terça-feira, 11 de novembro de 2014

Pinóquio para presidente (Gil Castello Branco)




É conhecida a fábula de Collodi e o seu personagem Pinóquio, simpático boneco de madeira cujo nariz aumentava quando mentia. Seria ótimo que o mesmo acontecesse com os políticos, especialmente nas campanhas eleitorais, porque é gritante a contradição entre as palavras e os fatos ocorridos após o pleito.

Bastaram duas semanas para Dilma transformar a sua carruagem em abóbora. A presidente reeleita deve ter se inspirado em Maquiavel, que no seu livro "O Príncipe" (1513) aconselhou: " É preciso fazer todo o mal de uma só vez a fim de que, provado em menos tempo, pareça menos amargo."

A quinzena do mal foi intensa. O Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), elevou em 0,25 ponto percentual a taxa básica de juros (Selic), com o argumento de que precisava garantir cenário mais "benigno" para a inflação em 2015 e 2016. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou aumentos de tarifas em Roraima, Amazonas e no Rio de Janeiro. O Ministério da Fazenda anunciou déficit primário de R$ 20,4 bilhões nas contas do Tesouro, Previdência Social e BC em setembro, o pior resultado de todos os meses desde o início da série histórica, em janeiro de 2007. O ministro da Fazenda já demitido confessou que a meta fiscal não será alcançada este ano. Para que as autoridades econômicas não sejam enquadradas em crime de responsabilidade, a equipe econômica vai recorrer ao Congresso, que deve ajustar o primário para o limite menor.

A balança comercial brasileira registrou o maior rombo mensal desde 1998. A gasolina e o diesel já estão mais caros. O número de brasileiros em situação de extrema pobreza cresceu em 2013, conforme dados oficiais divulgados na página do Ipea, à surdina, após as eleições. O desmatamento da Amazônia em setembro e outubro deste ano cresceu 122% se comparado ao mesmo bimestre no ano passado, o que também só veio à tona depois do pleito.

Na terra de Macunaíma - obra surrealista do escritor Mário de Andrade repleta de aspectos fantasiosos e ilógicos - tão logo Aécio Neves ganhou as eleições, Arminio Fraga e Neca Setúbal subiram os juros e adotaram o receituário ortodoxo recomendado pelos banqueiros que fumam charutos e somem com o prato de comida da mesa das criancinhas. Até os subsídios ao BNDES a trinca já cogita reduzir! Dane-se a verdade.

No vale-tudo das eleições brasileiras, se Jesus Cristo fosse candidato, o marqueteiro de Dilma, João Santana, demonstraria que o PT fez mais em 12 anos do que o filho de Deus em 33. O maior milagre de JC foi multiplicar peixes e pães dando de comer a cinco mil fiéis na Galileia, enquanto o Bolsa Família atende 56 milhões de pessoas! A frase "Vinde a mim as criancinhas..." seria apresentada com conotação de pedofilia. Pobre Jesus Cristo. Antes morrer na cruz.

Nestas eleições, desconstrução foi sinônimo de mentira, intimidação, calúnia e difamação. A maior vítima foi a candidata Marina Silva, que se comparou a Davi enfrentando dois Golias. Com poucos minutos diários na TV, sem a funda e as pedras, sucumbiu, às barbas do Tribunal Superior Eleitoral, que só coibiu a baixaria no final das eleições. Por essas e outras, a reforma eleitoral deveria debater o favorecimento descarado dos que concorrem exercendo mandatos de deputado, senador, governador e presidente da República utilizando verbas públicas para combustíveis, telefones, locações e até os palácios. Além disso, é necessário discutir limites para os valores das campanhas, as relações promíscuas entre doadores, partidos e candidatos, a reorganização do Fundo Partidário e do horário eleitoral gratuito, entre outras questões.

Enfim, após eleita, Dilma se vestiu de branco e pregou o diálogo. Ao contrário do que afirmava, preocupou-se com a contenção da inflação, a retomada do crescimento e o reequilíbrio fiscal. No pacote incluiu surradas promessas de reduzir as despesas com seguro-desemprego, abono salarial e auxílio-doença. Assim, espera resgatar a credibilidade das contas públicas - maquiadas pela contabilidade irresponsável - e evitar que o Brasil perca grau de investimento.

Até que ponto o festival de notícias impopulares teria afetado a votação da presidente reeleita, caso tivesse acontecido antes de 26 de outubro, são outros quinhentos. Mas, convenhamos, se não é estelionato eleitoral, é muita cara de pau.

Como o personagem de Collodi faz parte de uma fábula e os narizes dos políticos não crescem, resta-nos sugerir nas próximas eleições a adoção do detector de mentiras. Caso contrário, Pinóquio vai acabar presidente...

Gil Castello Branco, economista, é fundador da ONG Associação Contas Abertas.
Fonte: O Globo

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