Jair Bolsonaro nutre profunda descrença pela ciência. Ou, talvez, não faça a mais pálida ideia do que seja. Como, por sinal, demonstrou na formação do governo, ao chamar um astronauta para conduzi-la, refletindo, com isso, sua visão sobre a órbita da pesquisa e da inovação no Brasil.
Mas há uma ciência a que dá ouvidos: a da análise aritmética das pesquisas de opinião. Entre estas e o avassalador ciclo da pandemia que assombra o mundo, sua opção foi ignorar urbi et orbi, até relevar os pitos que tomou das autoridades mundiais, para escolher o que lhe interessa de verdade, a campanha da reeleição.
A rota de fim do mundo que a covid-19 sugere não é problema para o presidente. Bolsonaro, à vontade como um médico que não é, até receitou remédio, de eficácia duvidosa e efeito colateral certeiro, desafiando a doença. Também pediu conformismo diante das estatísticas da morte, já que, na sua lógica displicente, todos morreremos um dia. Limitou a estas suas considerações.
A ciência da pesquisa de opinião pública, ao contrário, é levada a sério. Com ela acionou a luz vermelha da sala de onde, no Planalto, se detonam os discursos, tuítes e decisões que agridem o bom senso em qualquer idioma. De lá saíram recomendações, como as de iniciar uma cruzada contra o distanciamento social que previne o contágio da doença, criar um contraponto a ela com a derrocada da economia, insuflar o comércio a abrir suas portas a pretexto de garantir o emprego.
Enquetes de março estão lhe dizendo que sua popularidade não sofreu abalo significativo a ponto de comprometer a reeleição, mas o mesmo benefício da dúvida não foi dado à atuação na economia. Esta avaliação piorou de uma maneira consistente.
É a informação mais importante que se pode extrair dos números levantados em plena crise. Pesquisa Ipespe para a XP, por exemplo, aponta inversão da curva na economia: antes, 48% diziam que o governo estava no caminho certo e 38% no caminho errado. Agora, 48% acham que está no caminho errado. Outra má notícia para Bolsonaro é a opinião sobre quem é o responsável pela situação econômica ruim. Antes, 3% atribuíam responsabilidade a ele. Agora, já são 17%. Foi a partir disso que o presidente, debilitado por um PIB em decomposição, ficou mais nervoso e desembestou.
O costume de transferir a culpa do mal para o Congresso, a imprensa e opositores políticos, e do bem para si próprio, não funciona na aflição aguda. Não há como fugir nem fingir: o governo federal é o responsável pelas ações para combater os dois maiores medos da população, hoje. A morte e, para quem escapar, o desemprego.
A economia, sabe o candidato, será determinante, principalmente para quem pede ao eleitorado o voto da reeleição. O agravamento da pandemia, somado à imprudente mistura do risco suicida no enfrentamento da peste à campanha eleitoral, produz um Bolsonaro sem rumo, na colheita dos resultados de sua desorientação.
Os que poderiam enfrentá-lo desapareceram na crise. Paulo Guedes acredita na ciência, está de quarentena. Sérgio Moro resolveu impermeabilizar as fronteiras. O PT se escondeu da crise, ou talvez já não exista mais. A hipótese Luciano Huck, forte em dezembro e janeiro, arrefeceu, talvez para evitar contágio eleitoral das posições polêmicas de alguns próximos.
MDB e PSDB não devem ser subestimados, já derrubaram dois presidentes e, no momento, procuram uma saída, com discrição, mas não têm nomes disponíveis. Ciro Gomes apareceu assinando um manifesto ao modelo estudantil, que não leva a nada. Só o general Hamilton Mourão e o governador João Doria, dos candidatos já conhecidos, usam as chances de enfrentar o desvario do presidente. Doria, porém, tem tarefa mais séria e árdua a cumprir no auge da crise que tem epicentro no Estado que governa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário