quinta-feira, 10 de abril de 2014

Desmanche ou repactuação da “Unanimidade”? Ou como vencer uma guerra sem travar grandes “batalhas” opondo países imaginários? (José Roberto Bonifácio)

O folclore político regional sempre nos brinda com novos mitos e lendas, quando não de máximas e atitudes, que atualizam e reforçam antigos hábitos e costumes. Assim o está sendo com a pesquisa eleitoral divulgada pelo jornal “A Gazeta” nesta semana. Aqui analisamos as repercussões, as condicionantes e os antecedentes desta no jogo político regional, para a maneira como os atores constroem expectativas e operam suas estratégias, constroem mundos e cenários, realistas ou imaginários. Veremos que tais especificidades e implicações nos levam ao âmago mesmo do discurso da “unanimidade” e à maneira como este se relaciona ao funcionamento do “mercado político” e mesmo da “geopolítica” regional – expressões que se incorporaram a nosso imaginário político e ao léxico dos jogadores. Veremos que o folclore, os mitos, as lendas encobrem algo que escapa às analises mais superficiais e imediatas.

Desmanche ou repactuação da “Unanimidade”? Ou como vencer uma guerra sem travar grandes “batalhas” opondo países imaginários?

A primeira reação possivel ou cogitada à enquete do Instituto Futura, divulgada esta semana, acerca da sucessão estadual seria: “Mas estão pesquisando por cidades agora?” e “Por quê?”

Pontifica o instituto em seu diagnostico: “No maior colégio eleitoral capixaba (299,5 mil votantes), o socialista larga na frente com 33,5% dos votos, ligeira vantagem sobre os 30,8% do peemedebista na menção estimulada do Instituto Futura para A GAZETA na Avaliação da Gestão.“¹

Não se sabe pela leitura da matéria se está-se diante de um levantamento acerca das eleições vindouras ou acerca da avaliação de administradores públicos correntemente exercendo seus mandatos.

A esta perplexidade decorrente da confusão de objetivos se assomaria a constatação de que não faz sentido pois o colégio eleitoral de Vila Velha ou de qualquer cidade isolada não elege o governador nem senador. Por certo elege deputados estaduais e federais, que tenham seus “distritos” eleitorais excessivamente concentrados – e por isto mesmo vulneráveis.

Mesmo que se aduza que o conhecimento de um resultado num colegio eleitoral local é relevante para recalibrar as estrategias de marketing e investimento de mobilizadores, isto é algo deve constar do relatório final – que é informação PRIVADA do contratante da pesquisa e do instituto – e não  dobriefing que é lançado na imprensa.

É possível que se acessarmos o relatório geral vejamos que a pesquisa dá uma vantagem muito ampla ao governador, como notado por outros observadores da cena política.



Não poucos notarão que há ao menos um precedente para isto na historia eleitoral recente do ES: na década passada diriam que determinados setores “manipularam” pela margem de erro e pelo timing de divulgação das pesquisas visando deixar o então candidato Max Mauro em desvantagem sistematica (omitindo os ganhos de densidade e volume da candidatura ao governo estadual) nas semanas da vespera do pleito de 2002. A estas falhas de mercado que acentuam os riscos morais (moral hazards) (e não apenas meramente políticos) em que se envolvem os agentes econômicos no mercado, voltaremos a mais adiante.

Em princípio deixaríamos apenas ao Palácio e seus acólitos a leitura dos numeros e a “digestão”  dos mesmos, como que a mais um factóide oportuno e conveniente. Mas ainda assim não resistimos à necessidade de oferecer nosso mesmo entendimento.

Eis que as forças do “Hartunguistão”, hoje representado através do PMDB e do DEM, e em menor escala, o PSDB, buscou cobrir o seu flanco mais vulnerável, a saber, a gestão mal-fadada do prefeito Rodney Miranda na cidade de Vila Velha, a mais afetada pelos eventos climáticos da virada do ano.

Estrategicamente o movimento foi louvável pois indica uma proatividade e uma assertividade maiores que as demonstradas pelo próprio governo em face de suas fraquezas e debilidades.

Contudo, o alinhamento de circunstancias endógenas e exógenas da política regional ainda favorece a coalizão governante de centro-esquerda, a começar pelo suporte muito próximo do governo federal nos esforços de reconstrução pós-chuvas. Em seguida pelos investimentos produtivos e de infraestrutura que foram retomados ou se acham em vias de o serem – exemplo do aeroporto de Vitória e outros empreendimentos.

E, por fim mas não menos importante, pela estreita colaboração do PT e do PMDB na esfera federal para neutralizar os planos eleitorais de Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos/ Marina Silva (PSB/REDE). Esta ultima condicionante por certo tolhe movimentos do governador mas também do seu predecessor no cargo, praticamente congelando ou desencorajando os prospectos de vir a ser o esteio da candidatura tucana no ES – como não foi ou se negou a ser no passado.

