Na percepção de Werneck Vianna, o Partido dos Trabalhadores representa
uma esquerda que, para seguir em frente, foi capitulando do seu
programa, em alguns momentos até de alguns de seus princípios como, por
exemplo, o da ética na política. Aos poucos foi se tornando uma presença
tradicional na política
Por: Graziela Wolfart
"Se o PT não é mais um partido de esquerda? É. Agora, de que esquerda se trata?"
“O PT vem ao mundo com uma missão: a de transformar, eu diria até
que, pensando em algumas lideranças, a missão de revolucionar a
sociedade brasileira. No entanto, uma coisa era a intenção e outra coisa
são as circunstâncias. A opção foi a de fazer as reformas possíveis e
não enfrentar, de verdade, as questões duras”. A afirmação é de Luiz
Werneck Vianna, professor-pesquisador da PUC-Rio. Em entrevista que
concedeu à IHU On-Line por telefone, o sociólogo admite que ainda tem
dúvidas sobre quem será o candidato do PT à presidência da República em
2014. “Este lançamento prematuro da campanha presidencial de Dilma surge
como uma ‘zona de sombra’. Por que tão cedo? Para forçar a irrupção da
sua presença e torná-la inamovível? Ou porque há riscos da presidente,
que tenta a reeleição, ser ultrapassada pela candidatura Lula, por
pressão do próprio partido. O PT não é Dilma. O PT é Lula. O voto de
massas não é Dilma. O voto de massas é Lula. Eu não posso sustentar que
Lula será o candidato. No entanto, essa é ainda uma possibilidade,
especialmente se Dilma não tiver êxito na condução da vida econômica”. E
ele ainda defende que estamos em uma era que está se fechando diante de
nós e que, do ponto de vista da esquerda, “vai nos deixar em um mundo
desertificado, porque ela não aproveitou esses 12 anos de governo. Não
foram anos de enraizamento, de aprofundamento de uma cultura de esquerda
no país. Do ponto de vista da esquerda, tudo está por fazer”.
Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador na PUC-Rio. Doutor em
Sociologia pela Universidade de São Paulo, é autor de, entre outros, A
revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro:
Revan, 1997); A judicialização da política e das relações sociais no
Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999); e Democracia e os três poderes no
Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002). Sobre seu pensamento, leia a obra
Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada
por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF,
2012) (mais informações em http://bit.ly/IVmpmg).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – De modo geral, que balanço o senhor faz dos 10 anos do
PT na presidência da República? Trata-se de um governo de esquerda?
Werneck Vianna – É inquestionável que o PT foi eleito pela
esquerda, a começar pela própria natureza da sua principal liderança, um
operário metalúrgico, de chão de fábrica, com apoio do movimento
sindical brasileiro à sua candidatura, de movimentos sociais muito
relevantes e o seu compromisso com os temas sociais. Então,
inequivocamente o PT chega ao governo pela esquerda como um partido de
esquerda e com suas características muito particulares. Certamente ele
surge nessa nova onda de partidos na linha da social-democracia nascidos
na queda do Muro de Berlim, no derruimento do sistema soviético, do fim
do socialismo real. Além do mais, o PT já nasce muito articulado com
movimentos de base da Igreja Católica brasileira, e não apenas na base,
porque houve apoio também por uma parte considerável da hierarquia
católica. Isso dá uma marca muito particular a essa esquerda que o PT
representa. Embora expressando uma política e uma natureza de
social-democracia, o PT nunca aceitou esse enquadramento, sempre se
concebendo como um partido de esquerda fora dessa moldura. O que vai
trazer problemas mais à frente na sua história partidária. O fato é que
foi assim.
