terça-feira, 4 de junho de 2013

Brevíssima análise do governo Dilma (Cláudio de Oliveira)



Creio que o problema fundamental do governo Dilma não está na economia, mas na política. Penso que dele decorrem os demais, inclusive as atuais dificuldades econômicas.

Qual é o problema? Minha hipótese: a incompreensão da questão democrática e, por consequência, do método democrático e das alianças políticas, com resultados negativos para a administração do país.

Base política heterogênea. Dilma herdou de Lula uma ampla coalizão cuja principal característica é a heterogeneidade. No governo estão representados setores sociais não só diversos, como antagônicos, caso do agronegócio e do MST. No Congresso, possui desde uma esquerda, como o PCdoB, até uma direita, como o PP de Maluf.

Lula conseguiu unir tal base. Para tanto, raramente contrariou interesses estabelecidos. Se tal ação permitiu governabilidade, levou a um baixo reformismo e, em vários casos, conservadorismo, em especial na esfera política.

Com uma situação econômica confortável, devido, entre outros fatores, ao crescimento mundial, Lula pôde contornar problemas estruturais da economia, cuja resolução acarretaria enfrentamentos.

A economia cresceu num nível aceitável, média de 4% do PIB ao ano, aumentando o emprego e a renda. Sem as crises orçamentárias agudas e a falta de dólares de seus antecessores, promoveu transferências de renda do Estado para setores da população.

Todavia, o quadro mudou. O governo Dilma enfrenta uma crise econômica e precisou agir para garantir o crescimento econômico.

O governo Lula manteve o padrão da baixa taxa de investimento público dos governos posteriores a Geisel, em torno de 1,5% do PIB. Com o crescimento econômico, problemas não enfrentados, como os da depauperada infraestrutura, logo apareceriam.

Reformas estruturais. Ao agir em questões estruturais, Dilma necessitou contrariar interesses. A despeito de os partidos governistas possuírem mais de 80% da representação da Câmara, o governo tem dificuldades em promover e aprovar um claro programa de reformas.

Nisso, vejo três ordens de fatores:

1. Oportunismo do governo, ao esquivar-se de patrocinar qualquer reforma que ponha em risco a popularidade da presidente e a ampla coalizão governista e, consequentemente, o projeto reeleitoral de 2014;

2. Base social e político-partidária heterogênea em que é difícil negociar consenso, especialmente se se considerar que o que os une não é uma adesão programática, mas fisiológica;

3. Talvez buscando contornar tais características de sua base, o governo opte por evitar discussões no Congresso e lance mão de instrumentos impositivos, como o uso abusivo de MPs.

Déficit do método democrático. Há críticas de que prevalecem no governo métodos tecnocráticos e autoritários em detrimento do democrático. O Executivo seria pouco disposto a negociações com a sociedade e com os partidos.

Há quem veja a questão como um traço da personalidade de Dilma. Mas talvez devêssemos refletir sobre a primeira crise política do governo Lula, ainda no primeiro ano de seu mandato, em 2003.

Três meses após a posse, o ex-governador Leonel Brizola rompeu com o governo. Acusou Lula de traidor e de submissão às diretrizes do FMI, ao realizar um drástico corte de gastos públicos e promover uma reforma da previdência do setor público.

O presidente do PDT reclamou da falta de discussão das medidas econômicas do governo com os aliados. Argumentação semelhante foi usado pela esquerda do PT, liderada pela senadora Heloísa Helena, que deixou o partido para fundar o PSOL.

Também se sentindo excluído do centro de decisões do governo, o PPS de Roberto Freire passou para a oposição em 2004. Com o tempo, a lista de políticos progressistas que deixaram o governo cresceu, entre eles nomes expressivos como os senadores Cristovam Buarque e Marina Silva.

Política de alianças. O estouro em 2005 do escândalo do chamado mensalão não seria revelador do método e do tipo de política de alianças então levados a cabo?

As denúncias eram do aliado Roberto Jefferson, presidente do PTB, de centro-direita, que reclamava das tentativas do PT de subtrair do seu partido uma diretoria dos Correios.

Após a instalação da CPI para investigar o caso, o PMDB, hoje predominantemente conservador, recebeu 4 ministérios e passou a apoiar em bloco o governo Lula, compartilhando com o PT a condição de principal partido de sustentação governista.

Quais as razões que levaram Lula e os líderes do PT a optarem por tais métodos e alianças com tais partidos em detrimento de outros?

Um argumento utilizado é o da governabilidade, vez que tais agremiações detêm força política parlamentar e sem o apoio delas seria impossível governar.

Mas, ao compartilhar a máquina do Estado com tais partidos, o PT não os estaria fortalecendo eleitoralmente em sua política de clientela, aumentando o círculo vicioso?Não seriam tais aliados mais dóceis a um política de hegemonia do PT? Seria possível estabelecer outro bloco de poder em que o PT exercesse sua hegemonia nos mesmos termos?

A concepção de fundo. Creio que aqui entra a concepção de fundo, o entendimento da questão democrática e da condução do processo político, em que estão inseridos o método democrático e a política de alianças.

A presidente Dilma e os principais quadros do PT se formaram em organizações marxistas-leninistas de extrema-esquerda dos anos 1960. E talvez aqui apareça uma diferença fundamental de visões de hegemonia em Lenin, fundador do socialismo soviético, e em Gramsci, o italiano que lançou as bases teóricas do eurocomunismo, de aceitação da democracia.

Enquanto para o primeiro, o poder de Estado seria sempre uma ditadura, uma coerção para a dominação de uma classe, o segundo via o exercício do poder como uma capacidade de liderança através da criação de consensos políticos, sociais e culturais.

Pode parecer uma fantasia sociológica, mas tal debate tem sérias consequências políticas, sociais e econômicas na vida prática dos cidadãos. E não é preciso combinar com os russos para saber disso.

Cláudio de Oliveira é jornalista e cartunista.

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