Temos sucessão, não alternância, na Presidência
Uma tese fundamental da democracia é a da alternância no poder. Isso significa que duas forças políticas, ou às vezes mais que duas, disputam a hegemonia política, e a vitoriosa numa eleição pode muito bem perder a seguinte, ou uma seguinte. Pode, não. Deve. Os partidos assim se alternam, de modo que mais se "está no poder" do que se "tem" (ou "conquista") "o poder". Ninguém é dono, na democracia, do poder.
Mas temos tido alternância no poder federal, nosso poder mais forte, porque define a economia? Não exatamente. Temos tido sucessão, não alternância. Explico. Três principais partidos presidiram a República desde o fim da ditadura. O PMDB, após José Sarney, deixou de ser competitivo em termos presidenciais. O PSDB perdeu três eleições sucessivas, deixando o Planalto, e a maior parte dos analistas não prevê sucesso para ele este ano. Pior até, ele corre o risco de perder para Eduardo Campos a posição de líder da leal oposição ao PT, o que sangraria a agremiação tucana, com quadros e votos migrando para uma nova estrela da política - que, por sua vez, se posicionaria bem para a copa eleitoral de 2018.
Mas mesmo o PT que, depois do susto de meados do ano passado, quando a candidatura Dilma perdeu quase metade das intenções de voto em questão de semanas, se recuperou e agora até tem a chance de ganhar as eleições já no primeiro turno - mesmo ele corre o risco de se esvaziar até 2018 e de não ter um nome competitivo para o que seria um quinto mandato petista. Não discuto aqui se isso é melhor ou não para o país. O que quero dizer é que temos, hoje, uma situação circunstancial: um esvaziamento de nomes que sejam bons candidatos, nos dois partidos de clara vocação presidencial; e uma condição estrutural: nossos partidos, quando deixam a presidência, param de ser competitivos. Uma derrota na eleição presidencial pode significar, se não o beijo da morte, pelo menos uma anemia séria, que preserva parte dos seus ganhos políticos, mas não permite que volte aos momentos de glória.
Tudo isso são hipóteses, mas que convém explorar. Começando pelos candidatos prováveis, os dois partidos que há vinte anos dividem a cena política exibem certo desgaste. A alternância de dois governadores paulistas como candidatos do PSDB se esgotou. Alckmin até teve, em 2006, menos votos no segundo turno do que no primeiro. Serra expôs sua incapacidade de crescer. Ficou como candidato Aécio Neves que, porém, segundo os analistas, não decola. Já do lado petista, o próprio nome de Dilma Rousseff surgiu depois de liquidadas as candidaturas da primeira geração partidária, Dirceu, Genoino e Palocci por escândalos, Tarso por não ter apoio no partido. Na geração deles, talvez reste Jaques Wagner, mas que não tem tido exposição nacional. O nome cada vez mais citado para 2018 é o de Fernando Haddad, mas é delicado um partido apostar num nome único (o mesmo problema do PSDB, quando conta apenas com Aécio), ainda mais porque a cidade de São Paulo é uma caixa preta, que pode muito bem levar um prefeito seu ao fracasso.
Curiosamente, é a terceira força que tem o maior estoque de nomes. A aliança entre Eduardo Campos e Marina Silva pode tanto reforçá-los quanto se estressar. Mas a soma de PSB e Rede tem um traço promissor, na medida em que propõe tirar-nos de uma cansativa polarização entre PT e PSDB. Ambos foram ministros de governos petistas, ambos hoje garimpam votos entre os tucanos. O PT adotou como estratégia desconstruí-los, apresentando-os como traidores; o PSDB prefere lisonjeá-los, vendo neles possíveis aliados para o segundo turno. Mas também o partido de Aécio tem, neles, uma ameaça. Se levarmos em conta o desgaste tucano e o apelo da aliança Eduardo-Marina, é possível que o amálgama, por enquanto mal feito, entre socialistas que não defendem o fim do capitalismo e sustentáveis que foram da ecologia para a economia, acabe dando certo.
O que temos, então? Se o PSDB ganhar, começa uma história nova. Se perder mas ficar em segundo lugar, terá que se reconstruir, para deixar de ser o perdedor constante da nossa política federal. Mas, se cair a terceiro, pode baixar para dimensões equivalentes às do atual DEM, pálido fantasma do que já foi. Para o PT, a vitória é o melhor cenário, como por sinal para os tucanos, mas coloca a questão do candidato em 2018, tema que não é trivial. Já a derrota pode ser calamitosa. O PT aprendeu a ser governo e esqueceu como é ser oposição. Não terá candidato nato para 2018, nem poderia ungi-lo a partir de uma posição de poder. Pelo menos, é improvável que o PT fique em terceiro lugar. Finalmente, o PSB+Rede é o contendor que ganha em qualquer cenário. Vencendo a eleição, isso é óbvio. Mas, se tiver o segundo lugar, desbanca o PSDB e sangra esse partido. Eduardo e Marina assim se posicionam bem para 2018. Para eles, mesmo o terceiro lugar, se for conquistado com uma votação honrosa, é positivo, porque os mantém no páreo.
Mas cabe a questão que iniciava o artigo. Parece que no Brasil os partidos são razoavelmente bons para disputar o poder mas, depois de passar por ele, perdem a garra competitiva que os fez chegar lá. O PT vive um desgaste, até natural, de ser governo por doze anos. Mas o PSDB vive o desgaste, esquisito, de ter sido governo no passado, doze anos atrás. Dá vontade de brincar, dizendo que nossos partidos, depois de passarem pela Presidência, não conseguem se desestatizar, voltar à livre concorrência... Parece que nossa política federal opera por uma série de sucessões, não pela ida e vinda característica da alternância. Por quê, é uma boa pergunta.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
Fonte: Valor Econômico (10/03/14)
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