No governo, o PT se empenha em realizar pelo menos uma parte do seu
programa. Mas as dificuldades eram muito grandes e o seu projeto
originário de reformas teve que ser abandonado em nome da
governabilidade. O tema da governabilidade marca de forma muito poderosa
sua história de governo. Essa governabilidade diz que as alianças
tinham que ser ampliadas, importava sobretudo reter a máquina
governamental em suas mãos, o que faz com que o partido se torne, com o
passar do tempo, progressivamente um partido de vocação eleitoral e não
de mobilização popular. Enquanto isso, o tema da mobilização popular vai
ser abandonado e o partido e seu governo vão agir de forma muito
tradicional, assim como os governos anteriores, de forma assimétrica em
relação à sociedade, com estilo decisionista. E essa abertura em razão
da sua opção eleitoral para permanecer no poder vai, aos poucos,
afetando a sua identidade originária. Grupos originários, vindos da
esquerda, em vários momentos abandonam o partido: o PSTU, o PSOL, os
verdes, e também aqueles que olham a política por uma perspectiva muito
ética – tipo o Hélio Bicudo –, também vão se desencantar, vão abandonar,
mesmo que venham a se escorar em outros partidos, deixando o PT. Assim,
o partido se torna, sem perder o seu centro de gravidade no movimento
sindical, um partido de projeção de massas, principalmente quando sua
política social se assenta a partir do Bolsa Família e outras
iniciativas vitoriosas. O resultado é um partido no governo que se torna
um impotente rearranjador da distribuição de renda no país que, sem
dúvidas, conheceu avanços, embora as desigualdades sejam imensas e ainda
intocadas. Mas o tema da pobreza – e agora com a Dilma o tema da
miséria – faz parte da agenda e não pode deixar de ser considerado como
uma deriva à esquerda; uma esquerda muito particular, é verdade. Então, o
PT vem ao mundo com uma missão: a de transformar, eu diria até que,
pensando em algumas lideranças, a missão de revolucionar a sociedade
brasileira. No entanto, uma coisa era a intenção e outra coisa são as
circunstâncias. A opção foi a de fazer as reformas possíveis e não
enfrentar verdadeiramente as questões duras, como a propriedade e a
natureza do capitalismo brasileiro. Era preciso encontrar formas à
margem de contornar isso como, por exemplo, na questão da terra, tema
que jamais foi reprimido, pois se permitiu a sua movimentação. Mas isso
jamais importou na articulação de uma política agrária que vulnerasse o
tema da grande propriedade fundiária no Brasil, basta ver que os anos de
ouro do agronegócio são os anos dos governos do PT. Anos de ouro não
apenas do ponto de vista da expansão do sistema produtivo do
agronegócio, mas também da expansão da sua influência política e social,
nos estados do centro-oeste, no parlamento, onde o agronegócio tem uma
bancada expressiva, capaz de inibir iniciativas que estejam orientadas
contra seus interesses. E tem pleno acesso, conforme se constata, aos
círculos do poder. E, mais do que tudo, são entendidos como peças
estratégicas na formatação do capitalismo brasileiro, especialmente no
que se refere à sua inscrição no sistema econômico internacional. O
agronegócio é aí, como se sabe, determinante.
IHU On-Line – Na última entrevista que nos concedeu (disponível em
http://bit.ly/Nu4OqB), o senhor falou sobre o conflito interno do PT
entre a volta de Lula e a reeleição de Dilma em 2014. Agora que isso, a
princípio, já está decidido, o que a opção por Dilma indica sobre os
rumos do partido para os próximos anos?
Werneck Vianna – Em primeiro lugar, eu mantenho certa inquietação
sobre qual será o candidato à presidência por parte do PT em 2014. Este
lançamento prematuro da campanha presidencial de Dilma me surge como
uma “zona de sombra”. Por que tão cedo? Para forçar a irrupção da sua
presença e torná-la inamovível? Ou porque há riscos da presidente, que
tenta a reeleição, ser ultrapassada pela candidatura Lula, por pressão
do próprio partido. O PT não é Dilma. O PT é Lula. O voto de massas não é
Dilma. O voto de massas é Lula. Eu não posso sustentar que Lula será o
candidato. No entanto, essa é ainda uma possibilidade, especialmente se
Dilma não tiver êxito na condução da vida econômica. Essa precipitação
das eleições fez com que o gênio saísse da garrafa. Candidaturas que mal
se podiam vislumbrar hoje começam a ser tangíveis. Outra questão é essa
dos direitos humanos, com a indicação desse deputado do Partido Social
Cristão [Marco Feliciano], o que seria um descalabro em qualquer
momento, por qualquer critério, mas ele está tomando uma importância,
uma envergadura muito maior em função do momento da sucessão
presidencial. A indicação desse parlamentar, com a história e as
posições dele, com o perigo que ele representa para a paz social
brasileira, com as suas posições fundamentalistas, agrava esse quadro e,
ao mesmo tempo, mina do ponto de vista prático e simbólico, a natureza
de um partido de esquerda, libertário, como o PT se apresentou e ainda é
e, em grande parte, representa. Tudo agora se agrava em função da
sucessão presidencial. Os pequenos fatos da vida política começam a
fazer parte da grande política com os candidatos manobrando no sentido
de converter esses incidentes em oportunidades para o seu
fortalecimento.
