O agito começou como uma farra de adolescentes, a maioria das periferias urbanas. Fazer um rolezinho significava para eles dar um passeio na meca da modernidade, os shoppings centers, cantados em veros e prosa como o local em que se pode usufruir o que de melhor oferece o mundo moderno: coisas para comprar, comer e beber, espaços para ver e ser visto. Excluídos financeiramente das possibilidades ampliadas de consumo, e sem equipamentos culturais disponíveis para o lazer, aos jovens restaria ir aos shoppings para mostrar a cara, como se quisessem gritar “existimos, prestem atenção, vejam quem somos”.
Dar um rolê significava, em primeira instância, se divertir, ficar com os meninos e as meninas, conhecer outras pessoas, quem sabe descolar algum produto irado. Em segunda instância, mais profunda, significava postular uma identidade e um reconhecimento. Mostrar que o sistema não agrada, não preenche a vida, não dá significado existencial a ninguém.
A polícia caiu de pau, reprimiu. Aliou-se com os gerentes dos shoppings, proibiu o acesso, fez triagem ostensiva baseada na avaliação de fisionomias. Começaram a fechar os shoppings ao anúncio de novos rolês. Puseram lenha na fogueira. Não tentaram negociar. Os políticos sumiram. Os partidos silenciaram. A onda cresceu. E as redes sociais bombando com novos planos e convocações.
Com senso de oportunidade, e uma boa dose de oportunismo, alguns movimentos sociais começaram a pegar carona nos rolezinhos, não para engrossá-los ou impulsioná-los ou defendê-los, mas para se beneficiar deles para avançar suas reivindicações. De repente, os que lutam por moradia (os que agitam o movimento dos sem-teto) passaram a querer protagonizar a onda, instrumentalizá-la, fazer dela uma correia de transmissão. Quiseram converter o rolezinho social em um "rolezão popular". Melaram a farra da garotada.
É hora, pois, de começar a tratar o fenômeno com mais cuidado e sensibilidade. Seria péssimo se também ele entrasse naquela dinâmica do contra-e-a-favor, que empobrece e distorce mais que esclarece.
Olhares míopes existem por toda parte, e tudo depende do que se considera importante ou não. Generalizações são sempre míopes, mesmo quando bem-intencionadas e respaldadas em experiencias vividas. O difícil sempre é captar o todo, ligar os fios das várias ações com a estrutura da vida. É o mais difícil e o mais fundamental. Sem isso, fica-se na superfície, na impressão, na adjetivação, que tanto pode servir para deificar quanto para demonizar.
Tem gente que solta foguetes só de pensar naquela pequena massa de jovens (majoritariamente das periferias) que põem em xeque os templos de consumo e se esforçam para mostrar sua voz e sua cara. Tais pessoas aplaudem e vislumbram ali o início da redenção social ou o ataque frontal ao sistema, a derradeira pá de cal no capitalismo. Outros, também para marcar posição, vão na direção oposta: retiram qualquer dignidade dos rolezinhos e os apresentam como puros e simples atos de bandidagem e vandalismo, acrescentando coisas do tipo "quem conhece as periferias a partir de dentro sabe que lá os jovens são trabalhadores e não estão a fim de dar rolê por aí". Pensam que a criminalização resolveria o problema, se é que problema existe. Foram ajudados pelos movimentos que pegaram carona e desvirtuaram algo que prometia e poderia se converter numa interessante manifestação cultural, político-existencial.
Não é preciso "ir à periferia" para analisar movimentos que com elas se relacionam ou que nascem nelas. Conhecer por dentro é bom, e os antropólogos são figuras-chave nessa operação, juntamente com jornalistas. Mas não há nenhuma garantia de que aquele que está com os pés no chão das periferias consiga, só por causa disso, compreender melhor o que lá se passa. Erros de análise podem ser cometidos independentemente do lugar de onde falam os analistas.
É por coisas assim que as ciências sociais são tão preciosas. Elas nos ajudam a olhar o mundo com rigor e atenção. Que é precisamente o que se deveria estar a fazer.
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