado, o senador caiu na armadilha e procurou alguém na categoria dos que "a gente mata antes de fazer a delação" para pegar a grana. Escolheu para a tarefa, vale lembrar, um familiar.
Ulysses Guimarães, com toda certeza, teria se dado conta de que o país se encontra nas mãos de um triunvirato. Os três presidentes que de fato governam o Brasil, o da República, o do TSE e o do PSDB, mostram-se três figuras patéticas, agarradas ao poder e que fazem qualquer coisa para mantê-lo. Ulysses acharia fórmula mais precisa. Quem sabe aí os gringos entendessem.
Fonte: Valor Econômico (23/10/17)
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