“A escolha do presidente da República continua a constituir o maior drama do país, seu único drama.” Se é verdade o que afirma Hermes Lima, em 1955, vivemos agora o entreato: passado o momento da escolha, as expectativas voltam-se para o que vem pela frente. O que será o futuro governo Bolsonaro?
Os cenários foram antecipados pelo autor: “Se o presidente é dotado de forte personalidade e seu partido conta com maioria no Congresso, o Executivo, já poderoso pelo seu caráter unipessoal, impõe avassaladoramente sua vontade. Se o presidente é fraco, o Congresso toma o freio nos dentes. Em qualquer dessas hipóteses, não há colaboração, há predomínio”.
Para Lima, há assim um jogo de soma zero nas relações Executivo-Legislativo. Mas, na realidade, há ganhos de troca nessa relação e ambos podem beneficiar-se.
O modo default de funcionamento das relações Executivo-Legislativo é com predominância do presidente: o Executivo domina a agenda do Congresso, porque tem instrumentos regimentais para isso, dispõe da caneta para nomear, demitir e liberar recursos do Orçamento. A popularidade presidencial é crucial nesse jogo.
Assim, no modo normal de operação, é fácil construir maiorias porque para os parlamentares há incentivos para a cooperação, e o saldo líquido de custos e benefícios é positivo. A estratégia dominante para os atores é cooperar.
A hiperfragmentação pode favorecer o Executivo: ela cria problemas de ação coletiva entre os membros da coalizão de apoio do governo. Na ausência de fatores que produzem coordenação entre os parlamentares, os custos de cooptação tornam-se baixos. Comprar apoio no varejo é barato.
Mas a fragmentação no Congresso tem outra face: o problema inverte-se quando o Executivo tem que mobilizar supermaiorias, caso de emendas constitucionais que exigem quórum de três quintos. Ter um cartel legislativo é crucial dependendo da agenda.
Na realidade, o Congresso só “toma o freio nos dentes” quando está acuado, sob ameaça. O temor cria coesão. O mesmo ocorre quando os custos reputacionais se tornam muito elevados —quando a popularidade presidencial entra em colapso devido a escândalos, crise econômica, ou combinação dos dois.
Cooperar com o Executivo torna-se proibitivo nesses casos. Ou quando a barganha colapsa ao envolver instituições que o Executivo já não pode controlar, pois autonomizaram-se (como ocorreu sob Dilma).
No curto prazo, não veremos nem hegemonia avassaladora do Executivo nem Congresso “com o freio nos dentes”. O elemento definidor será como o presidente reagirá a ameaças de instituições que não controla.
(*) Marcus André Melo é professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
Folha de São Paulo/10 de dezembro de 2018
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