O nascimento oficial da Presidência de Michel Temer, uma certeza para a próxima semana, marca a primeira etapa do fim de um bombardeio. Sob os escombros, lá está a nova oposição, que só não é a mais débil a surgir desde o regime militar pelo seu caráter relativamente homogêneo.
O lado contrário ao Palácio do Planalto não é um balaio de gatos a tal ponto diverso entre si que não se possa unir adiante, embora não tenha conseguido unidade de ação nem na resistência ao impeachment, nem na eleição de Rodrigo Maia para a presidência da Câmara.
Apesar da enorme dificuldade decisória, PT, PDT, PCdoB e Psol convergem para o que difusamente se convenciona chamar de esquerda. São confusos, mas estão no mesmo time.
Há dois candidatos tácitos à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva e Ciro Gomes. Há um discurso unificador que vilaniza Michel Temer, pela forma como chegou ao poder e pela agenda de medidas econômicas impopulares. Estão ramificados na sociedade por meio dos movimentos sociais. O impeachment de Collor em 1992 baniu o ex-presidente para sempre do primeiro escalão da política. O de Dilma, cuja confirmação é um dado incontroverso, expulsa do palco apenas a ela. Mesmo na mira da Polícia Federal, Lula e PT permanecem por algum tempo.
Isto posto, o panorama é desalentador para os que tentam armar uma frente contra Temer. O impeachment é apenas mais uma etapa da derrocada que continuará na eleição de outubro. Não se acredita, nem mesmo dentro do PT, na reeleição de Fernando Haddad como prefeito de São Paulo. Há uma descrença mesmo sobre sua ida ao segundo turno.
As rodadas de pesquisa do Ibope mostram os candidatos deste eixo de esquerda difusa somando 18% em São Paulo e Rio de Janeiro; 15% em Salvador; 14% em Belo Horizonte. As exceções estão no Nordeste, como mostram Fortaleza e Recife; e em Porto Alegre. Eleições municipais não chegam a ser preditivas do que acontecerá nacionalmente, mas este ano tendem a desossar a principal sigla oposicionista.
Ainda que os oposicionistas preservem algum poder regional, este fica com sua ação condicionada com o ajuste fiscal que cursa em Brasília. Ainda é incerto prever o que será aprovado no Congresso em relação à emenda constitucional que engessa as despesas públicas, mas algo passará, recortando a ação de governadores e prefeitos. É uma questão de pouco tempo, na visão de prefeitos, para funções essenciais serem transferidas à iniciativa privada ou simplesmente interrompidas.
Caberá a Temer o papel de administrador de um montante restrito de recursos a um meio político sequioso de verbas, em um quadro de enxugamento da oferta e de aquecimento da demanda. Por mais que o pemedebista proclame seu pendor federativo, o país viverá um ciclo de centralização.
Nem de esquerda, nem de direita e nem de centro, Marina Silva, o outro polo oposicionista, também enfrenta sua turbulência. A ex-ministra preserva seu capital eleitoral de 2010 e de 2014, mas não ganhou horizontes de articulação política. Pelo contrário.
O Rede promete sair destas eleições tão insignificante quanto entrou e a ex-ministra já é vista no mercado financeiro com mais desconfiança do que era encarada há dois anos. Uma coisa era Marina como alternativa ao PT, outra, bem distinta, é a ex-ministra se contrapor a um governo comprometido com uma agenda de ajuste fiscal.
Nesta nova circunstância, enxerga-se em Marina com mais acuidade messianismo, incapacidade de alianças, discurso inconsistente e amadorismo de sua 'entourage'. São todas características já presentes nas suas últimas candidaturas.
A dona de um em cada cinco votos do eleitorado está também um pouco mais sozinha. Em 2010, ela se apresentou como representante de forças políticas mais expressivas, ainda que modestas, se comparados aos exércitos do binômio tucano-petista. O nanico PV há seis anos tinha uma bancada três vezes maior que a do Rede. Em 2014, herdou uma estrutura ainda maior do espólio de Eduardo Campos.
A soma de Lula e Marina nas pesquisas de intenção de voto alcança cerca de 45% para 2018, percentual que ultrapassa a maioria absoluta caso se considere Ciro Gomes, mas a perspectiva é descendente.
Pesa contra a nova oposição a colheita do vendaval semeado por Dilma. A virtual ex-presidente superestimou sua força política, acreditou que o déficit público era de esquerda e interpretou de forma errada a mensagem de junho de 2013. Se os manifestantes de então não queriam a volta do PSDB ao poder, como demonstraram na eleição do ano seguinte, também cobravam uma renovação, por trás da revolta contra o reajuste de tarifas de transporte, logo revertido.
Estes erros de Dilma foram detectados dentro do PT na esteira das manifestações de 2013. Quase um ano antes da eleição, havia a percepção de que Dilma poderia não terminar o mandato, caso reeleita. A solução seria um confronto interno em que Lula tratorasse Dilma. O ex-presidente se recusou a fazê-lo.
Além da herança de Dilma, do isolamento de Marina e da perda de poder regional, a nova oposição se defronta com a Lava-Jato. Por mais que tenha crescido o noticiário do envolvimento de pemedebistas e tucanos com descaminhos, o único presidenciável tornado réu chama-se Luiz Inácio Lula da Silva. Uma sentença em órgão colegiado pode lhe tirar a sexta candidatura presidencial, uma investida cujo derrota seria quase certa, mas que acumularia forças dentro deste campo para empreendimentos futuros.
Lula ainda se defronta com o peso dos anos. No ato que promoveu ontem em Niterói (RJ), mencionou questões de saúde. A fala, em um trecho, parece evocar a carta-testamento de Getúlio. "Se não tiver mais voz, falarei pela de vocês. Se não tiver mais pernas, caminharei pela de vocês. A natureza pode acabar com a vida de qualquer um de nós, mas nossas ideias não", disse, segundo relato do repórter André Ramalho.
Sem Lula, desce de patamar o eleitorado anti-Temer e o reordenamento na oposição se daria de forma rápida, com o PT caminhando para sua dissolução como força política. Quem se apresenta como substituto é Ciro Gomes, cujo personalismo é medido pelo fato de que vive sua sétima experiência partidária. Não há pecado nisto, mas é um fator que desencoraja os que pensam em construir alianças.
Valor Econômico (26/08/16)
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