segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Marina, candidata? (Renato Janine Ribeiro)

 
A política, como as casas, tem piso e teto. O piso vem antes do teto. Piso são as intenções de voto garantidas para um candidato, chova ou faça sol; são um ponto de partida mais ou menos real (na verdade, mais imaginário que real, porque nem sempre o eleitor honra esse cheque que parecia visado). Teto é o máximo que um candidato pode obter. Maior a rejeição, menor o teto. Mas piso alto pode implicar teto baixo. Ser bem conhecido, como José Serra, pode gerar altas intenções de voto - e também de rejeição. O teto pode estar bem perto do piso.

Piso e teto são decisivos para as avaliações, arriscadas por definição, que os partidos fazem pensando em seu futuro candidato. Um piso alto é um trunfo inicial importante - mas, se vier acompanhado, como no caso acima, de uma rejeição elevada? Candidatos de opiniões fortes podem gerar alta recusa, o que não implica que sejam ruins - porque, se medirmos as coisas só pelo teto, beneficiaremos quem não fede nem cheira. Às vezes vale a pena insistir. Um candidato de alta rejeição, que segundo Delfim Neto seria derrotado até mesmo por um poste, acabou se elegendo na terceira tentativa e se tornou modelo de presidente popular: Lula.

Teto alto quer dizer que o céu é o limite. Significa que, no segundo turno, o candidato é competitivo para vencer o adversário. É essa a diferença, dizem-nos, entre Serra, bom para se classificar no primeiro turno, e Aécio, competitivo no segundo. Mas, para chegar ao segundo, ele precisa emplacar no primeiro... De que adiantará Serra se classificar, se sua derrota estiver garantida no segundo turno? E por que lançar Aécio, se esse possível vitorioso na final nem chegar a ela? Por isso, cada lado apoia o seu nome, mas com uma justificativa oposta. Para salvar os guardados, Serra pode ser o melhor. Se quiserem disputar a presidência para valer, Aécio pode ser a aposta. E é, mesmo, aposta - tudo ou nada, a presidência ou o terceiro lugar, que nos campeonatos eleitorais equivale a uma desclassificação.

Marina Silva tem piso e teto elevados
Mas a novidade da próxima eleição é que temos hoje, no banco de reservas, um nome de piso alto e teto idem: Marina Silva. De maneira consistente, ela tem recebido a segunda maior intenção de votos. Se as eleições fossem hoje e, como na França, qualquer um pudesse concorrer, nosso segundo turno assim oporia duas mulheres, ambas ex-ministras de Lula - ela e Dilma Rousseff.

Aqui temos uma série de paradoxos: a segunda maior intenção de voto, hoje a melhor desafiante ao PT, não é candidata provável por partido algum. Não discuto aqui por quê, se isso foi causado por nossa lei partidária, se pela demora da Rede em se constituir. Apenas, constato um quase-buraco negro nas projeções eleitorais. Porque há outro paradoxo, que é o PSB + Rede ter como candidato presidencial alguém que dificilmente alçará voo. Eduardo Campos pode ser ótimo governador, mas não tem as qualidades dela para multiplicar votos.

Marina é admirada por muita gente fora dos partidos. No atual panorama, é a única candidata que tem o considerável "asset" de não ser, ou não parecer, política. Galgou uma carreira política, sim, mas o que mais se nota nela são qualidades éticas, de quem superou analfabetismo, miséria e doença, e prega há anos, ao mundo dos negócios, que não destrua o verde das matas, do hino, da bandeira. Seus elevados piso e teto se devem a esta percepção, tão difundida, de que Marina não é política. Essas características apontam para a órbita do carisma, o que por sua vez explica por que ela e a Rede procuram mimetizar a trajetória que foi de Lula, nosso maior líder carismático desde Getúlio Vargas, e do PT.

Faz sentido, nesse quadro, Eduardo Campos ser o candidato? O mesmo sistema político que barra candidaturas independentes reúne fatores de alta racionalidade. Ora, neste caso, o racional - para o próprio Campos - é ele ter um prazo para decolar, mesmo que não conte isso a ninguém (o segredo, aqui, é não contar). Se empolgar o eleitorado em, digamos, seis meses, o lugar é dele (mas, se ele divulgar que tem um prazo, acabou). Se não conseguir, o governador de Pernambuco tem ainda uma excelente perspectiva. Pode ser vice de Marina. Não perde nada. Se continuar com poucas intenções de voto, e ela com muitas, será vantajoso ele ser vice-presidente com uma eleição possível, quase provável. Poderá ter uma fatia na administração, tema que não desperta paixão em Marina (como não despertava em FHC ou Lula, ao contrário de Serra e Dilma, que gostam de gestão) - quem sabe num cargo de superministro ou coordenando alguns ministérios-chave, por exemplo, na área da produção. Quem sabe, ainda, a promessa da candidatura presidencial em 2018, vitaminada por quatro anos na vice e no governo. Tudo isso é muito melhor do que correr o provável risco de acabar em terceiro lugar no ano que vem.

Uma nota, aqui. Há artifícios para dar a vitória a candidatos com baixa rejeição - aqueles que, sendo a segunda opção de muitos, são a primeira de poucos. Basicamente, são variações em torno de um tema: o eleitor hierarquiza os candidatos. Em vez de votar "seco" num só, ele escolhe 1º, 2º, 3º. E a apuração levará em conta não só a preferência, mas também o não-repúdio. O Oscar é atribuído assim (veja www.newyorker.com/ talk/comment/2010/02/15/ 100215taco_talk_hertzberg).

A vantagem é encontrar um ponto de convergência, que não exaspere os eleitores. A desvantagem é beneficiar o que é morno, sem projeto, sem odor, que deixa as coisas na mesma. Foi assim que em 2009 "Avatar" perdeu para "Guerra ao terror". Não há sistema de escolhas que seja perfeito.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

Fonte: Valor Econômico

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