O governo Bolsonaro anda de lado. Os sinais são óbvios. Perdeu seu ministro mais popular, reagiu mal à crise e as pesquisas não andam lhe favorecendo. Há um conjunto de investigações delicadas em curso e o último levantamento do Datafolha diz que 45% dos eleitores apoiam seu impedimento.
Tudo isso pode ser apenas conjuntural e a crise se dissolver, quando a pandemia passar, mas intuo que há algo mais estrutural nesse processo.
O governo Bolsonaro é fruto de um arranjo instável entre três movimentos difusos na sociedade brasileira: o conservadorismo cultural, os movimentos contra a corrupção (o lavajatismo) e a agenda liberalizante, apoiada pelo mercado.
A agenda conservadora nunca andou. Ninguém se lembra mais de temas como Escola sem Partido ou a redução da maioridade penal. Coisas como o excludente de ilicitude e a nova regulamentação do porte de armas rodaram no Congresso.
A agenda em torno de Sergio Moro igualmente andou muito pouco. Temas caros ao ex-ministro, como a introdução do "plea bargain" e a prisão em segunda instância foram derrotadas ou simplesmente não andaram, no Congresso, e de quebra ele teve de assistir à instituição do juiz das garantias, depois suspensa pelo STF.
O que andou, até o final do ano passado, em ritmo lento, foi a pauta econômica. Temas como a reforma da Previdência e a Lei da Liberdade Econômica foram seus carros-chefes. O boletim Focus de dezembro previa 2,3% de crescimento para 2020, com inflação e juros nas taxas que sabemos.
As coisas andaram, no primeiro ano, à base de um arranjo de autonomia do Legislativo, dada a recusa do presidente em formar a coalizão majoritária. Disse que, em que pese minoritário, o governo conduzia uma agenda econômica majoritária no Congresso.
Estudo do Observatório do Legislativo Brasileiro demonstrou que 74,4% dos deputados apresentaram notas acima de 7, em uma escala de 0 a 10 de fidelidade ao governo. No Senado as coisas foram melhores.
O arranjo desmoronou a partir da virada do ano. Em boa medida, ruiu pelas indefinições do próprio governo, que nunca apresentou sua visão sobre a reforma tributária e sequer enviou a reforma administrativa.
Ruiu também pelo crescimento da pauta corporativa do Congresso, expressa no Orçamento impositivo, pelas dificuldades políticas do presidente, pela perspectiva do embate eleitoral e pelo consenso cada vez menor diante de reformas difíceis.
A pandemia explodiu de vez a agenda econômica, o feijão da feijoada deste governo. Feijoada de caldo ralo, diga-se, em um governo que nunca foi de fato liberal (a política de educação é mostra disso), mas que envolvia iniciativas de reforma fiscal e do gasto público nas três PECs do programa Mais Brasil.
Tudo agora pertence ao passado. O país termina os dias contando seus mortos, filas imensas de brasileiros sem máscara se formam nas agências da Caixa, pelo auxílio de R$ 600, e tudo indica que vamos terminar o ano com queda superior a 5% do PIB e déficit superior a R$ 600 bilhões, com o qual vamos conviver durante anos.
Em meio à turbulência, o governo ensaia adesão tardia ao modelo de coalizão, com cooptação do centrão. Previsível: o arranjo anterior, que chamei de modelo de corresponsabilidade, só funcionava sob a batuta das reformas estruturais que (por um bom tempo) perderam seu momento político.
Trata-se de um modelo de sobrevivência política. Pode servir para o governo se proteger, na hipótese de votação de um processo contra o presidente, mas não irá muito mais longe.
O que o país precisa é de repactuação. Algum sentido de estabilidade institucional. Da liderança política como um todo, a começar pelo presidente da República, que faria melhor saindo da cerca, no entorno do palácio, e trocando a lógica do entretenimento político pelas questões de Estado.
Folha de S. Paulo-7 de maio de 2020
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