Nos idos de março, o presidente do PMDB gaúcho, Edson Brum, proferiu a seguinte pérola da sinceridade política, crivada de ironia: "A única certeza que tenho é que o PMDB estará com o próximo presidente, ganhe Dilma, Aécio ou Campos. Por que me preocupar com isso agora?". Foi complementado nesta semana pelo presidenciável tucano, Aécio Neves, numa referência à adesão de PSD e PR à postulação da presidenta Dilma Rousseff, ao mesmo tempo que o PTB se mandava para as bandas de sua candidatura: "Muito mais gente já desembarcou e o governo ainda não percebeu. Vão sugar um pouco mais. E eu digo para eles: façam isso mesmo, suguem mais um pouquinho e depois venham para o nosso lado".
Ambas as declarações explicitam o modus operandi de nosso sistema partidário, tanto no âmbito eleitoral quanto na dimensão governativa. O PMDB é o exemplar maior de um tipo de agremiação - o partido de adesão - que aderirá a qualquer governo ou candidatura, sem maiores preocupações programáticas, desde que bem recompensado. São lábeis os limites para essa adesão pragmática tão flexível: de forma pontual, quando estiverem em jogo interesses específicos de setores sociais vinculados a determinados membros do partido (como seus financiadores de campanha e bases eleitorais), ou quando as mutantes circunstâncias da conjuntura política tornarem oportuno um rompimento justificado por questões de fundo puramente retóricas.
Afora tais circunstâncias, enquanto bem recompensados com cargos, verbas e apoios eleitorais localizados, os partidos de adesão se manterão jungidos a quem lhes favoreça. Porém, da mesma forma, saltarão do barco tão logo o custo do apoio se eleve ou haja recompensa maior por perto. Como não se prendem a nenhuma plataforma de envergadura, não lhes custa nada migrar de um governo para outro, mesmo que sejam liderados por agremiações - essas sim - dotadas de alguma consistência programática e de objetivos mais claros para as políticas públicas. Tais agremiações, por sua vez, não têm como simplesmente prescindir do apoio dos partidos de adesão, na ilusão de assim implementar suas agendas sem a necessidade de concessões e menores riscos de corrupção.
Afinal, os partidos de adesão compõem hoje mais de 50% das duas Casas do Congresso, tendo também bancadas consideráveis nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Não compõem um bloco monolítico, mas operam de forma similar. Por esta razão, exceção feita ao tamanho de cada um (e, logo, ao seu poder) não faz muita diferença obter o respaldo do PMDB, do PP, do PR, do PTB, do PSD ou de qualquer outra agremiação equivalente. Eles exigirão as mesmas coisas, oferecerão a mesma lealdade e vetarão - de forma eventual - os mesmos tipos de proposta. É por isto que o presidente do PMDB gaúcho pode dizer o que disse de forma tão singela - assim como o poderiam os presidentes das demais agremiações. Todos esses partidos (à exceção do PSD, que ainda não existia) ofereceram apoio, ministros e funcionários aos governos Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique, Lula e Dilma. Eles apoiam PT, PSDB e PSB indiscriminadamente nos governos estaduais e municipais, sendo o elemento constante às variações de partidos na chefia de governo. Apenas Collor optou deliberadamente por deixar o PMDB de fora; deu no que deu - e ele se arrependeu da estratégia, tardiamente.
As exceções se devem ou a problemas circunstanciais, verificáveis numa ou noutra localidade, ou a rivalidades entre lideranças específicas. Rompimentos verificados nesta eleição darão lugar a reaproximações logo mais à frente, tão logo se fechem as urnas e se iniciem as negociações para a composição das coalizões de governo nos âmbitos federal e estadual. É por isto que faz sentido a despreocupação de Aécio com os apoios de Dilma, bem como seu incentivo a que os partidos suguem. O tucano mineiro é sabedor de que hoje sugam de Dilma e, amanhã, caso se sagre vitorioso, sugarão dele. Decerto, não tem a menor ilusão de que, ao irem para o seu lado, abandonarão a prática sugadora. Assim como sabe que, findo seu eventual governo, sugarão de seu sucessor - seja ele aliado ou adversário.
Eis aí o maior obstáculo para que se implemente no país uma "nova política" de que tanto falam o PSB e sua hóspede, a Rede. País afora, o próprio PSB não opera de forma muito distinta dos partidos de adesão. Em São Paulo, tem sido uma rêmora fiel do PSDB, ao mesmo tempo que no âmbito nacional - onde apresentava maior consistência - mantinha-se alinhado ao PT, inclusive na oposição aos tucanos durante o governo FHC. Porém, mesmo onde o PSB controla os governos, como em Pernambuco, o recurso aos partidos de adesão estava presente. Se nova política se fazia, era por intermédio da mesma velha política que seus adversários (ou aliados) punham em prática noutras plagas.
Afinal, trata-se de um aspecto estrutural do sistema político brasileiro. O presidencialismo de coalizão visa à formação de maiorias e não se constroem maiorias sem o recurso aos partidos de adesão. E os incentivos para a aproximação também estão presentes no processo eleitoral - num jogo que não pode ser desvinculado da dinâmica governativa. Governos oferecem prebendas, presentes e futuras, para manter ou atrair aliados de campanha. Mas há também o valioso tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV. Quem não o aufere, sabe que o aliado o arrebanhará, num jogo de soma zero - o que um perde é exatamente o que o outro ganha.
Daí as alianças aparentemente esdrúxulas, mas completamente racionais, feitas neste período. Elas são mais visíveis na campanha, quando surgem as fotografias de aliados lado a lado (por vezes constrangidos). Dentre os atores relevantes, quem não saiu na foto é normalmente o perdedor da contenda que, como fazem os maus perdedores, sai do jogo criticando a conquista do adversário (só porque não foi sua) e é nisto acompanhado de seus torcedores, numa aliança de hipocrisia e autocomiseração. Normal que seja assim, afinal, no público sempre há quem se deixe iludir.
Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP
Fonte: Valor Econômico