domingo, 21 de junho de 2015

Todos os homens são mortais (Luiz Carlos Azedo)




A escritora francesa Simone de Beauvoir, esposa do filósofo Jean-Paul Sartre, na obra da qual tomo emprestado o título, conta a história de Fosca, rei de Carmona, personagem nascido no ano de 1279, que bebe o remédio da imortalidade para salvar seu reino ameaçado pelos genoveses. Ao contrário do que ele imaginava, porém, se torna um “amaldiçoado” sobre a terra, condenado a viver para todo o sempre. Nosso personagem, que no final do ano passado foi lembrado aqui na coluna, surge no romance pelos olhos de Regine.

Fosca queria fazer algo importante para a humanidade e temia não ter o tempo necessário: “Morrerão todos e Carmona será salva. E então eu morrerei, e a cidade cairá nas mãos dos florentinos ou de Milão. Terei salvo Carmona e nada terei feito”. Diante desse dilema, bebe a fórmula mágica oferecida por um pobre homem que seria executado. Na condição de imortal, torna-se inflexível e capaz de tudo para alcançar o seu objetivo: “Com a condição de que o mal seja útil”. É intolerante e insensível perante as efêmeras existências alheias: “O que era uma vida?”.

Esse sentimento de ser soberano e deus na terra o acompanha por muitos séculos. Mas não apenas os inimigos sucumbem, o mesmo acontece com os seres queridos, que sacrifica por um fim inexistente. Sua visão de mortal, com o passar do tempo, perde totalmente o sentido. Fosca não vive as emoções de Marianne, sua grande paixão, não vive também as conquistas e vitórias dos demais, como as de Armand, de Garnier, de Laure, e de todo o povo e a humanidade. Vê as pessoas de forma muito prática: cumpria-lhe decidir!

Mesmo depois de ter o filho Antônio morto numa guerra sem sentido, como todas as outras, Fosca acredita que a sua felicidade está em dominar o mundo. Esse desejo o faz guerrear por muito tempo, até que chega à conclusão de que lutar não serve para nada, e que não existe vitória, para um ser imortal. Um monge lhe diz: “Acredita ter realizado grandes coisas, e o que fez não é nada”. Fosca, então, indaga sobre o próprio passado: “Útil a quem? A quê?” E chega à conclusão derradeira: “Eis o império que destruímos, o império que eu desejava estabelecer sobre a terra (...)”.

Senhor do tempo
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está mais ou menos na situação do personagem de Simone de Beauvoir. Dono de imenso carisma, parece imortal, mas começa a colecionar cadáveres ao redor. Sobrevive ao fracasso e aos reveses alheios, mas está cada vez mais só. O modelo econômico que acreditava ser capaz de transformar o Brasil numa potência, enquanto o mundo afundava, resultou num grande fracasso e desmoralizou o “desenvolvimentismo” petista. As alianças políticas que teceu com engenho e arte voltam-se contra seu partido e operam uma guinada conservadora. A presidente Dilma Rousseff amarga os mais baixos índices de popularidade e não consegue sair da defensiva. Os empresários amigos estão na cadeia, a mesma pela qual já passaram companheiros históricos que o levaram ao poder e executivos que promoveu na empresa símbolo do orgulho nacional.

Parece que não restará outra alternativa para Lula a não ser acreditar na própria imortalidade e antecipar sua candidatura a presidente da República em 2018. Seria uma maneira de manter o PT unido, conter a debandada dos aliados que querem abandonar o governo, pôr a oposição de joelhos novamente. Mas o que pode um senhor da guerra diante da destruição e dos sacrifícios que impõe ao seu próprio povo? É aí que a dúvida de Fosca passa a ser um drama existencial.

Lula era senhor do tempo e da razão, mas a Operação Lava-Jato é como um trem parador da Central do Brasil que precisa chegar a Japeri. Mudou o cronograma político do país. Por mais que o Palácio do Planalto tente construir uma agenda positiva para a presidente Dilma Rousseff; e por mais que os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), lancem o Congresso num grande ativismo legislativo, a investigação sobre o escândalo de corrupção na Petrobras tem seu próprio ritmo e comove a vida nacional. Tanto a crise política como a crise econômica estão vinculadas à espantosa crise ética que se abateu sobre a República. Em nome da governabilidade e da estabilidade econômica, tudo se faz para conter o escândalo aos limites de conveniência do status quo, mas a mesma sociedade que sofre as consequências de tudo isso quer ver o caso passado a limpo, doa a quem doer 

Fonte Correio Braziliense 

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