“Não quero que a Catalunha se separe da Espanha, mas sei que a casta espanhola insultou os catalães”.
Com frases assim — pontuais e abrangentes, corrosivas, sem papas na língua e sobretudo sem os jargões da linguagem política corrente –, Pablo Iglesias impulsiona o novo partido político Podemos, que cresce e ameaça revolver o mapa político espanhol.
Iglesias sabe se mexer. Professor de Ciência Política na Universidade Complutense de Madrid, antigo militante da União das Juventudes Comunistas, recém eleito eurodeputado, ele e seu partido são uma estrela em ascensão, a ocupar rapidamente espaço no universo das esquerdas espanholas. Segundo as sondagens, já bateu na casa dos 20% das preferências eleitorais.
Diz-se na Espanha que Podemos segue de perto aquilo que se costuma chamar de “pós-marxismo”, ao menos quanto à elasticidade de suas postulações e de seus vínculos. Sua fraseologia parece aceitar que os conceitos serão tanto mais eficientes quanto mais forem “flutuantes” (ideia que vem do pós-marxista argentino Ernesto Laclau, falecido no início do ano), pois assim facilitarão a articulação política do mal-estar. Não há obreirismo em suas propostas, nem foices e martelos, nem retratos do Che ou ideologias professadas como verdades duras. A proposta é ser um partido que atua na transversalidade social, com um discurso fortemente centrado na crítica social e uma linguagem irreverente, empregada com esmero para criar polarizações de novo tipo e novas polarizações. Alguns analistas o vêem como uma espécie de “partido da raiva urbana”. Faz sentido.
Cola bem na Espanha atual, cansada de uma crise que se arrasta há sete anos e estagnada por um bipartidarismo imperfeito no qual diversos pequenos partidos regionais giram em torno de PSOE e PP, os dois principais, que, juntos, receberam cerca de 80% dos votos nas eleições de 2004. Os partidos, a começar dos maiores, monopolizam o sistema político, intermediando as relações entre Estado e sociedade. Em suma, têm um extraordinário peso na vida espanhola. Agradam e desagradam, e quando as coisas vão mal passam a ser vistos com desconfiança, incrementando a tendência atual de desvalorização dos partidos e dos políticos perante a cidadania. Situação que em boa medida impulsiona o surgimento de propostas novas, seja em termos programáticos seja sobretudo em termos de linguagem e organização.
Podemos é filho desta situação. Reflete um momento de crise política e de crise das esquerdas. Quer ser um refundador do modo de fazer política e do discurso político.
Pensa a Espanha como “um país de países, um país de nações”, um Estado multinacional e multicultural complexo ainda em busca de uma composição institucional estável e igualitária. Suas propostas prevêem a abertura de um processo constituinte no qual seja possível discutir tudo com todos. O foco principal é simples: libertar a política do dinheiro e das chantagens do mundo empresarial, romper a lógica política do capital. Mas sem ficar à margem, atirando dardos e pedras a partir de fora contra a política, com candidaturas românticas e inviáveis.
Podemos quer entrar na política e ser uma alternativa efetiva. Uma ponte entre democracia participativa e democracia representativa. Sem fazer concessões, o que significa não compactuar com a velha política, da qual pretende ser a crítica radical.
Mas também sem se colocar numa posição abstrata de “vanguarda”. Reverbera, neste aspecto, os slogans e as expectativas dos Indignados de 2012, movimento do qual derivou. Deste modo pretende contribuir para repor os cidadãos no centro mesmo da vida política.
Podemos é espanhol, mas também é europeu. Reflete claramente a situação do velho continente, seus descompassos e assimetrias, o desnível que separa Portugal, Espanha e Grécia dos países mais ao norte. Faz dupla com o Syriza grego, de Alexis Tsipras, que também cresce com força e com propostas semelhantes. Espelha a dificuldade que as esquerdas de todos os países estão apresentando de dialogar com as novas agendas e as novas aspirações populares. Deixa evidente que há um gap profundo inviabilizando os partidos tradicionais e a forma-partido que teve sua fortuna no século XX.
Propõe-se, por isso, a ter uma estrutura leve e reduzida, aberta à participação dos cidadãos e a formas de deliberação ampliada, por votação direta e consultas via internet. É contra, porém, o assembleismo, com seus tempos dilatados e suas manipulações. É mais um movimento e uma rede que um partido: um “partido-movimento”, algo a ser ainda experimentado.
O sucesso inicial de Podemos cria certamente expectativas quanto a seu próprio futuro. Ao se institucionalizar e acumular poder, qualquer organização perde o frescor da novidade e enfrenta o perigo da burocratização e do distanciamento em relação a seus apoiadores. Riscos, em suma, existirão. Mas não parecem assustar suas lideranças. “Cabe construir um espaço político com características novas”, afirma Iglesias. O sucesso obtido em 2014 “tem a ver com um nível de protagonismo dos ativistas incompatível com a forma de partido que conhecemos até agora. Quem pensa com noções velhas não entendeu o processo político que a Espanha está vivendo.”
A aposta de Podemos está feita. Repercute bem e pode de fato vencer, criando um vetor diferente na política tradicional. Longe de etiquetas, jargões e fórmulas conhecidas. Se for assim, terá lugar assegurado na construção democrática exigida pelas sociedades do século XXI. Vale a pena acompanhar.
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