segunda-feira, 15 de abril de 2013
O governo é melhor que o povo? (Renato Janine Ribeiro)
Será nosso governo melhor, em termos democráticos, do que o povo? Esta espantosa pergunta é inevitável para quem lê o importante relatório anual da Economist Intelligence Unit, "Democracy Index 2012", que conheci graças a Clóvis Rossi, o primeiro e até agora um dos raros a comentá-lo em nossa imprensa. Mas achei Rossi pessimista demais, ao frisar que o Brasil não melhorou de ranking nos últimos anos, continuando uma democracia com falhas ("flawed") - e pessimista de menos, ao não salientar o que mais me preocupou no levantamento: somos reprovados com notas baixas em cultura política (nota 4,38) e participação política (nota 5), justamente os pontos que mais dizem respeito ao povo do que ao governo.
Insisto: são nossas instituições políticas melhores que o povo? Não saímos mal no ranking final, pois estamos no mesmo estrato que uma das três pátrias da democracia moderna, a França, cuja média final (7,88) é pouco superior à nossa (7,12). Ela pontua pior que nós no quesito "funcionamento do governo"; empatamos (com 9,58) em "processo eleitoral e pluralismo". O que derrubou a França e a zona euro foi a atual crise econômica. Já nós, em 28 anos, passamos da ditadura à democracia.
Por que o governo é bem avaliado e também o sistema eleitoral? Há pelo menos duas definições de governo nas pátrias da democracia. Na França, o "governo" é chefiado pelo primeiro-ministro. Consiste no Poder Executivo, mas sem o Presidente da República, que tem mandato próprio e, quando há coabitação - isto é, quando ele é do partido oposto ao do "governo" -, controla as relações exteriores e a defesa. Já nos Estados Unidos, o governo tem três ramos, Executivo, Legislativo e Judiciário. Aqui, a nota dada ao governo parece incluir os três - mas, deles, o Legislativo é o menos atuante. Na verdade, a nota positiva do País se concentra nas instituições. A Constituição é boa, sendo cada vez mais aplicada, o sistema eleitoral é livre e justo.
Nossa participação política é bastante pobre
É bom, é mau as instituições serem mais consistentemente democráticas do que o povo? Instituições sólidas são cruciais para a democracia. São elas que lhe dão duração. Impedem que paixões ou vitórias momentâneas mudem tudo. Vejam como Chávez mudou por completo as instituições venezuelanas, enquanto as brasileiras são estáveis há décadas. Mas, por outro lado, é o povo que dá vida a elas. Se não houver empenho dele - e em especial se ele não tiver a convicção de que é democrático discordar, de que o adversário não é inimigo, a quem devemos destruir, nem bandido, a quem devemos privar dos direitos políticos e civis - leis e órgãos de governo serão carcaças vazias. Penso que, quase trinta anos após o fim da ditadura, a permanência da democracia se deve mais à fraqueza das tendências autoritárias, do que a uma consciência popular de que ditadura não deveríamos - nunca mais - ter.
Mas onde pontuamos mal? Vamos esmiuçar. Nosso 5 em participação política vem dos seguintes fatores, segundo o Economist: as mulheres não chegam a 10% dos assentos no Congresso; é baixo o engajamento dos cidadãos na política, sua participação em manifestações públicas, seu interesse pela política, medido em sondagens e pesquisas; poucos acompanham a política pela mídia; o voto é obrigatório; as autoridades se empenham pouco em promover a participação política. Desses itens, só o último responsabiliza diretamente o governo (o penúltimo, as instituições).
Já na cultura política, onde estaríamos ainda pior, com 4,38, discordo da avaliação do Economist. Aqui os pontos principais seriam se preferimos ter um governo militar, tecnocrata ou um ditador - não preferimos. Nem penso que os brasileiros considerem a democracia ruim para a economia; mas pode ser, sim, que não a considerem capaz de conter a criminalidade. Nesses pontos, o Brasil deveria pontuar melhor do que 4,38. Em suma, com base no relatório mas corrigindo-o neste ponto (desculpo-me pela pretensão), nossa cultura política seria fraca em dois pontos principais, estratégicos, mas talvez só neles: primeiro, a dificuldade de aceitarem, os eleitores, um real pluralismo político. Quer dizer: a dificuldade de aceitar que o "outro lado", nosso opositor nas eleições, também é decente e honesto, e que divergimos dele por convicções políticas, não porque somos do Bem e ele é do Mal. Segundo, uma crescente influência das Igrejas - cada vez mais as evangélicas - sobre o Estado e o poder público.
Deputado Feliciano. Para defendê-lo na presidência da Comissão de Direitos Humanos, alguns argumentam que ele é o legítimo representante de seu eleitorado. Errado. Primeiro: o fato de representar um segmento do eleitorado brasileiro não o credencia para representar a sociedade como um todo, incumbência dos presidentes de comissões. Segundo: mesmo nas democracias, a eleição de um representante está limitada por preceitos constitucionais, que em vários casos proíbem a pregação do ódio e da discriminação. Por exemplo, a Alemanha proíbe a atividade política de nazistas. Democracias podem barrar a propaganda do preconceito.
Uma coisa é respeitar o oponente, não o demonizar, como tenho defendido que façam petistas e tucanos. Outra coisa é sair do âmbito democrático, negando as bases da democracia. A excessiva condescendência com os anti-democratas na Alemanha, entre 1919 e 1933, destruiu seu sistema político. Quem prega contra direitos humanos básicos deve ser responsabilizado por isso. Porque, se a democracia é uma planta tenra, como dizia Otavio Mangabeira, ela deve ser protegida de quem a quer destruir.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
Fonte: Valor Econômico
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário