sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Governos e fraldas (Eduardo Giannetti)




A duas semanas da posse, o governo reeleito dá mostras de que está sem projeto, sem força política e sem autoridade moral.

O que se anuncia é um mandato anêmico, pautado por crises sucessivas e medidas improvisadas visando contê-las. O quadro reforça a pertinência da recomendação, atribuída a Eça de Queiroz, de que governos e fraldas devem ser trocados periodicamente --e pelo mesmo motivo! Como não foi o caso, resta amargar.

A virada foi completa. Em poucos anos, o Brasil passou de estrela do mundo emergente a país submergente. Se por um breve interlúdio gozamos a ilusão da "ilha de prosperidade em meio a um mar turbulento" (para evocar o bordão do general Geisel ressuscitado por Lula 2), agora estamos perto de virar o oposto. Enquanto o mundo reemerge, o Brasil afunda.

O que deu errado? As causas próximas são múltiplas e vão desde os equívocos e barbeiragens da política econômica (macro e micro) à aposta redobrada no modelo do presidencialismo de condomínio, por meio da cessão de glebas do governo ao que há de pior na política brasileira. Penso, no entanto, que na raiz do nosso retrocesso existe um fator subjacente comum e de amplo alcance.

O ponto é que os governos petistas --e com mais ímpeto após a eclosão do mensalão na política e da crise de 2008 na economia-- levaram a deformação patrimonialista do Estado brasileiro a um novo e exacerbado patamar, com tudo que isso acarreta em termos de distorção nas relações entre público e privado, piora na alocação de recursos, ruína da governança e degradação dos padrões éticos.

A melhor evidência disso é a Petrobras. A cada nova revelação, a saga se torna mais emblemática. O maior escândalo de corrupção da história do Brasil --e o certame não é fácil-- não é fruto apenas da fraude contábil e da ganância corporativa, como no colapso da Enron americana.

O que temos aqui são empresas privadas, burocratas estatais e políticos em estreito e estruturado conluio visando maximizar, à guarida dos "donos do poder" e às custas do resto da nação, lucros espúrios, fortunas pessoais e projetos de apropriação continuada do Estado.

O "capitalismo politicamente orientado" não nasceu com o mandarinato petista --veio com as caravelas--, mas foi levado ao paroxismo por ele. A recaída patrimonialista é o enredo cifrado do drama cujo desenrolar anima a crônica diária da encrenca econômica, ética e política em que estamos metidos.

Embora não esteja ao alcance das instituições, quando são boas, fazer todo um povo prosperar --só o trabalho, a inovação e o cuidado com o amanhã têm tal poder--, elas são capazes, quando nocivas, de condená-lo à eterna mediocridade.
Fonte: Folha de S. Paulo

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