O que a presidente Dilma Rousseff chama de guerra psicológica nada mais é do que a constatação de teimosos fatos econômicos
Se há um partido que usou e abusou do direito ao dissenso desde a sua fundação foi o PT, que nasceu como alternativa aos partidos clandestinos de esquerda que permaneceram na ilegalidade na reforma partidária do regime militar de 1979, como o PCB, o PCdoB e o MR-8, sob o manto protetor do PMDB de Ulysses Guimarães. O partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou dessa prerrogativa até mesmo na eleição do ex-presidente Tancredo Neves, no colégio eleitoral, e na aprovação da Constituição de 1988.
Tanto quanto a alternância de poder, o direito ao dissenso é uma espécie de oxigênio para a democracia. Garante a sobrevivência de todas as minorias: políticas, religiosas, culturais, étnicas, de orientação sexual. É uma espécie de selo das sociedades pluralistas. O direito ao dissenso representa a possibilidade de um grupo de pessoas e/ou ideias ganhar força e vir a ser uma alternativa de poder. Por isso, quando a maioria quer impor suas posições a tudo e a todos, sem respeitar os direitos das minorias, estamos no caminho do autoritarismo.
Por que toda essa digressão sobre o que parece tão óbvio? Ora, porque o discurso de ano-novo da presidente Dilma Rousseff, ao acusar os críticos de sua política econômica de promover uma “guerra psicológica”, foi uma perigosa e surpreendente agressão ao dissenso, ainda mais partindo de quem sempre fez questão de exercê-lo. Simples assim. Talvez por sugestão de um de seus assessores mais próximos, quiçá do marqueteiro João Santana — Deus queira que não tenha sido ideia do general-ministro José Elito, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, o que seria mais grave —, Dilma recorreu a um velho conceito da Doutrina de Segurança Nacional do regime militar: “Se alguns setores, seja porque motivo for, instilarem a desconfiança, especialmente desconfiança injustificada. Isso é muito ruim. A guerra psicológica pode inibir investimentos e retardar iniciativas”, disse com todas as letras.
Lembra-me o professor Silas Ayres, antigo colega do ICHF-UFF, de que a Lei de Segurança Nacional de 1967 dizia:
Art. 3º A segurança nacional compreende, essencialmente, medidas destinadas à preservação da segurança externa e interna, inclusive a prevenção e repressão da guerra psicológica adversa e da guerra revolucionária ou subversiva.
§ 1º A segurança interna, integrada na segurança nacional, diz respeito às ameaças ou pressões antagônicas, de qualquer origem, forma ou natureza, que se manifestem ou produzam efeito no âmbito interno do país.
§ 2º A guerra psicológica adversa é o emprego da propaganda, da contrapropaganda e de ações nos campos político, econômico, psicossocial e militar, com a finalidade de influenciar ou provocar opiniões, emoções, atitudes e comportamentos de grupos estrangeiros, inimigos, neutros ou amigos, contra a consecução dos objetivos nacionais.
A pena para esse “crime” era de dois anos na época da ditadura. A nova Lei de Segurança Nacional de 1983, ainda em vigor, ressalta Ayres, excluiu o conceito, mas manteve como crime fazer propaganda de guerra (sem explicitar que tipo de guerra), com pena de até quatro anos.
Duvido que passe pela cabeça da presidente Dilma Rousseff, que é testemunha viva dos horrores dos porões da ditadura, a aplicação de tal dispositivo, mas usar o conceito no seu discurso foi uma ideia, digamos, de jerico. Em tempos de comissões da verdade, é importante registrar que tal conceito — uma invenção dos franceses na Guerra da Argélia — justificou cassações de direitos políticos, prisões e torturas de milhares de oposicionistas que nunca participaram da luta armada contra o regime, até mesmo assassinatos, como os de Rubens Paiva, Vladimir Herzog e Manoel Fiel Filho, só para citar os mais conhecidos.
O que a presidente Dilma Rousseff chama de guerra psicológica nada mais é do que a constatação de teimosos fatos econômicos. Outro dia mesmo, o cientista político e jornalista André Singer, ex-porta-voz do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, classificou-os de “armadilha lulista”, inspirado em um diagnóstico do economista Luiz Gonzaga Beluzzo, ex-professor de Dilma na Unicamp, segundo o qual o Brasil está prisioneiro de uma espécie de garrote cambial. Por isso, teriam fracassado a estratégia de redução da taxa de juros e a retomada do crescimento, sem embargo de outros gargalos econômicos. A origem da suposta guerra psicológica contra a política econômica e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e da deterioração das relações da presidente Dilma com o grande empresariado nacional não está entre os oposicionistas e os críticos de sempre que atuam no mercado. É mais fácil encontrá-la na Meca do petismo: as conversas e os debates sobre economia que rolam no Instituto Lula.
Fonte: Correio Braziliense
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