“Direita envergonhada” (“abashed right”, no original) foi a expressão utilizada pelo cientista político Timothy Power, da Universidade Oxford, para referir-se ao paradoxo de os políticos brasileiros —que em outros países se auto definiriam como de direita— recusarem essa qualificação.
Duas década após a publicação do seu livro “The Political Right in Post-Authoritarian Brazil: Elites, Institutions and Democratization”, Penn State University Press, 2000, (A Direita Política no Brasil Pós-Autoritário: Elites, Instituições e Democratização), ocorre curiosa inversão: a normalização do nosso sistema partidário, pela emergência de partidos e setores autodefinidos como de direita e ultraconservadores, tem causado perplexidade descabida.
O fenômeno da direita envergonhada não é novo, muito menos brasileiro. Albert Thibaudet registrou na década de 1930 o que chamou de sinistrismo: a diferenciação do sistema partidário na França pela proliferação de novos partidos, sempre pela esquerda. O termo direita, argumentava, havia adquirido conotação pejorativa devido à associação com a monarquia e à idolatria da república.
O mesmo aconteceu no Brasil e na América Latina em que a qualificação de direita passou a ser associada aos regimes militares e ao autoritarismo (tolerado na agenda pública em sua versão à esquerda).
O sinistrismo mudou: nas últimas décadas há uma tendência de afastamento dos antigos modelos de partidos socialistas e comunistas. Brasil, África do Sul e Índia são as únicas democracias em que ainda existem partidos comunistas não reformados com presença ativa na arena pública.
Partidos de extrema direita e ultraconservadores existem em todas as democracias classificadas como plenas pelo The Economist Intelligence Unit. As democracias têm remédios constitucionais para violações da ordem constitucional. Todo cuidado é pouco porque a tentação iliberal tem sido muito forte. Mas não há nada patológico, pelo contrário, no surgimento de partidos que defendem pautas ultraconservadoras.
Preferências que permanecem latentes, como as conservadoras, explicam fenômenos que causam perplexidade, como mobilizações sociais súbitas, rebeliões, etc. Esse é o argumento da falsificação de preferências de Timur Kuran em “Private Truths, Public Lies”, (Verdades Privadas, Mentiras Públicas), Harvard University Press, 1995.
Assim, não há uma nova direita conservadora que adquiriu voz com o Bolsonaro: ela sempre existiu desde o fim do regime militar, com suas verdades privadas. Mas, é claro, beneficia-se, e muito, do choque no sistema partidário produzido pela Lava Jato.
(*) Marcus André Melo é professor de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco e doutor pela Sussex University.
Fonte: Folha de São Paulo (02/07/18)
Nenhum comentário:
Postar um comentário