Por Bruno Villas-Bôas
A seguir, os principais trechos da entrevista do cientista político, historiador e membro da Academia Brasileira de Letras José Murilo de Carvalho ao Valor:
Valor: A eventual prisão do petista representaria o fim do lulismo, o fim da presença de Lula na política brasileira?
José Murilo de Carvalho: É cedo para afirmar. Vai depender muito do comportamento dele. De qualquer modo, políticos com apelo popular (Getúlio Vargas, Juan Domingo Peron) tendem a ter longa vida, pelos menos na memória coletiva.
Valor: O que isso representa para a esquerda brasileira?
Carvalho: O fato de o PT, com, no mínimo, a aprovação de Lula, ter-se deixado atrair pelas práticas de malfeitos, causou um grande dano à esquerda e à política brasileira. País com o grau de desigualdade como o nosso precisa de um partido forte de esquerda que saiba promover reformas estruturais de redistribuição de renda. Aderindo a práticas anti-republicanas, contra suas próprias propostas iniciais, o PT desmoralizou a esquerda. Precisa reinventar-se, coisa que sua liderança atual não parece estar disposta a fazer.
Valor: Existe eventual herdeiro dessa tendência?
Carvalho: Não vejo.
Valor: Como fica a questão da presença do Lula na história do Brasil? Com o Lula será lembrado dentro de 50 anos?
Carvalho: A biografia política dele ainda está incompleta. Até agora é um empate: uma fase brilhante, seguida de outra constrangedora. Ele ainda tem tempo para desempatar em uma ou outra direção.
Valor: O lulismo pode ser considera de esquerda ou está dentro de uma construção política mais tradicional?
Carvalho: Chamo de políticas de esquerda aquelas que reduzam a desigualdade por meio de reformas estruturais e não apenas por um distributivismo vizinho do clientelismo. Nos governos do PT não houve aumento de impostos sobre heranças e sobre grandes fortunas, não houve alteração nas faixas do imposto de renda e na redução de impostos indiretos etc.
Valor: Um presidente eleito numa eleição sem Lula, nessas circunstâncias, terá algum problema de legitimidade?
Carvalho: Será um dos problemas que terá de enfrentar. O outro, talvez mais importante, será o de garantir uma base no Congresso para poder aprovar reformas impopulares, sem recair nas práticas que levaram ao mensalão e à Lava-Jato.
Valor: O conceito de populismo no Brasil de hoje guarda aplicação prática? É possível chamar Lula e outros políticos da cena brasileira contemporânea de populistas?
Carvalho: É um conceito problemático, uma metamorfose ambulante. O período clássico do populismo entre nós, de 1946 a 1964, teve muito mais propostas de reformas estruturais do que no pós-ditadura (as chamadas reformas de base). Mesmo assim, não chamaria Lula de populista, embora possua o ingrediente populista do carisma.
Valor: Onde a esquerda errou? Quando a esquerda foi para a institucionalidade, ela tinha a opção de fazer diferente? Ou ela tinha necessariamente que jogar o jogo como o jogo foi jogado?
Carvalho: O voto de esquerda no Brasil não é suficiente para a formação de governos com base congressual suficiente para governar. As alianças são indispensáveis. No entanto, o PT vendeu a alma ao aderir com tanta sede às práticas que condenava. Não faltaram alertas de vários membros do partido que acabaram por abandonar a sigla denunciando os desvios.
Valor: Qual a leitura que o senhor faz dessa crise que vivemos de junho de 2013 até agora?
Carvalho: Ao que tudo indica, não terá consequência na eleição, com a vitória de um político tradicional. Esse não é um resultado que fica na contramão desse processo que vem desde 2013? Sinto uma enorme frustração. Não há saída satisfatória. Ampliando o horizonte temporal, o pessimismo aumenta. Seja qual for o resultado da eleição deste ano, mesmo com Lula, e dos anos seguintes, a interrupção da sequência virtuosa FHC-Lula levou a um recuo econômico que exigirá alguns anos para ser desfeito. Nesse meio tempo, nosso grande problema de desemprego, subemprego e baixa qualificação da mão-de-obra será agravado pela automação que está reduzindo o emprego até em países de mão-de-obra qualificada. Receio que não teremos mais condição de incorporar ao mercado os milhões de excluídos atuais e futuros. Às vésperas do bicentenário da Independência, a sensação que tenho é de que perdemos o bonde da história. Consolo-me achando que é pessimismo próprio da idade.
Fonte: Valor Econômico (29/01/18)
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