Vêm do Estado que deu a mais retundante vitória à oposição, os ventos de racionalidade surgidos neste momento de histeria política.
A mesma presidente definida por Aécio como líder de uma organização criminosa, recebeu ontem do governador Geraldo Alckmin deferência pelo "esforço republicano e louvável" na parceria entre os dois governos para obras de abastecimento de água e mobilidade urbana.
Além dos recursos da União, Alckmin conseguiu arrancar do Supremo o acordo que reuniu os governos de São Paulo, Minas e Rio de Janeiro para a divisão das águas do rio Paraíba do Sul, passo para uma solução mais perene ao desabastecimento paulista.
Num gesto de quem pretende escapar das armadilhas de extrema direita que ameaçam enredar Aécio, não mobilizou sua base na Assembleia Legislativa para barrar projeto de lei petista que proibiu uso de bala de borracha pela Polícia Militar em manifestações.
Numa outra sinalização do rumo que pretende seguir, enviou à Assembleia projeto de lei que reajusta em 11,75% o salário mínimo regional, que passará a R$ 905. Não é o maior valor entre os cinco Estados que o adotam. O Paraná vai pagar R$ 948 e o Rio Grande do Sul, R$ 1.006. Mas é um reajuste superior ao do salário mínimo nacional (8,8%) que vai levar o valor a R$ 788 em 2015.
Alckmin mantém azeitados seus canais com o movimento sindical no momento em que a queda de braço com a indústria já sinaliza os novos ventos da economia. O sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, berço lulista e cutista, rejeitou proposta da Volkswagen para revogar acordo que previa ganhos reais para os trabalhadores em 2015 e 2016.
É no Estado governado por Alckmin que ameaça ruir a corda entre os trabalhadores mais organizados, que tiveram sucessivos aumentos reais ao longo da última década, e uma indústria a ser afetada pela redução de desonerações e do crédito em bancos públicos.
Ao abrir diálogo com sindicalistas, negociar soluções com o Judiciário e firmar parcerias com o governo federal, Alckmin lança sua estratégia para a longa travessia até 2018. Aposta que na crise busca-se rumo. O seu é de franca oposição - a Aécio.
A despeito de inevitáveis embates eleitorais futuros, tem convergido com o prefeito da capital, Fernando Haddad. Prefeitura e governo estadual fecharam mais parcerias, nos últimos dois anos, do que na era José Serra e Gilberto Kassab. Na última delas, reformularam projetos para abrigar num único terreno estação de metrô e hospital municipal.
As incursões de Haddad junto à oposição não se restringem a Alckmin. Têm como porta de entrada o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, com quem janta, conversa ao telefone e troca mútuos elogios.
A cruzada por quebrar resistências desde que a prefeitura foi cercada em junho de 2013 é mais bem sucedida fora do que dentro do seu partido. Em plena campanha, quando fervilhava a queda de braço do PT com o mercado, foi ao Centro de Debates de Políticas Públicas, espécie de "Casa das Garças" paulistana congênere do instituto de liberais cariocas.
O centro congrega o virtual ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o economista-chefe do Itaú, Ilan Goldfajn e o ex-secretário de Política Econômica, Marcos Lisboa. Dois dos principais assessores da oposição, André Lara Resende e Samuel Pessoa, também foram ao encontro do prefeito que pretendia convencê-los da renegociação da dívida paulistana, vista como carro-chefe da farra fiscal.
A preleção de Haddad incluiu ainda o ex-ministro Delfim Netto, convidado ao quinto andar do Edifício Matarazzo. A catequese funcionou. Os ditos mercados nem piscaram quando o projeto foi aprovado.
No PT, a inflexão mais importante buscada por Haddad é na relação com a presidente Dilma Rousseff. Durante a campanha eleitoral, o prefeito assistiu a discussões de grupos de eleitores em que foi testado o discurso da independência do Banco Central, encabeçado pela então candidata do PSB, Marina Silva. Viu que o tema não caía bem. Conversou com a presidente, mas foi voto vencido nos rumos tomados pela campanha que demonizou banqueiros e agora busca sua confiança. Curvou-se, num movimento inverso àquele que, na sua campanha, o levou a ser voto vencedor em embates petistas que queriam a família de Serra exposta em palanque.
Distanciado da presidente desde o entrevero do reajuste da tarifa, Haddad acompanhou-a em eventos de campanha fora da capital. Coroou sua reaproximação com a sanção do projeto que muda o indexador das dívidas de Estados e municípios. Não entrou em seu círculo próximo mas está longe da tensão que marcava o convívio dos ex-ministros da Educação e da Casa Civil.
"Diga aí dr. Haddad", saudou Dilma antes de abraçá-lo na chegada ao evento do Natal dos catadores em São Paulo. Ao fim da reunião que precedeu evento público, a presidente aludiu à intimidade entre prefeitos e catadores: "Tô percebendo que você está popularíssimo aqui".
Nenhum interlocutor, no entanto, lhe é mais frequente que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com quem se encontra semanalmente no Ipiranga. Lula é ainda a principal âncora de Haddad no partido que custa a dobrar - vide a pré-candidatura Marta Suplicy - do que muitos interlocutores de oposição.
Em todos esses encontros, o prefeito testa o discurso com que pretende fisgar a chamada 'classe média avançada'. Onerados com o IPTU, esses setores teriam como contrapartida ofensivas de mobilidade urbana, iluminação pública com LED e ciclovias.
Essa terceira via, destrinchada no livro "Conversas Políticas", organizado por Aldo Fornazieri e Carlos Muanis, que reúne entrevistas do prefeito e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, contrapõe-se a que chama de 'movimentos emancipatórios'. Herdeiros de 1968 em primaveras mundo afora e no inverno de 2013 no Brasil, esses movimentos, segundo Haddad, não foram capazes de responder às demandas surgidas com a crise financeira de 2008.
Parece mais flexível do que quando assumiu a prefeitura, mas ainda está por se provar um projeto de 'refundação' do PT.
Parece apostar no vácuo aberto pela derrota de Marina, seguido pela desagregação do Rede simbolizada na ida do principal articulador político da ex-candidata, Walter Feldman, para a CBF, mausoléu da velha política. Ainda tem pela frente o pedágio da reeleição e as ratoeiras de seu partido se pretende enfrentar seu atual parceiro tucano do Racionais SP quando 2018 chegar.
Fonte: Valor Econômico (05/12/14)
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