As greves que terminaram de maneira lastimável nas universidades públicas paulistas recolocam um problema crucial. Qual seja, os sentidos, as razões e as implicações dos movimentos paredistas no setor público, em particular, para as instituições estatais e para a sociedade que o mantém.
A greve do trabalhador na empresa privada visa compelir o empresariado a negociar a remuneração e/ou benefícios do trabalhador; ao paralisar as atividades produtivas ou de prestação de serviços, a greve nesse setor faz cessar os lucros apropriados do sobretrabalho. Já no âmbito estatal, quem perde é a sociedade, que deixa de receber os serviços pelos quais contribuiu por meio de impostos e a que tem direito. Ademais, o estatuto e o contrato de trabalho de um e de outro, servidor e trabalhador, são distintos e envolvem direitos e deveres muito diferentes.
As peculiaridades do exercício do direito de greve no setor público tornam-se ainda mais evidentes quando se analisa o caso das universidades públicas, em especial, as estaduais paulistas, USP, UNICAMP e UNESP, que são dotadas de autonomia didático-científica, administrativa e financeira (mantidas com 9,57% do ICMS arrecadado no Estado) e autogeridas: todos os cargos dirigentes são eletivos pela comunidade universitária. Assim sendo, elas têm o poder de definir o orçamento, os salários, os benefícios, as carreiras etc, ou seja, têm relativa autonomia para estabelecer e prescrever normas e diretrizes.
Nessas condições, é de difícil compreensão, por parte de qualquer cidadão comum, os propósitos ou os objetivos dos constantes, persistentes e prolongados movimentos paredistas nessas universidades. O direito de greve, historicamente um instrumento fundamental para a defesa dos interesses dos trabalhadores e recurso extremo em situações de impasse, foi banalizado, tornado mesmo trivial em algumas unidades universitárias.
Se, no setor privado, o trabalhador em greve está sujeito a sanções (desconto do tempo parado, reposição de horas não trabalhadas, demissão etc) na universidade, o paredismo constitui-se no melhor dos mundos, verdadeiro paraíso terreno. Depois de meses sem trabalhar e sem quaisquer ônus em seus proventos, o servidor pode receber vantagens como aumento de salário e benefícios vários, mas, em geral, nada ou quase nada perde ou repõe. Efetiva apropriação indébita de dinheiro público, proveniente do labor da sociedade, especialmente, o de trabalhadores cujos filhos muito remotamente ou nunca terão acesso à universidade pública.
Utilizando-se de meios e modos inapropriados, afrontosos e intimidatórios (piquetes, “trancaços”, “cadeiraços” etc), tais greves foram convertidas em expedientes perversos de aviltamento da prestação de serviços públicos essenciais: ensino, pesquisa e extensão. Desencadeadas por decisão de assembléias com quoruns baixíssimos ou inexpressivos (comumente de menos de 10% dos interessados), seus condutores procuram legitimá-las pela coação e pela presunção de direitos e privilégios. Conduzidas por um sindicalismo de resultados agressivo e movidas por um corporativismo insaciável, têm como meta primordial e exclusiva a maximização de interesses e a potencialização de benefícios e/ou vantagens. Ou seja, um sindicalismo movido por conveniências pecuniárias que subsiste de mercadejar o patrimônio e os fundos públicos.
É desnecessário dizer que tais concepções e práticas têm acarretado a depreciação e/ou a degradação dessas universidades públicas que estão, incontestavelmente, entre as principais instituições de ensino e pesquisa do país. Nelas, o regime de trabalho é, ainda, excepcional, como, por exemplo, a liberdade de cátedra e de pesquisa que, infelizmente, encontra-se em constante ameaça por interesses estranhos ao ambiente universitário: corporativismo, patrimonialismo, clientelismo, sindicalização e partidarização de seus órgãos. Urge, portanto, sua permanente democratização e publicização.
(*) José Antonio Segatto, prof. titular do Depto. de Sociologia da FCL/UNESP - Araraquara
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