Em verdade isto toca precisamente no aspecto psicológico ou comportamental que é fulcral à questão que se coloca: a extrema e arraigada aversão ao risco dos atores políticos, que no caso do hartunguismo é genética, visceral.

Do mesmo modo não é crível que uma CPI (ampla) da Petrobras/Metro/Suape vá adiante em sua operacionalização no Congresso, nem tanto pela sobrecarga do escopo ou foco difuso dos fatos investigados, e mais pela pouca disposição dos maiores partidos envolvidos em mancharem deliberada e indelevelmente suas imagens em ano eleitoral – e por, conseguinte, se privarem deliberadamente de “fontes” vultosas inauditas de recursos de campanha eleitoral.

Em assim sendo, tanto as oposições regionais quanto suas congêneres nacionais tendem a manter o status-quo imobilizado dada a indisposição de travar combate. Não cabe falar de “batalhas” vindouras (Itararé, Stalingrado) nem mesmo em sentido alegórico, dada a condição de absoluta falta ou precariedade das “armas” à disposição dos contendores.

Portanto, não é crível a hipótese corrente de que os políticos capixabas sofram duma espécie tropical de Maclellanismo Eleitoral², como se aventa. Mas sim, de que se esteja presenciando mais um episódio em que se manifesta a prevalência da “racionalidade dos caranguejos”, caracteristica marcante do modo de fazer política no Espírito Santo, nossa singularidade – se é que se pode falar de uma.

Hartung, assim como Aécio (e mesmo Eduardo Campos) não se armaram adequada e suficientemente a ponto de poder desencadear uma ofensiva que reverta a estratégia dominante do governismo, para poder sobrepuja-lo e ditar os contornos, a dinâmica e os temas relevantes do conflito político.

Por certo, a “Rodneylandia” não é o único flanco em aberto que os acólitos do governo anterior enfrentam, como se nota pelo comportamento do senador Ferraço (PMDB) ao prometer apoio à reeleição do governador, numa virada que surpreendeu tanto os correligionários de seu mesmo campo, quanto os observadores de sua postura na Camara alta do parlamento federal. Ao alternar entre o oposicionismo na arena nacional e o situacionismo na arena regional, o herdeiro da oligarquia sulista certamente reeditou o duradouro habitus adesista e ambivalente da cultura política em que foi socializado – e em nome do qual fora preterido na sucessão do próprio Hartung, em 2010.

Não por acaso, os demistas que se colocaram na linha de frente do prefeito de Vila Velha, em especial o atual e o ex-presidente da Assembléia Legislativa, respectivamente deputados Elcio Alvares e  Theodorico Ferraço, contra-atacaram a antiga administração da cidade canela-verde – leia-se Neucimar Fraga, que, ao passo em que se soma ao governismo regional, cerra fileiras tradicionalmente com o jovem senador, acometido duma súbita inflexão estratégica em sua carreira política.

A presente crise sucessória não assinala um “racha na base de governo” e tampouco a exaustão do que se convencionou chamar de “unanimidade” no discurso politico, como apontou a articulista do Século Diário³. Mas trata-se de uma cisão dentro do mesmo PMDB, ele mesmo a legenda pivotal do sistema politico regional e nacional, cisão esta que deixará sequelas muito duradouras a exemplo das que ocorrem em outros estados bem como na esfera federal. Os “caranguejos” metafóricos que habitam o peemedebismo – alguns de facto muito chegados ao estado putrefato das substancias que os alimentam -, aqui como em Brasília e outros estados, por certo não sabem ao certo para onde ir conjuntamente e, nesta desorientação, escolhem racionalmente as opções que maximizam seus prospectos de medio ou de longo prazo.

Hartung sabe muito bem que o ES está muito longe de virar o “Hartunguistão” sonhado pela Rede Gazeta e pelo Movimento Empresarial do ES (neste caso pela ótica detratora das mídias alternativas), como também por diversos analistas de variadas persuasões ideológicas e intrincadas conexões politicas. Do mesmo modo, o governador e os seus também sabe que a perpetuação por tempo indeterminado da “República de Castelo” (que chamamos aqui “Casagrandelandia”) é uma miragem irrealista. Só que no primeiro caso o projeto é sabotado pela saturação de material negativo (inquéritos judiciais, Rodney, denuncias de improbidade administrativa etc) no que difere do segundo caso.

