domingo, 14 de junho de 2015

Petismo e Antipetismo (Alberto Aggio)





Petismo e antipetismo alimentam a contraposição mais marcante na conjuntura atual, algo que vem maturando desde, pelo menos, a campanha para as eleições presidenciais de 2014. Ainda que seja uma contraposição facilmente observável, nem tudo o que impulsiona os movimentos da conjuntura política pode ser reduzido a ela e, obviamente, não é aceitável tomar como verdadeira nem a narrativa nela contida nem as implicações diretas que ela imagina promover.

Como autodefesa, o petismo lança mão recorrentemente da sua vitimização e o antipetismo agride inflacionando seu discurso com um anticomunismo anacrônico, que destoa do seu alvo de combate: o PT nunca foi ou se propôs a implantar o comunismo e seus governos sempre mantiveram uma distância segura em relação a qualquer orientação que possa seriamente ser qualificada como comunista.

Por antipetismo não se entende aqui a existência legítima de ação política de oposição aos governos do PT e menos ainda uma ação concertada da grande mídia em relação ao partido de Lula, argumentos da narrativa petista. O antipetismo emergiu na sociedade civil, em grupos e movimentos não conectados entre si, que se adensaram nas redes sociais para depois ganharem as ruas na campanha eleitoral, bem como nas manifestações de protesto e nos panelaços, logo depois da posse do segundo governo de Dilma Rousseff. O antipetismo é um sentimento de rechaço integral ao PT a partir de um conjunto difuso de interpretações e representações que tais movimentos lhe atribuem.

O antipetismo conseguiu ser a linha de frente do movimento pelo impeachment da presidente da República. Aventurou-se nessa estratégia e conseguiu a façanha de carrear para suas ações personalidades e grupos políticos com maior presença e experiência na cena política brasileira.

Foi brevemente hegemônico, poderíamos dizer. Conseguiu quebrar o monopólio que o PT detinha sobre as ruas, como também o monopólio da qualificação do mundo político, especialmente dos seus adversários. Acertou e errou, fez o bem e o mal. Hoje não consegue reorientar sua estratégia de ação e começa a ver erodir na opinião pública o relativo prestígio que havia alcançado, ainda que, enquanto sentimento, dá sinais claros de que permanece latente e pronto para ser novamente ativado.

Formado a partir da ideia do “rechaço a tudo que está aí”, o PT não apenas se especializou em desqualificar, como sempre precisou criar ou ressignificar um ator político para se afirmar em oposição a ele. Na conjuntura atual, em razão dos inúmeros problemas que enfrenta, o petismo encontra-se na defensiva, mas continua a reiterar e a radicalizar seu método de construção identitária, brandindo sempre que necessário o “nós x eles”. Numa situação como essa, acuado, o PT manifesta sintomas mórbidos quando, em sua autodefesa, tenta mobilizar anacronicamente a noção de fascismo diante das investidas do antipetismo ou, pateticamente, busca apresentar-se como legítimo defensor da “democracia” fundada na Carta de 1988, que publicamente se recusou a votar por sua aprovação.

A cultura política do petismo é ainda uma incógnita. E permanecerá assim se o foco de atenção para compreendê-la continuar voltado para o embate entre suas correntes internas e para as vicissitudes da política e da economia, stricto sensu, vivenciadas pelos governos do PT. Não há certamente uma muralha chinesa entre essas dimensões e o petismo, mas não há obrigatoriamente relação de causa e efeito entre elas. O PT nasce da modernização conservadora empreendida pela ditadura, que, na clássica leitura de Luiz Werneck Vianna, resultou na “liberação dos instintos egoísticos” da sociedade civil. Na luta contra a ditadura novos seres sociais transplantaram para a política, via sindicalismo de resultados, o mundo dos interesses dos “de baixo”, recolhendo elementos como “eu quero o meu” ou “12% ou a morte”, uma consigna da primeira grande greve do final dos anos 1970. O amálgama desses anseios com ideias difusas de rebeldia, de esquerda e de um anticapitalismo romântico resultará no petismo.

O PT não nasceu do embate ideológico e se julgava uma novidade que desconhecia qualquer predeterminação. Essa postura o levou inexoravelmente a uma política de polo, anticoncertacionista, que acabou por fraturar a frente oposicionista contra a ditadura. Ao rechaço à ditadura e depois aos governos de transição se somaria uma lógica de custo/benefício que instaurou definitivamente o “cálculo econômico” como critério de pragmática do PT, cimentando suas “escolhas racionais” como expressão legítima dos interesses que dizia representar. Daí aos governos petistas não há mudança significativa. O petismo estabeleceu assim um modus operandi que passou a funcionar no automático.

O PT recusou-se assim a construir a hegemonia. Desprezou possíveis aliados do difuso progressismo democrático e reformista, preferindo instaurar seu predomínio. Hoje, ao fracassar o seu “distributivismo sem reformas”, como bem apontou Cesar Benjamin, o PT dá as condições, a partir das alianças que consumou pragmaticamente, para o conservadorismo retomar seu fôlego no momento do seu ocaso.

Petismo e antipetismo são dois constructos ideológicos opostos que se estruturam em torno de discursos de padrão agonístico cujo principal objetivo é a construção intencional do adversário político. O primeiro é um mosaico disforme, que só conhece a razão dos seus interesses, um ator mais afinado com a perspectiva de “projeto de poder” do que com a noção de hegemonia de matriz gramsciana; enquanto o segundo é pura reação, errática na maior parte das vezes, sem liderança legitimada, que flutua por diversos canais e dificilmente encontrará seu Leitmotiv para estruturar sua unidade e lhe garantir alguma estratégia para o futuro.


Alberto Aggio é historiador e professor titular da UNESP

Fonte: O Estado de São Paulo (13/06/15)

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