Uma das palavras mais irritantes no momento é “narrativa”. Tudo é uma questão de narrativa. Falta aos candidatos uma narrativa... Ou: o candidato X tem uma narrativa... Enfim, por mais lugar-comum que seja falar em narrativas hoje, o fato é que elas são importantes no contexto eleitoral.
A eleição é uma operação a futuro e a descoberto. Não tem “hedge”. A opção feita é para ganhar ou perder. Não há alternativa. Assim, para alguém fazer uma opção tão arriscada deve ter partido de alguns pressupostos. Basicamente, existem três fatores que motivam um eleitor a escolher um candidato.
O primeiro é meramente fisiológico. Vota-se em troca de algo palpável e visível que possa ser, idealmente, executado de imediato. O voto fisiológico pode ser rasteiro, em troca de uma dentadura ou de tijolos, ou, ainda, embalado em interesses corporativistas. Vota-se na expectativa de que o eleito possa assegurar ou obter benefícios – imediatos ou futuros – para o eleitor.
A segunda opção é ideológica. Vota-se por afinidade de princípios ideológicos. Esse é um eleitor escasso no Brasil. Até pelo fato de os partidos políticos, que são os veículos das ideologias, serem instituições desmoralizadas. Poucos partidos são verdadeiramente ideológicos. E quase todos são de esquerda.
A terceira opção reside no encantamento que o candidato possa causar no eleitor com sua reflexão sobre a conjuntura. O eleitor, a partir de uma visão desideologizada da realidade, opta pelo candidato que melhor representar seus anseios e expectativas. A Alemanha não era nazista, mas escolheu Hitler. O Brasil não era petista, mas escolheu Lula. Não foram opções ideológicas.
Salvo o eleitor fisiológico, cuja motivação independe de uma narrativa que justifique sua opção, os demais eleitores são suscetíveis à aceitação de uma narrativa. Necessitam “comprar” uma história que os leve a firmar aquela opção futura. Seja por uma crença ideológica, seja por convencimento.
Durante décadas as promessas de campanha eram ingredientes relevantes nas narrativas dos candidatos. Porém o simples ato de prometer perdeu vigor e credibilidade. Nos dias de hoje, pela desmoralização da política e pela desconfiança nas instituições, para se comprar um discurso há de se compor uma alegoria que tenha começo, meio e fim. Enfim, uma narrativa completa.
A narrativa, objetivamente, tem alguns elementos: um fato, um tempo, um lugar, personagens, causa, modo e consequência. Um candidato (personagem) narra fatos (problemas) que ocorrem em determinado tempo, que tem causas e modos e que geram consequências. A ele cabe apresentar as soluções que atendem à expectativa do desenrolar dos problemas.
A boa narrativa de um candidato não está apenas no seu discurso. Envolve também sua postura, a embalagem e a difusão da sua mensagem, além da coerência entre o mensageiro e a mensagem. Mas, acima de tudo, a compatibilidade da mensagem com a conjuntura.
A conjuntura do Brasil tem alguns temas preponderantes, a saber: corrupção, segurança pública e desemprego. Tecnicamente, os candidatos que necessitam de uma narrativa para encantar o eleitor deveriam tomar posição em torno desses três temas e construir a sua mensagem.
Mas não é tão fácil assim. Pois existem aspectos que transcendem a mera intenção de abordar determinado tema. Muitas vezes o tema é bom e o mensageiro também, mas o interesse é baixo. Foi o caso de Cristovam Buarque em 2006, com sua bandeira da educação na campanha eleitoral. Não havia interesse relevante no tema a ponto de fazer o eleitor querer votar nele.
Hoje, em tempos de final de pré-campanha, há apenas duas narrativas predominantes. Uma é conduzida por Jair Bolsonaro (PSL), que mistura renovação, lei, ordem e segurança pública; e a outra conduzida pelo ex-presidente Lula (PT), que é a do perseguido por ter sido o “pai dos pobres”. Os demais pré-candidatos buscam um ganho para as suas campanhas eleitorais, o que ainda não conseguiram.
Existe claramente uma vocação pela renovação. Mas a renovação por si só não se sustenta. Caracteriza-se mais como uma antinarrativa. Por isso o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) e Lula sofrem rejeição muito elevada, por serem representantes do mundo tradicional da política que está sendo desconstruída pelas investigações da Operação Lava Jato.
Os demais candidatos possuem franjas de votos, porém não encaixam uma narrativa que seja realmente popular. O centro reformista tampouco tem, até agora, narrativa que atenda às expectativas de um eleitorado desiludido com a política. Basta ver que, na pesquisa espontânea, boa parte dos eleitores entrevistados não têm candidatos e/ou dizem que votarão em branco.
A narrativa da estabilidade econômica, que poderia ser bem utilizada pelo ex-ministro Henrique Meirelles (MDB), foi soterrada pela artilharia midiática contra o presidente Michel Temer (MDB), atacado não apenas por eventuais pecados, mas por ter sido o coveiro do sonho esquerdista de governo. Para piorar, a sensação térmica da economia não é boa a ponto de criar uma narrativa de sucesso a favor de Meirelles.
O PSDB de Alckmin até agora não construiu uma narrativa para ele ser um candidato competitivo. O eleitorado, enfurecido com a política e diariamente envenenado por uma mídia espetaculosa, quer candidaturas que tragam esperança de tempos melhores. Os eleitores não querem apenas promessas de tempos melhores. Querem candidatos que, em sua postura e sua narrativa, demonstrem que as mudanças começam já e agora. É um processo muito louco e que mexe com o psicossocial da coletividade. Quem dominar a chave desse processo deverá ganhar as eleições.
(*) Advogado e consultor, mestre em ciência política e doutor em sociologia (Universidade de Brasília), é professor da Columbia University
Fonte: O Estado de São Paulo (30/06/18)
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