O signo da Lava-Jato não se restringe ao ciclo de hegemonia de um partido político, como tornaram evidente os acontecimentos no último mês. As ações contra Guido Mantega e Antonio Palocci apertaram o laço sobre o PT, Cunha nas mãos da força-tarefa ensombrece o destino do PMDB e as delações de Marcelo Odebrecht e suas dezenas de executivos trazem em si o potencial de atingir de forma generalizada o cardinalato do PSDB.
Quem quer que seja eleito dentro de dois anos estará sob investigação, ou alicerçado em partidos ou estruturas na mira da polícia. A eleição de 2018 não será uma nota de corte em relação ao processo atual.
Não por acaso o contágio democrático, universal e amplo das denúncias impulsiona o veio reformista do Congresso. Trata-se da elite política procurando ordenar uma tendência que parece inexorável: a do fim do sistema partidário como ora é conhecido. Na grande maioria dos países em que uma crise política aguda se instalou, encontrando-se em geral com uma crise econômica, este sistema se dissolveu. Estão aí os exemplos da Venezuela, Itália e do Peru nos anos 90, a Argentina do corralito, e, mais recentemente, Grécia e Espanha.
Proibir coligações, estabelecer cláusula de barreira e rever as regras da eleição proporcional, se prosperarem, serão tentativas de dirigir este processo de mudança. Não se aposta na eleição de um presidente que reorganize um núcleo de poder, nem mesmo com o início de conversas mais concretas entre o PMDB e o PSDB sobre o que virá.
A eleição de João Doria em São Paulo, que é a única que verdadeiramente conta para a eleição presidencial, colocou Geraldo Alckmin no primeiro plano da vitrine do que há disponível para 2018. O governador paulista provou com sua vitória na capital que tem densidade para bancar uma guerra interna no partido pela candidatura presidencial.
Sua personalidade reúne várias virtudes que podem impulsioná-lo em 2018: é um conservador distante dos extremos, o que lhe confere a compostura necessária para agregar o eleitor antipetista, e com um provincianismo que transmite simplicidade e sinceridade nos modos. Mas terá que atravessar muitos rios caudalosos.
Seu ponto mais vulnerável é sua gestão em São Paulo. O peso dos anos se faz sentir e os tucanos já estão no fim do 21º ano de governo, dez dos quais sob o mando de Alckmin. As fragilidades das realizações administrativas se tornam claras. Os fatos falam sozinhos sobre o êxito do governo estadual em disputar o controle dos presídios com o crime organizado, sua capacidade de diálogo com professores e estudantes para reorganizar o ensino e tino para tocar obras de transporte no prazo e sem soluções de continuidade.
Alckmin tem o desafio da desconexão entre sua imagem pessoal, que é boa, e a de seu governo, regular na melhor das hipóteses, e pode ser puxado para baixo pelo que a base tucana fez em verões passados. Uma candidatura presidencial sua não muda o sinal que a eleição de 2018 deverá trazer.
A renovação que procurou construir com a eleição de João Doria terá dificuldade de servir de anteparo ao dano que os acordos dos empreiteiros com os investigadores poderá trazer ao PSDB, sobretudo em relação a casos de "caixa 2". É um rumor que cresce mesmo entre aliados paulistas de Alckmin, impressionados com os primeiros dados revelados pelas planilhas do "setor de operações estruturadas", que vieram à luz no fim de março deste ano.
Ainda que nada exista no horizonte envolvendo diretamente o governador com algum malfeito, ele corre o risco de se misturar com o desgaste que pode crescer sobre o PSDB de São Paulo.
O governador paulista ainda pode ser condicionado pela complexidade da aliança que terá que armar. O vice-governador, Márcio França, não é tucano. Pode abrir caminho para Alckmin dentro do PSB, mas dificilmente abrirá mão de concorrer à reeleição, se assumir o cargo de governador no caso de desincompatibilização.
França não tem densidade para concorrer ao governo, mas, em pleno voo na aventura presidencial e frente ao desgaste de sua administração, Alckmin não terá como patrocinar um novo João Doria para disputar o Palácio dos Bandeirantes. Alternativas como Alexandre Moraes, Floriano Pesaro e do próprio Doria são, cada uma, inviáveis à sua maneira.
A depender do arranjo que se faça para a sucessão presidencial, Alckmin pode atar o seu destino ao do PMDB, o que abriria caminho para uma candidatura ao governo de Paulo Skaf. Mas a coligação tucano-pemedebista a este nível pode ampliar a exposição de uma candidatura presidencial nesta aliança ao ambiente corrosivo de denúncias.
O casamento entre PMDB e PSDB, ressalte-se, é um imperativo que tende a se concretizar independentemente dos rumos da Lava-Jato. Não os unirá o amor, e sim o espanto, como escreveu Borges em um poema. O PSDB depende do sucesso de uma política econômica, o PMDB precisa de lastro para fazer a travessia até 2018 e o furacão da Lava-Jato deve reforçar a necessidade mútua.
O apoio do PMDB a um tucano para a sucessão de Temer é uma hipótese muito mais provável que a de candidatura própria do partido. A credibilidade do presidente para angariar apoio ao seu duro plano de ajuste fiscal sempre depende das garantias que apresenta de não concorrer. Elas são exigidas não apenas pelo principal partido aliado, mas também pela elite empresarial. Interessa ao mercado que um governo desconectado de uma lógica eleitoral, ao menos no curto prazo, administre o país.
A marca da Lava-Jato em 2018 deverá se dar em algum momento do próximo ano, com a provável condenação de Lula em segunda instância. Retirado do cenário o líder nas pesquisas de intenção de voto, restará um cenário onde nenhum dos presidenciáveis ultrapassa hoje 19% das preferências. Não há espaço para o fato novo, o ser providencial.
Fonte: Valor Econômico (21/10/16)
Nenhum comentário:
Postar um comentário