sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Eleições fundamentais (José Álvaro Moisés)



Eleições são para a democracia como o oxigênio para a vida. Sem elas, não se pode dizer que o regime democrático existe, e no Brasil temos razões de sobra para celebrar a conquista das eleições diretas.

A participação dos brasileiros baseada na crença de que o voto permite influir na definição de políticas públicas cresceu e os cidadãos estão hoje mais mobilizados para exercer a sua cidadania política do que no início da democratização, embora mais críticos e mais severos no julgamento do desempenho de governos e instituições de representação.

Eleições majoritárias e proporcionais nem sempre coincidiram, mas os resultados de duas décadas e meia de ciclos eleitorais regulares, previsíveis e livres, sob controle da Justiça Eleitoral, consolidaram duas características importantes do regime democrático, a participação do "demos" e a contestação política.

No primeiro caso, a expansão do sufrágio em comparação com as últimas eleições do período democrático anterior representou a inclusão quase da totalidade da população adulta na "polity". No segundo, a competição baseada no multipartidarismo vigente, um sistema menos moderado do que suas origens prenunciavam, favoreceu a alternância no poder, embora tal como opera hoje envolva uma dúvida importante.

Nas últimas décadas, o Brasil superou impasses estruturais importantes, redefiniu os rumos de sua economia e adotou políticas sociais inovadoras, mas a sua democracia convive com um paradoxo: a adesão ao regime aumentou, mas os índices de desconfiança de instituições são muito altos, sinalizando a existência de uma cisão na percepção pública da democracia como ideal e como realização prática. A democracia representativa está em questão, em especial, o funcionamento do Parlamento e dos partidos políticos.

A desconfiança afeta menos a saudável crítica de quem governa (titulares de cargos executivos e representantes), importante para monitorar o seu grau de responsividade, e mais a descrença de como ou do modo de funcionar de instituições que devem assegurar a expressão das preferências dos eleitores e a equanimidade da competição eleitoral. O sistema supõe cooperação entre o Executivo e o Legislativo, mas no regime de separação de Poderes eles não têm as mesmas funções, e sem autonomia o Parlamento realiza mal as funções de fiscalização e controle de governos e líderes políticos.

Da mesma forma, não se espera que os partidos funcionem apenas como garantia de governabilidade no presidencialismo de coalizão --sua conexão com a sociedade é fundamental. O sistema supõe que a maioria dos partidos apoie o governo em troca de influência e cargos na administração, limitando a ação da oposição e restringindo em parte a capacidade de fiscalização do Congresso. Só a alternância no poder, se as condições de equanimidade da competição eleitoral estiverem asseguradas, evita que isso afete a qualidade da democracia.

Entre nós, isso depende basicamente do acesso dos candidatos ao horário eleitoral gratuito, o principal meio para os eleitores se informarem sobre as alternativas propostas. Um terço do tempo do horário gratuito é dividido igualmente entre todos os candidatos e dois terços proporcionalmente às bancadas dos partidos no Congresso.

Porém, os incentivos institucionais para que a maioria dos partidos apoie o governo, aumentando o seu tempo, desequilibra a competição e reduz as chances da oposição. Se não for enfrentada, a questão compromete parte das vantagens conquistadas com as eleições diretas.

José Álvaro Moisés, 68, é professor de ciência política da USP e membro do Comitê Executivo do Conselho Internacional de Ciências Sociais da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura)

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