Não se pode ser contra quem anda insuflando o Huck a sair candidato. Não o conheço, não votaria nele, mas respeito os argumentos de quem o patrocina. Não se deveria vetar iniciativas políticas desse tipo, até por uma questão de princípio. Todos devem ter direito de propor nomes e articular candidaturas, lutando por elas se acaso nelas acreditarem de verdade.
Também não hostilizo o rapaz, que deve ter seus méritos. Acho uma bobagem extrema dizer que ele não pode ser candidato porque não passa de um “funcionário da Globo” e representaria os interesses dessa organização. É uma acusação que só comprova os tempos intolerantes e de retórica autoritária em que vivemos. É ridículo, para dizer o mínimo, medir sua estatura política ou intelectual pelo programa de auditório que ele pilota há anos. Parte da esquerda aprecia essa prática, em nome da necessidade de apreender os nexos explosivos entre a economia e a política. Para ela, a posição no mercado remete imediatamente a uma posição na política. É a reiteração do mesmo dogmatismo que despreza a complexa dialética entre economia e política e que, aos trancos e barrancos, tem ajudado a empurrar o marxismo para a margem.
A ideia de que Huck pode ser o “sangue novo” que falta à política tradicional e que, por isso, poderia representar a alternativa de que carece o “centro democrático” está, porém, desprovida de substância política. Novo de que tipo? Pela esquerda, pelo centro, pela direita, por sobre partidos, a partir de “movimentos cívicos”? Coisas novas, em política, não saem do bolso do colete de alguém dotado de visão superior. Nenhum caso foi assim: Collor em 89, Lula em 2002, Macron na França, todos surgiram a partir ou de uma construção complexa, ou foram a expressão de lideranças que de algum modo estavam na política. Não há um novo “puro”. A ideia é abstrata e precisa ser traduzida. Especialmente quando embalada por articulações e desejos afirmados de cima para baixo, sem a devida maturação, sem aquele processamento indispensável para que se acerte o alvo, ou se chegue perto dele com um mínimo de autenticidade, massa crítica e base operacional.
Nada contra a ação dos bastidores. Em boa medida, todos os nomes nascem de conchavos e negociações que rolam em camarins pouco acessíveis. Mas somente vencem aqueles que, dispondo de bons bastidores, demonstram ter resiliência e competitividade para chegar ao coração do povo e dobrar os adversários. É tudo óbvio, mas não custa lembrar.
A fonte propulsora de uma eventual candidatura de Huck parece ser a preguiça dos políticos democráticos de enfrentar a própria crise, de romper com a inoperância que ameaça corroê-los e inviabilizá-los.
Ninguém sabe o que pensa Huck, além da promessa de “renovar a política”. Seus patrocinadores nem sequer se preocupam em agregar qualidade programática ao nome dele, como se achassem que prestígio televisivo e apoio de algumas lideranças são suficientes para fazer um país. Credibilidade não é extensão natural de popularidade. Dizem que sua plataforma será construída no devido tempo e a partir de itens “autoevidentes”, impostos pela necessidade que o país teria de “renovação”. É mais uma desculpa que uma explicação.
Se Huck quer mesmo se colocar a serviço de uma causa — e não há motivos para que se duvide disso –, há muitos lugares disponíveis para tal empreendimento na política. Deveria começar do começo, amassando barro e sujando as mãos. Despejado sobre a sociedade como descoberta “genial” de alguns morubixabas, poderá até vencer, mas não terá raízes em que se apoiar. Precisará ser tão assessorado e tão protegido que não poderá dar passos à frente sem as muletas daqueles que o descobriram e patrocinaram. Seu poder, assim, não lhe pertencerá. Nem a ele, nem ao povo que o eleger.
Patrocinado por um dos polos do drama nacional nosso de cada dia, ainda terá por efeito encrespar o polo adversário, prolongando a polarização de que precisamos nos livrar.
Fonte: O Estado de São Paulo (14/02/18)
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