terça-feira, 21 de abril de 2015

A estrela fica (Demétrio Magnoli)





A prisão de João Vaccari simboliza a "prisão preventiva do próprio PT", declarou Aécio Neves, do PSDB, secundado pelo deputado Rubens Bueno, líder do PPS, para quem o episódio "representa o PT na cadeia". Mais prático, o senador Ronaldo Caiado, líder do DEM, sugeriu que os desdobramentos poderiam resultar na perda do registro partidário do PT. A ideia de eliminação do PT, evocada pioneiramente por Jorge Bornhausen, do antigo PFL, em 2005, encontra eco entre setores dos manifestantes do 15 de março e do 12 de abril. Nessas circunstâncias, o dever de ensinar aos exterministas como funciona uma democracia não pode ser terceirizado ao próprio PT.

As condenações de José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares, bem como a prisão preventiva de Vaccari, evidenciam que, no núcleo dirigente do PT, incrustou-se uma organização criminosa. A se julgar pelas receitas da empresa de consultoria de Dirceu e pelas movimentações bancárias da família Vaccari, a corrupção tradicional, essa "velha senhora" (Dilma Rousseff), está entre as atividades da quadrilha. O seu foco, porém, é a corrupção de novo tipo, "netinha peralta da velha senhora" (Roberto Romano), destinada a cristalizar um bloco de poder. Mas nada disso autoriza a impressão de um carimbo policial na estrela do PT.

O PT não se confunde com a organização criminosa nele incrustada. O partido, semeado no chão da luta contra a ditadura militar, não é uma sigla de conveniência como as criadas por Gilberto Kassab, o despachante do Planalto para negócios cartoriais. É sua militância e sua base de filiados, responsável por eleições internas que mobilizam centenas de milhares de cidadãos. É, sobretudo, sua base eleitoral, constituída por vários milhões de brasileiros. O PT é parte do que somos.

Sibá Machado, líder petista no Senado, classificou como "política" a prisão de Vaccari. Os políticos presos do PT ergueram os punhos para declarar-se prisioneiros políticos. André Vargas repetiu o gesto no Congresso, diante de Joaquim Barbosa, para dizer que o PT não reconhece a legitimidade do STF. O Partido cindiu o país em "nós" e "eles", reproduzindo no plano da linguagem o que fazem, por meios policiais, regimes autoritários de esquerda. O Partido celebra tiranias, aplaude violações de direitos políticos em Cuba e na Venezuela, clama pela limitação da liberdade de imprensa no Brasil, fabrica listas negras de críticos, qualificando-os como "inimigos da pátria". Mas a aversão petista ao equilíbrio de poderes e à pluralidade política não justifica o erro simétrico, que é crismar o PT como "inimigo da pátria".

Na mensagem ao 5º Congresso Nacional do PT, a direção partidária interpreta o "sentimento antipetista" como reação conservadora "às ações políticas de inclusão social" dos governos Lula e Dilma. Vendando os olhos dos militantes, embalando-os numa ilusão complacente, os dirigentes postergam uma difícil, mas inevitável, revisão crítica. De fato, o "sentimento antipetista" expressa a vontade de evitar a identificação entre Estado e Partido. Já a manipulação exterminista desse sentimento não passa de uma cópia invertida do desejo petista de anular o direito à divergência.

No Palácio, o PT perdeu o patrimônio moral indispensável para defender a democracia. Hoje, triste ironia, são os críticos do PT que podem desempenhar o papel de advogados da sua existência como ator legítimo. Pedir o impeachment da presidente, por bons ou maus motivos, não atenta contra a ordem democrática. Sobram razões para gritar por um governo sem o PT, algo que serviria tanto ao Brasil quanto ao PT, que só na planície será capaz de entender as virtudes do pluralismo político. Por outro lado, cultivar a ideia da supressão do PT revela o impulso autoritário de amputar nossa história.

Vaccari é caso de polícia; o PT, não. A estrela fica.

Fonte: Folha de São Paulo (18/04/15) 

Nenhum comentário:

Postar um comentário