Enquanto candidatos e partidos se ajeitam na largada da campanha, pode ser útil conhecer o que pensam da política aqueles que os premiarão com a vitória ou punirão com a derrota. Para isso vale recorrer ao Latinobarómetro, entidade de pesquisas de opinião sediada no Chile, que desde 1995 afere, ano a ano, os humores da sociedade em 18 países da área.
Seus dados mostram que os brasileiros estão especialmente insatisfeitos com a política e suas instituições. Em 2017, apenas 6% confiavam no governo, 7% em partidos e 11% no Congresso — porcentagens bem inferiores à média latino-americana e que aproximam o país daqueles vizinhos com histórias políticas bem mais atribuladas e pouca experiência democrática. É o caso de Honduras, El Salvador, Guatemala, Peru, México, Paraguai e Colômbia. Entre nós, as Forças Armadas, a polícia e o Judiciário são relativamente mais confiáveis, embora longe da marca de 50% das opiniões. Maioria expressiva dos brasileiros só confia na Igreja.
Apesar da inesperada companhia em que o país se encontra na região, as tendências observadas destoam menos do que se poderia esperar do que se passa nas nações mais ricas e de longa tradição pluralista. O desencanto e a desconfiança em face das instituições democráticas, especialmente os partidos políticos, são fenômenos reconhecidos e estudados pelos especialistas em política europeia e norte-americana.
O que chamam de "desafeição democrática" convive, paradoxalmente talvez, com a adesão firme à democracia como sistema e forma de governo a serem preservados. Seriam, portanto, sociedades habitadas por democratas insatisfeitos.
Alguns autores acreditam que essa insatisfação corrói a legitimidade da democracia; outros a consideram expressão positiva da presença de um público mais informado e, em consequência, mais propenso a exercer vigilância sobre os governos.
No Brasil, porém, a reticência diante das instituições representativas se estende à democracia propriamente dita. Menos da metade dos cidadãos (43%) se declaram democratas convictos, sustentando que o regime de competição política é sempre melhor; já a maioria se divide entre os poucos que dizem preferir um regime autoritário e os muitos para quem tanto faz.
Esse quadro não se explica pelas difíceis circunstâncias atuais. Repete-se desde que o Latinobarómetro iniciou os seus levantamentos, há mais de duas décadas.
Só em três ocasiões, nos governos do Partido dos Trabalhadores, os democratas convictos ultrapassaram —por pouco, embora— o patamar de 50%. Em 2017, não mais de 13% dos brasileiros afirmavam estar satisfeitos com a democracia. E, numa quase unanimidade, 97% acreditam que o governo serve aos poderosos. Em nenhum outro dos 18 países pesquisados os números são tão desalentadores.
Em lugar de democratas insatisfeitos, temos aqui cidadãos insatisfeitos, a maioria descomprometida com um regime político competitivo e pluralista. Estará ele em risco por isso? Como se sabe, a democracia representativa é o governo limitado da maioria, cujas inclinações não se refletem automaticamente nas decisões públicas, mas são filtradas pelas instituições e interpretadas pelas lideranças sobre as quais repousa a estabilidade do sistema.
Enquanto essas, por convicção ou interesse, estiverem alinhadas com a democracia e suas regras, nada a temer. O problema emerge quando entram em cena figuras empenhadas em explorar a insatisfação e desconfiança dos eleitores seja qual for seu custo para a democracia.
(*) Maria Hermínia Tavares de Almeida, é professora titular de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
Folha de SãoPaulo (15 de agosto de 2018)
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