quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

O resultado das eleições conta (Albert Fishlow)

No mundo todo, a espera angustiante por notícias otimistas tornou-se a regra. O coronavírus parece estar se espalhando. A taxa de mortes vem crescendo acentuadamente na China, enquanto em outros países o número de casos vem aumentando, ainda que com menor intensidade. As restrições às viagens de chineses estão se ampliando em toda parte, especialmente após a pausa dos feriados de ano-novo. Apropriadamente, estamos no Ano do Rato, o que traz à lembrança os horrores da Peste Negra de muitos séculos atrás. Desta vez, o morcego parece ser o principal responsável.
As consequências para o comércio internacional são negativas, o que impede a recuperação do mercado mundial e a reversão dos baixos números dos anos recentes. A globalização cede espaço a um populismo intenso e a barreiras protetoras, que dificultam o fluxo de bens e serviços, de capitais e pessoas. A busca por soluções locais ganhará prioridade.
Sem um impulso econômico externo, vai se apelar para déficits nacionais para manter o crescimento. Todos estão surpresos de que a menor alta nos preços não tenha levado a taxas de juros maiores. Assim, nos Estados Unidos, Grã-Bretanha e outros países europeus, bem como na China, Índia e parte da América Latina, têm se registrado grandes déficits. O menor custo da manutenção de estoques e as taxas menores de juros nos países em desenvolvimento ainda são suficientes para atrair um capital externo que, em seus países de origem, tem retorno negativo.
A política é a principal preocupação do momento. A maioria dos líderes (e parlamentares) prefere hoje ações governamentais que aumentem os gastos em lugar de os restringir. Entre a atual retração e o anterior compromisso democrático, a decisão de gastar ganha força. Há ainda uma ajuda adicional na queda de preços, especialmente dos combustíveis, reduzidos por causa do menor crescimento industrial da China e do aumento do fraturamento hidráulico pelos EUA para extração de petróleo.
As próximas eleições nos Estados Unidos e Brasil são relevantes. Populistas de direita – como os atuais presidentes dos dois países – acreditam nas virtudes dos ricos e na preguiça dos pobres. Há pouco interesse em melhorar a distribuição de renda. Eles acham que governos locais são totalmente responsáveis pela saúde, educação, saneamento, etc, permitindo assim a redução de impostos federais sobre a riqueza. É chocante como esses serviços essenciais são negligenciados e como é baixa a qualidade dos ministros da educação.
Trump foi absolvido no julgamento de impeachment. Todos os senadores democratas votaram pela saída do presidente e apenas um senador republicano votou a favor do impeachment. A ira de Trump veio à tona em numerosos tuítes, concentrando-se naqueles que tiveram o desplante de tentar proibi-lo de fazer o que quiser, quando quiser.
Muitos funcionários que testemunharam contra ele foram demitidos dos cargos. E a popularidade de Trump aumentou nas pesquisas, enquanto democratas da esquerda populista apelam para os jovens em busca de mudanças revolucionárias. Trump os chama de comunistas.
Bolsonaro no momento está sem partido. Sua projetada Aliança para o Brasil – na qual procura apoio popular via internet – não estará em condições de disputar as próximas eleições municipais. Mas candidatos que apoia certamente aproveitarão todas as oportunidades de se identificarem com ele.
Bolsonaro tem demitido ministros e outros funcionários que o desagradam. Seu círculo administrativo mais próximo consiste agora de militares. Ao mesmo tempo, ele mantém no governo – em cargos diferentes – alguns demitidos por comportamento inapropriado, mas que têm apoio de seus familiares. Sua popularidade também sobe.
As próximas eleições presidenciais em ambos os países vão mostrar se o centro conseguirá retomar o controle político e reestabelecer compromissos com valores democráticos. Parlamentares e tribunais têm um papel decisivo a desempenhar, em lugar de serem dominados pelo Executivo. E, num sistema federalista, o mesmo se aplica a governadores e deputados. Tanto nos EUA como no Brasil, diferenças regionais voltaram como fator divisório que eram antes. Isso é também é verdadeiro em todo o mundo. A resistência à imigração avança. O livre comércio é desafiado como não era desde os anos 1930.
A força positiva da globalização dos últimos 60 anos perde terreno para um nacionalismo crescente. Esse desafio exige liderança real para evitar um retorno a décadas menos felizes e menos prósperas. / Tradução de Roberto Muniz
O Estado de S. Paulo/16 de fevereiro de 2020

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