A aposta geral do mercado politico é que Hartung está ensaiando outro blefe e não será candidato ao governo. Ao passo em que Casagrande, se quiser apoio do Planalto, vai ter que negar a Eduardo Campos a única ‘cabeça de ponte” que o PSB dispõe na região sudeste, sob a pena de ficar isolado das prioridades do governo federal. Coser e a solida maquina politica em que o PT ES se transformou estaria com a faca e o queijo e também a goiabada nas mãos para emplacar a campanha ao Senado se não houvessem Malta e também o candidato do governador, delegado Contarato, para complicar os seus prospectos, como se nota pela pesquisa recém divulgada (ver a imagem). Ao fim e ao cabo, cumpre dizer uma vez mais e sempre, pela natureza de nossa mesma cultura politica somos medrosos e arredios como caranguejos, temos uma intensa aversão ao risco – e PH expressa isto melhor que ninguém, assim como os outros dois.

Não sabemos se a pesquisa terá um impacto duradouro no mercado politico regional como se alardeia. Nem sequer sabemos a extensão ou a profundidade possivel destes. Para começar, em verdade a expressão “mercado politico” é propiciadora mais de confusões do que de esclarecimentos. A mesma tem um certo valor em certas disciplinas de Humanidades (Economia e ciência politica são as mais obvias…) e foi incorporada ao vocabulário (por vezes ao anedotário…) da politica regional na ultima década, assim como “geopolítica” e “arranjo institucional” sem que as pessoas refletissem seriamente acerca do seu significado. Pela lógica, mercado rima com competitividade e esta premissa é contraditória com o corolário da “unanimidade”. Pensando bem, como não existe competição perfeita nem na teoria nem na prática, o episodio se nos torna muito mais rico em especificidades e implicações, como se verá.

Com respeito às potenciais suspeitas e acusações de que a pesquisa se acha “manipulada” cumpra assinalar que o mesmo é valido para o arraigado habito de pensamento que instintiva e automaticamente atribui a todo e qualquer grupo de interesses solidamente organizado e atuante no espaço publico (MEES, Ipes/IBAD, Instituto Millênium…) o rotulo de “partido”, o que não reflete nem a vocação (muito menos abrangente e inclusiva) destes primeiros quando comparados aos últimos, assim como os papéis – representar nas arenas de governo é uma coisa, outra é financiar alguém que se pretende que o represente; se acha ausente a relação de delegação do representante para o representado no caso dos grupos de interesse mas se acha ou deve estar absolutamente cristalina e presente no caso dos partidos – e métodos de atuação – o fato de alguém financiar algum candidato não nos torna absolutamente predictável as ações deste no Executivo ou Legislativo, o teor absoluto das medidas que serão aprovadas ou implementadas. Por certo, a maneira como estes grupos de interesse operam e impactam o “mercado político” exacerbando as posições oligopólicas e mesmo monopólicas de determinados agentes e suas posições no jogo, refletem não apenas imperfeições intrínsecas a este mesmo campo, mas à mesma economia de mercado.

Certamente o MEES não perdeu poder ou influencia com o governo da centro-esquerda liderado por Casagrande haja vista a prevalência (digo prevalência não “dominância” e não “hegemonia” que são termos mais consagrados porem com significado e repercussões muito peculiares) da agenda “ES 2030″ nas ações do governo.

Com respeito à sociedade civil mais ampla o que se verifica é um problema mais amplo de apatia e desorganização que caracteriza as maiorias vis-à-vis as minorias – estas ultimas efetivamente povoaram, colonizaram a esfera publica para defender seus interesses empresariais e rentistas enquanto as primeiras foram imobilizadas pelos partidos que detem maior controle sobre os meios de mobilização social (notadamente o PT relativamente à CUT e as CEBs e o PSB relativamente à FETAES e certos segmentos juvenis).

Daí a sensação de que o personalismo tomou conta, assim como as maquinas politicas nele calcadas. A sensação realmente é a de que vivemos hora no “Hartunguistão” (como querem, por motivos opostos, o Século Diário e A Gazeta) hora na “Casagrandelândia” (como pretende a centro-esquerda palaciana). Com respeito ao Cel. Aurich apenas o tempo dirá se tem viabilidade e amplitude eleitoral. Por certo entra para dividir votos e financiamentos eleitorais.

Numa jogo político assim, saturado de folclore e de imaginação, como também de manobras e discursos os mais burlescos e dissimuladores, se tornam muito pervasivos os riscos morais (moral hazards) (e não apenas meramente políticos) em que se envolvem os agentes econômicos no mercado (neste caso os institutos de pesquisas), e os atores políticos no cenário representativo. Tanto num caso como no outro, aos custos de negociação mais característicos dum mercado marcado pela mais imperfeita competição (tanto que se diz  popularmente caracterizar-se pela “unanimidade”) vão se deteriorando progressiva e talvez irremediavelmente, assim como os riscos envolvidos. E isto se torna algo mais duradouro e profundo que a constatação corriqueira do quão personalistas e irracionais se afiguram as andanças de nossos “caranguejos”.



É isto o que as batalhas folclóricas e os “países” imaginários encobrem.



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