IHU On-Line – Qual a influência que a presença do PT no poder
Executivo federal provocou no fortalecimento do partido em outras
instâncias de governo, como as municipais e estaduais?
Werneck Vianna – Contribui muito, certamente, tendo a máquina
governamental na mão. E com essa política indiscriminada de alianças, o
PT foi muito hábil em projetar sua presença de modo capilar na vida
municipal. No entanto, não tem lastro organizativo. O PT até hoje não
tem um jornal. Sua vida nos municípios e nas grandes capitais, de
arregimentação e mobilização, é muito restrita. E alguns dos movimentos
sociais estão se distanciando. Então, é uma esquerda que, para seguir em
frente, foi capitulando do seu programa, em alguns momentos até de
alguns de seus princípios como, por exemplo, o da ética na política. E
foi se tornando uma presença tradicional na política. O que não quer
dizer que não ative ainda reformas, só que reformas pontuais, porque na
verdade, especialmente com Dilma, o governo do PT, que aí está, se
tornou o grande operador do modo do capitalismo brasileiro.
Internamente, de um lado e externamente do outro. Basta ver a eleição
dos grandes campeões da indústria a serem beneficiados por
financiamentos no sentido de levar a economia brasileira para fora da
fronteira em nome de um projeto que nada mais é do que um projeto de
grandeza nacional. Essa é a história.
Se o PT não é mais um partido de esquerda? É. Agora, de que esquerda se
trata? Qual a sua capacidade de interpelação, com seu programa de
mudanças efetivo? A meu ver estamos em uma virada de página. Boa parte
das expectativas mudancistas dependia do exercício do carisma pessoal do
presidente. Mesmo que não mudasse nada, só a presença dele já
significava uma enorme mudança, com sua gesticulação, sua denúncia
sempre retórica dos ricos, enquanto fazia uma política extremamente
benfazeja para eles, com uma retórica sarcástica. Mas, enfim, ele foi
capaz de fazer esse milagre de conduzir ou ser o herói modernizador do
capitalismo brasileiro, de um lado, e de outro lado governar com o apoio
dos setores subalternos da sociedade. A Dilma não tem como fazer isso,
nem que queira. Ela é uma gestora, pensa melhor a partir da lógica dos
problemas sistêmicos do que dos problemas políticos e sociais. Eu tenho a
convicção de que o PT vai vencer as eleições em 2014, salvo
imprevistos. Mas em 2018 o Natal mudou. Há uma mudança de guarda na
política brasileira. Há quadros novos emergindo. É uma era que está se
fechando diante de nós e que, do ponto de vista da esquerda, vai nos
deixar em um mundo desertificado, porque ela não aproveitou esses 12
anos de governo. Não foram anos de enraizamento, de aprofundamento de
uma cultura de esquerda no país. Do ponto de vista da esquerda, tudo
está por fazer.
IHU On-Line – E como avalia a ação da oposição nesses 10 anos de PT à frente da presidência da República?
Werneck Vianna – Muito fraca. Não educou ninguém, não se educou,
não soube criar uma plataforma alternativa. Ficou no discurso retórico,
teve uma presença muito pobre e limitada. O legado político da oposição a
esse governo, nesses 10 anos, é muito fraco, especialmente para a
esquerda, que perde com o legado da situação e perde com o legado da
oposição. Além disso, corre o risco de um aventureiro vir aí para
arrebatar o que puder.
IHU On-Line – Quando o senhor fala que a esquerda perde, se refere a que esquerda?
Werneck Vianna – A esquerda em geral.
IHU On-Line – Algum partido em específico?
Werneck Vianna – Não apareceu nada de novo. O país se inclinou de
forma a favorecer mais políticas conservadoras do que políticas
efetivamente mudancistas. Basta ver o que ocorre com o tema dos direitos
humanos, da reforma agrária e uma série de outros. O conservadorismo
não perdeu força ao longo desses anos 10 anos. Talvez ele tenha
recuperado a sua presença. Os partidos conservadores que estão no Brasil
estão no governo. Estão juntos na coalizão governamental.
Fonte: IHU On-Line, nº 413, 1/4/2013
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