Uma citação exaustivamente repetida e atribuída a Winston Churchill afirma que na guerra, só se morre uma vez, e na política, muitas. A moral do chavão é que o tempo na política é instável apenas em sua superfície. Na essência, estamos diante de fenômenos de longa duração. Não amanhece um Brasil novo a cada fase da Operação Lava-Jato, vive-se o Brasil de sempre. A luz de uma estrela extinta, como prova a astronomia, pode durar muito.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já é alvo de investigações formais no Ministério Público no Distrito Federal e em São Paulo, e, sem que se admita ainda, em Curitiba. Os fatos falam por si ao se medir o desgaste em sua imagem. A última pesquisa de opinião divulgada, encomendada pela CNT, sugere que hoje Lula iria ao segundo turno da eleição presidencial de 2018, mas não se elegeria. O levantamento mostra que para 70,3% dos entrevistados Lula é culpado de corrupção no âmbito das investigações da Lava-Jato, dentre os 88,6% do universo pesquisado que tomou conhecimento das denúncias.
Há duas questões centrais: se este quadro tende a manter-se nos próximos anos e qual seria seu significado caso ele se consolide, ou seja, com uma quarta derrota de Lula em uma eleição presidencial.
É razoável supor que um núcleo lulista sólido sobreviva ainda que o ex-presidente termine preso. Esta é uma opinião compartilhada mesmo por observadores da cena política extremamente distantes do PT, como é o caso do sociólogo José de Souza Martins, que lançou este ano o livro "Do PT das lutas sociais ao PT do poder", coletânea de artigos que mostra a mudança de sua percepção sobre o ex-presidente entre 2002 e 2015.
"Ele sai como mártir", opinou Souza Martins, que justifica a tese em sua análise da matriz do lulismo. O sociólogo acredita que o ex-presidente e o PT emanaram de três fontes: o sindicalismo, o radicalismo da esquerda que pegou em armas durante o regime militar e o catolicismo de base. É o último vetor que permitiria, até hoje, uma comunicação fluida de Lula com um segmento do eleitorado que, em sua primeira eleição presidencial, era cativo de oligarquias.
Este veio reveste Lula de características messiânicas, um líder capaz de levar seu povo excluído para uma terra prometida, porque, ainda que esteja circunstancialmente misturado com a família do Faraó, não se torna igual aos dominadores.
Não por acaso Lula obteve suas maiores votações em 2002 em áreas de religiosidade mais intensa, independente da confissão, como o oeste gaúcho e catarinense, a periferia paulistana, o sertão mineiro e nordestino e o interior do Amazonas.
O enraizamento de Lula nos municípios de maior vulnerabilidade social foi consolidado com o programa Bolsa Família, como mostrou a pesquisadora Sonia Luiza Terron em sua tese de doutorado sobre o padrão territorial da votação de Lula, apresentada no Iuperj em 2009 e disponível na internet. Quebrou-se com o programa as relações de troca que edificaram o clientelismo.
Escândalos de corrupção, por um lado, e a própria dinâmica econômica, pelo outro, foram esmaecendo os demais vetores, sindical e de esquerda, que alimentavam Lula e sua principal correia de transmissão, o PT. O padrão estabelecido em 2006 repetiu-se nas eleições presidenciais seguintes.
É o silêncio das panelas no bairro do Perus, em São Paulo; frente à estridência dos protestos em Higienópolis e em Copacabana, pelo outro, que ainda precisa ser interpretado para se entender o que pode ocorrer em 2018. O eleitor típico lulista não é surdo e nem cego, e logo considerar que Lula ganhará a condição de mártir caso seja buscado pela Polícia Federal é um exagero, mas por ora permanece mudo.
A história pregressa mostra que Lula já entrou em uma eleição fadada à derrota, em 1998, para manter espaço político. É o tal do "ganhar perdendo", a que várias vezes se referiu em 2014 Marina Silva, uma potencial herdeira da vertente messiânica da política. Seria possível repetir a manobra dos anos 90 em 2018?
Barrar o caminho de Marina Silva pode ser um dos fatores propulsores de uma sexta candidatura presidencial de Lula. A ex-senadora transita na mesma faixa do ex-presidente por fatores que vão muito além do religioso, aspecto de centralidade cada vez mais relativa nos dias atuais: ela se situa, em um plano simbólico, como ligada a classes de menor poder aquisitivo. Também de certo modo é apoiada por uma frente, capaz de congregar movimentos sociais, militantes de esquerda e aproveitadores de oportunidades empresariais que se abrem em um processo eleitoral.
Em 2018, Marina é a adversária a quem Lula pode superar. O PSDB só perde seu favoritismo caso suas tensões internas levem a uma explosão da sigla.
O PT, sem Lula, não tem como manter a condição de polo político na próxima eleição. Garantindo-se no comando da oposição, o petismo ganha uma chance para buscar outra identidade.
Ter voz é outra motivação para uma candidatura previamente derrotada. Partir para a competição eleitoral é tentar retomar o controle da narrativa da própria vida política. Se por um lado a presença de Lula no cenário eleitoral acirra a oposição contra si, por outro tinge com as cores da paisagem da disputa palestras bem remuneradas, viagens ao exterior em áreas estratégicas para empreiteiras, usufruto de imóveis inexplicavelmente reformados e outros quetais.
A derrocada econômica de Dilma, paradoxalmente, é um terceiro fator que pode justificar uma candidatura. Sem estar no palanque para se explicar, Lula pode deixar evidente quem é o sócio majoritário do catastrófico governo de sua sucessora.
Na situação em que se encontra, caso fique fora do cenário eleitoral, Lula estaria exercitando a opção da retirada. Tenderia a perder influência. Como dizia a abertura da música de sua campanha de 2002, da lavra de Duda Mendonça, "não dá para apagar o sol, não dá para parar o tempo". Lula calcina na planície, longe do panteão dos heróis da pátria.
Fonte: Valor Econômico (26/02/16)
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