Apesar das críticas contundentes ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o sociólogo José de Souza Martins, 78, contestou as acusações contra o petista e acredita que até agora não há prova de crime para que ele seja condenado.
"Querer botar na cadeia por botar na cadeia é uma besteira, porque desgasta o processo de que o Brasil precisa, que é uma depuração do que o empresariado faz", afirmou.
Para o professor titular aposentado da USP, o PT é um partido de direita e o crescimento do segmento evangélico nas urnas "é preocupante".
• Folha - Qual é a sua interpretação do encolhimento do PT nas urnas?
José Martins - O encolhimento nas urnas foi o episódio final de um encolhimento que começou na campanha eleitoral do Lula em 2002, quando o partido faz acordos políticos para chegar ao poder que implicaram em renunciar a tudo que era o compromisso político e ético do partido com as chamadas bases populares. Com isso, foi descartando as lideranças mais representativas do ideário original.
• Isso reduziu sua identificação com a esquerda?
Três grandes facções dizem o que o PT é. Uma a sindical, representada pelo Lula. Apesar de se falar em novo sindicalismo, não mais tutelado pelo Estado, a estrutura do sindicato continuava sendo de direita, autoritária, corporativa, etc. Não dá para falar em esquerda aí. A segunda facção era a da Igreja Católica e a terceira, grupos de esquerda antistalinistas, mais intelectual. São de esquerda, mas residual, não orgânica ou doutrinária.
• Para onde foi a esquerda doutrinária brasileira?
Hoje é o PPS, que se transformou em partido social-democrata.
• Mas o PPS é tido como partido de centro-direita por analistas de esquerda.
Não é, isso é maldade dos petistas. O PT bota carimbo de direita em todo mundo. eles nem sabem o que é direita. Na verdade, eles são a direita hoje, porque se tornaram o partido do poder, não o partido de uma causa, da superação dos problemas políticos e sociais do país.
• Ser do poder qualifica um partido como de direita?
Se é do poder pelo poder e não para fazer superação das contradições, ele tem funções de direita e eu acho que o PT caiu nessa. Desde pelo menos 2002.
• Quem então representa a esquerda, a direita e o centro no Brasil?
Somos um povo partidarizado, mas não politizado. Não temos partido de esquerda que doutrina o processo histórico. É muito o poder pelo poder. Você tem facções, o PSOL, que é residual de qualquer modo. Não vejo potencial. Em compensação, cresce o partido evangélico. O PRB fez muitas prefeituras e provavelmente vai fazer no Rio de Janeiro também. Isso é direita. Aqui o partido quer chegar ao poder e depois faz exatamente o que todos fizeram.
• O PSDB também?
PSDB também, não é diferente. Muda o estilo, não essencialmente. O PSDB é uma vítima do sistema como qualquer outro.
• Vítima?
Sim, porque você não pode governar se não transige com partidos de orientação oligárquica. PMDB e esses que representam as regiões politicamente atrasadas, partidos familistas, aquele monte de assessor, cargo de confiança etc.
• O PT também é uma vítima desse sistema?
É uma vítima que gostou de ser vítima. Esse é o erro do PT, acho que era um bom negócio fazer um tratado com essa gente em nome do poder.
• E o PMDB?
O PMDB é um partido oligárquico, representa o Brasil arcaico. Aproximou-se do governo Fernando Henrique, que era centro-esquerda, e se aproximou do PT, que era um pouco mais de esquerda, e agora está com Temer, que você não vai dizer que é de esquerda ou centro-esquerda.
O localismo é muito importante na política brasileira, desde o século 19, e não tem ideologia doutrinária. Ele é a sua própria ideologia no exercício do poder, de distribuir cargos para os amigos, uma coisa que o Lula tentou fazer e se enganou porque deixou de ouvir os discordantes.
• Voltando ao PSDB, Alckmin e Doria também representam o centro-esquerda?
De jeito nenhum. Eu não diria que Alckmin é direita, é centro. O centro é muito difuso, cabe tudo. É que nem biquíni, mostra o supérfluo e esconde o principal. O Doria eu acho que não vai para a esquerda de jeito nenhum.
• Mas vai para a direita?
Acho que não. A direita é a direita violenta, o regime militar, que justifica toda a violência possível contra as pessoas e as práticas iníquas que você pode imaginar.
• Mas o PRB representa isso?
É um partido de enquadramento moral de todo mundo. Se o PRB ganhar, você se cuide. Vai ter de se enquadrar.
• O PT oferece o mesmo risco?
É um partido de centro-direita, corporativo, de tradição conservadora, com uma visão da sociedade de enquadramento, tanto que se você não for petista você não conversa com petista.
• Por isso o senhor critica o congresso da Anpocs?
Sim, o PT esteve no poder 13 anos e a Anpocs nunca fez um debate sobre os problemas do PT, que eram óbvios. O Fernando Henrique Cardoso, que é um grande sociólogo, reconhecido internacionalmente, um teórico, inclusive, nunca foi convidado. Tem um monte de exceções aqui dentro, mas tem esse viés corporativo de não querer abrir um flanco com o PT. Foi um erro não ter aberto debate crítico, da Anpocs e das universidades.
• Como recebe as denúncias contra Lula?
O Lula é o aluno que eu queria ter tido na universidade. Ele não toma nota, ouve –coisa que os alunos não fazem mais–, aprende, compreende e toma as decisões dele. Não segue assessor. Se provarem que ele recebeu pessoalmente dinheiro, não terá alternativa senão ir para a cadeia. Agora, precisa provar e não estou vendo nada por aí. E querer botar na cadeia por botar na cadeia é uma besteira, porque desgasta o processo de que o Brasil precisa, que é uma depuração do que o empresariado faz.
Quando Lula vai para a cadeia? Provavelmente não vai, porque sabia quais eram os limites do presidente da República. Os assessores que achavam que sabiam demais e estão aí agora.
• Palocci, Mantega?
Ah, sim, e Dirceu. Esse pessoal sempre achou que ia mandar no Lula. Se o Lula se implicou [nos casos de corrupção], é muito mais esperto do que os outros. No começo do ano, eu achava que ele tinha chance em 2018. Era o candidato mais provável.
• Continua achando?
Não acho tanto mais. Porque os grupos de apoio se afastaram e um decisivo é o da igreja. Ele deveria deixar de se candidato e se colocar como espécie de mentor espiritual, como o FHC. Se fizer isso, o PT recupera o poder. Mas ele dá sinais de que não compreendeu isso.
Thais Bilenky - enviada especial a CAXAMBU (MG) – Folha de S. Paulo
( 27/10/16)
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