segunda-feira, 29 de junho de 2015

Hino a Lula (Demétrio Magnoli)





Luiz Inácio Lula da Silva, nosso querido Lula, é uma das raras e fantásticas lideranças que conseguem transcender os limites de sua origem social, de sua cultura e de seu tempo histórico. Obrigado, Stálin. Obrigado, pois estou jubilante.

O culto a Stálin, deflagrado em meados dos anos 1930, acompanhou a ascensão do líder à condição de ditador inquestionável da URSS. O culto a Lula, expresso pela nota da bancada de senadores do PT, acompanha o declínio do ex-presidente, exposto como lobista do alto empresariado associado ao Estado.

Lula se fez contra os terríveis limites históricos, sociais e políticos que lhe foram impostos. É aquela criança pobre do sertão nordestino que deveria ter morrido antes dos cinco anos, mas que sobreviveu. É aquele miserável retirante que veio para São Paulo buscar, contra todas as probabilidades, emprego e melhores condições de vida, e conseguiu. Lula é, sobretudo, esse fantástico novo Brasil que ele próprio ajudou a construir. Obrigado, Stálin, pois estou bem. Séculos transcorrerão e as gerações futuras nos venerarão como os mais afortunados dos mortais porque tivemos o privilégio de ver Stálin.

O culto a Stálin tinha a finalidade de legitimar a eliminação física de toda a liderança bolchevique dos tempos da revolução de 1917, que se faria por meio dos Processos de Moscou. O culto a Lula tem, apenas, as finalidades de conservar o status quo no PT, evitando a crítica e a mudança, de impulsionar uma candidatura presidencial fragilizada e de tentar esterilizar as investigações da Lava Jato.

No cenário mundial, ninguém põe em dúvida a liderança de Lula no combate à pobreza, à fome e às desigualdades. Lula é o grande inspirador internacional das atuais políticas de inclusão social, reconhecido por inúmeros governos de diferentes matizes políticos e ideológicos. Lula é o rosto do Brasil no mundo. Os homens de todas as épocas chamarão teu nome, que é forte, formoso, sábio e maravilhoso.

O culto a Stálin atravessou duas fases. Na primeira, quando os ecos da revolução ainda reverberavam, o líder foi descrito como a imagem viva do proletariado internacional. Na segunda, marcada pela guerra mundial e associada à propaganda patriótica, Stálin tornou-se a personificação do povo soviético. O culto a Lula assemelha-se, nesse particular, à fase derradeira do culto a Stálin: o PT almeja ser igual ao Brasil.

Lula está muito acima da mesquinhez eleitoreira. Todas as vezes que me vi em sua presença, fui subjugado por sua força, seu charme, sua grandeza --e experimentei um desejo irreprimível de cantar, de gritar de alegria e felicidade. Lula é tão grande quanto o Brasil. Lula carrega em si a solidariedade, a generosidade e a beleza do povo brasileiro. Para esse povo e por esse povo, Lula fez, faz e fará história.

O culto a Stálin, uma engrenagem da propaganda de massas do totalitarismo, era a face midiática de um Estado-Partido que abolira a política, extinguindo por completo o fogo da divergência. O culto a Lula, ensaiado por políticos de terceira numa democracia representativa, é uma farsa patética: o sinal distintivo da degradação da linguagem petista. Atrás do culto ao líder soviético, desenrolava-se uma tragédia histórica. Atrás do culto ao chefão petista, descortina-se somente o vazio de ideias de um partido desnorteado, precocemente envelhecido.

Lula é uma afronta às elites que sempre apostaram num Brasil para poucos, num Brasil de exclusão e de desigualdades. Ó grande Lula, ó líder do povo/Tu que trazes os homens à vida/Tu que frutificas a terra/Tu que fazes a primavera florescer/Tu que vibras as cordas da música/Todas as coisas pertencem a ti, chefe do nosso grande país. E, quando a mulher que amo me presentear com um filho, a primeira palavra que ele deve proferir é: Lula.

Stálin matava de verdade; Lula mata de tédio.

Fonte: Folha de São Paulo (27/06/15)

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